SÃO PAULO, SP, 14.10.2016: ELEIÇÕES-SP - Até então desconhecido, o empresário Zé Turin foi eleito vereador de São Paulo pelo PHS. (Foto: Zanone Fraissat/Folhapress)

Vereador de São Paulo ganha R$ 19 mil, mas obriga funcionário a emprestar dinheiro para ele

Com salário de R$ 3,5 mil, servidor do gabinete de Zé Turin, do PHS, pegava empréstimos bancários para repassar para o filho do chefe.

SÃO PAULO, SP, 14.10.2016: ELEIÇÕES-SP - Até então desconhecido, o empresário Zé Turin foi eleito vereador de São Paulo pelo PHS. (Foto: Zanone Fraissat/Folhapress)

José Arivaldo Rodrigues, ou Zé Turin, como é conhecido, foi eleito vereador de São Paulo em 2016 pelo PHS, o Partido Humanista da Solidariedade. De lá para cá, Turin juntou R$ 415,8 mil em salários referentes aos 22 meses de trabalho prestado como parlamentar.

Em São Paulo, o salário de um vereador é de R$ 18,9 mil, um valor vinte vezes maior que o do salário mínimo (R$ 937). Mas, ao que parece, o dinheiro não foi suficiente para que o vereador consiga sobreviver. Um funcionário do gabinete de Turin, que não quis se identificar, contou ao Intercept que foi coagido pelo parlamentar a emprestar dinheiro para ele. Ele não é o único.

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“Ele pedia ajuda porque dizia que estava endividado. E a gente ajudava porque era nosso chefe. Mas ele nunca pagou de volta”, afirmou o servidor, que ocupa um cargo de confiança no gabinete e ganha cinco vezes menos do que o vereador (cerca de R$ 3,5 mil).

No funcionalismo público, há dois tipos de servidores: os que ocupam cargos de confiança, ou seja, que não precisam prestar concurso, e os de carreira, que estão lá porque foram aprovados no concurso. A diferença de um para outro é que, enquanto funcionários de carreira têm estabilidade, os contratados em regime de comissão podem ser demitidos a qualquer momento. O funcionário que emprestou o dinheiro para o vereador, portanto, poderia perder perder o emprego se negasse o pedido do chefe.

Só esse funcionário em questão emprestou mais de R$ 38 mil a Turin em 2017 e, desde então, nunca mais viu a cor do dinheiro. O servidor foi obrigado, inclusive, a pedir para um parente realizar um empréstimo porque que ele mesmo já tinha realizado outros dois e não tinha mais créditos no banco onde era cliente.

O funcionário transferiu todo o dinheiro que emprestou para a conta de Ari de Moura Rodrigues, filho de Zé Turin. Segundo o servidor, essa foi uma orientação passada pelo próprio parlamentar. O Intercept teve acesso a todos os comprovantes de empréstimo feitos pelo servidor e também das transferências bancárias realizadas por ele para a conta de Ari de Moura Rodrigues.

Seis funcionários endividados

Os empréstimos motivaram um inquérito do Ministério Público de São Paulo contra Zé Turin, aberto em 22 de junho de 2018.

A promotoria decidiu investigar o parlamentar depois que um funcionário foi até o Ministério Público fazer uma denúncia anônima, segundo a qual o vereador estaria coagindo funcionários a emprestar dinheiro para ele. O inquérito cita seis nomes de servidores de Zé Turin que teriam sido obrigados a emprestar dinheiro ao parlamentar.

A investigação também apura suspeitas de o vereador ter obrigado funcionários a devolverem parte de seus salários para ele e de suposta existência de “funcionários fantasmas” nomeados por Zé Turin para seu gabinete na Câmara. Segundo a denúncia anônima, esses servidores só apareceriam uma vez por mês para assinar o livro de ponto.

Segundo o professor de Direito Administrativo da PUC-SP, Rafael Valim, a conduta de Zé Turin pode fazer com que ele perca o mandato, com base na Resolução 07/2003, que faz parte do regulamento interno da Câmara. Segundo a norma, o vereador pode ser cassado se “usar os poderes e prerrogativas do cargo para constranger ou aliciar servidor, colega ou qualquer outra pessoa sobre a qual exerça ascendência hierárquica, com o fim de obter favorecimento indevido”.

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Comprovante do empréstimo feito por um funcionário do vereador.

Foto: reprodução

A mesma resolução instituiu a Corregedoria da Câmara Municipal de São Paulo, órgão responsável por receber e analisar denúncias contra vereadores em eventuais práticas de irregularidades cometidas por eles. Mas, por medo de represálias, nenhum funcionário denunciou Zé Turin ao órgão responsável.

O vereador ainda pode responder na esfera penal e ser alvo de ação de improbidade administrativa, além de enfrentar a uma ação por danos morais na Justiça Trabalhista.

Procuramos o vereador pelo menos três vezes, mas sua assessoria de imprensa se limitou a dizer, em nota, que não tinha conhecimento “desse tipo de prática” no gabinete e que as perguntas seriam enviadas a Turin. Pelo telefone, uma funcionária afirmou que a assessora de imprensa estava em agenda externa com o vereador e que eles entrariam em contato. Ninguém se manifestou.

Filho único de partido nanico

Quando foi eleito, em 2016, o PHS, de Zé Turin fazia parte da base de apoio do então prefeito de São Paulo, o tucano João Doria, futuro governador do estado.

O PHS é um partido pequeno e só possui um representante entre os 55 vereadores da cidade: Zé Turin. Desde o início de sua legislatura até agora, Turin conseguiu aprovar 8 projetos de sua autoria. Um deles é o “disque pichação”, proposta que cria um canal de denúncias contra pichadores.

Vereador ‘queimava’ seus negócios para tentar entrar para a política.

Zé Turin é político de primeira viagem. Em 2010, concorreu a deputado estadual pelo DEM, e não foi eleito. Dois anos depois, disputou uma vaga de vereador em São Paulo pelo PSDB e também não se elegeu.

Antes de entrar para a política, ele era empresário, dono de uma rede de açougues. Quando foi eleito, o jornal Folha de S.Paulo publicou uma reportagem na qual ouviu pessoas próximas ao novo vereador. Quem era próximo a ele dizia que, a cada campanha que Zé Turin participava, ele “queimava” parte dos negócios que tinha. O vereador foi o principal financiador de sua campanha em 2016: investiu R$ 70 mil do próprio bolso, 80% do valor total gasto por ele.

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