A lei fortalece as comunidades terapêuticas – em geral, clínicas antidrogas ligadas a religiosos, algumas com acusações de maus tratos –, e facilita a internação involuntária de dependentes químicos.

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Quem ganha com a nova Lei de Drogas não são os dependentes químicos – são os donos de clínicas

Projeto facilita internação involuntária e amplia verbas para comunidades terapêuticas, sem regular qualidade do serviço .

A lei fortalece as comunidades terapêuticas – em geral, clínicas antidrogas ligadas a religiosos, algumas com acusações de maus tratos –, e facilita a internação involuntária de dependentes químicos.

“Parabéns ao Brasil, parabéns a essa nação cristã. Deus acima de todos”. Assim, o ex-senador Magno Malta e outros donos de comunidades terapêuticas comemoraram a aprovação do projeto de lei que reformula a atual Lei de Drogas. Acompanhados de Osmar Terra, atual ministro da cidadania e autor do projeto, Malta e parlamentares da bancada evangélica gravaram um vídeo agradecendo Deus pela primeira vitória legislativa do texto, na semana passada. Nesta quarta, quando o PL, que agora segue para a sanção presidencial, foi aprovado também pelo plenário da Câmara dos Deputados, se reuniram para agradecer rezando em frente ao Congresso.

Simbolicamente, a lei anima o “exército” dedicado à guerra às drogas, endurecendo a repressão aos usuários, uma das principais bandeiras das bancadas religiosas. Na prática, fortalece as comunidades terapêuticas – em geral, clínicas antidrogas ligadas a religiosos, algumas com acusações de maus tratos –, e facilita a internação involuntária de dependentes químicos.

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Apelidada de Rouanet das Clínicas, a medida abre ainda possibilidade de dedução de 30% do Imposto de Renda em doações para as comunidades terapêuticas.
Não é a toa que quem mais comemorou a aprovação da matéria foram os representantes das ‘clínicas’ religiosas. A nova lei transforma as comunidades terapêuticas em protagonistas no atendimento a usuários de drogas, ampliando o financiamento público que recebem. As diretrizes do SUS, até então, indicavam a internação neste tipo de clínica como um último recurso, estimulando primeiro que os usuários fossem acompanhados pela Rede de Atenção Psicossocial – conjunto de serviços do SUS que oferece assistência social, psicológica e psiquiátrica gratuitamente.

Um total de zero artigos aborda mecanismos de fiscalização ou avaliação dos tratamentos oferecidos pelas clínicas.

Na prática, como faltam serviços da rede em diversas cidades, em muitos locais as comunidades terapêuticas se consolidaram como única oferta de tratamento. Hoje, existem mais de 1.800 entidades do tipo espalhadas pelo país.

No projeto aprovado pelo Senado – a toque de caixa, para evitar ser minado por uma possível aprovação da descriminalização do porte de drogas no STF –, três artigos, nove parágrafos e 124 linhas detalham as novas formas de financiamento para as clínicas terapêuticas. E um total de zero artigos, parágrafos ou linhas aborda mecanismos de fiscalização ou avaliação dos tratamentos oferecidos.

Ou seja, são concedidos uma série de benefícios às comunidades terapêuticas sem sequer determinar uma estrutura regulatória para esse tipo de clínica. “[Não há] nenhuma precisão conceitual, a própria definição do que é uma comunidade terapêutica é vaga”, diz o pesquisador Maurício Fiore, fundador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos, que estuda o uso de drogas e suas implicações.

O texto também não detalha critérios de qualidade para a prestação dos serviços terapêuticos. Não estão lá informações básicas, como, por exemplo, qual deve ser a formação profissional da equipe que atende os usuários de drogas. Ou como o governo vai fiscalizar irregularidades nas clínicas.

Ao menos R$ 17,5 milhões foram destinados a 20 comunidades terapêuticas denunciadas pelo MPF nos últimos 5 anos.

Espalhadas pelo país, muitas comunidades terapêuticas funcionam de forma ilegal, longe das vistas da fiscalização – como mostramos em fevereiro, ao mostrar como uma comunidade foi fechada após denúncias de torturas, violência física e trabalhos forçados. A clínica, Centradeq-Credeq, era conveniada com a prefeitura de seis municípios mineiros e habilitada a receber verbas federais no interior de Minas Gerais.

Nos últimos cinco anos, 390 clínicas deste tipo receberam verbas federais, segundo dados obtidos via Lei de Acesso à Informação. Mais da metade, porém (59%), não passaram por nenhuma inspeção nesse período. Esse ano, por sinal, apesar de o governo ter aumentado o número de comunidades terapêuticas contratadas, nenhuma inspeção foi feita ainda.
O próprio Ministério Público Federal denuncia os riscos das falta de fiscalização nessas entidades. No ano passado, um relatório elaborado pelo órgão em conjunto com o Conselho Federal de Psicologia denunciou desde casos de violência física até situações de trabalho análogo à escravidão em 28 clínicas nas cinco regiões do país.

Apesar das denúncias feitas pelo MPF, o governo segue repassando verba para entidades irregulares. Ao menos R$ 17,5 milhões foram destinados a 20 comunidades terapêuticas denunciadas pelo órgão nos últimos cinco anos.

Questionado sobre como serão coibidas as ilegalidades praticadas por clínicas que recebem as verbas federais, o atual Secretário de Cuidados e Prevenção às Drogas do Ministério da Cidadania, Quirino Cordeiro Júnior, responsável pelas clínicas, declarou que uma equipe foi contratada para iniciar fiscalizações nas clínicas a partir de junho.

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