Antes de assumir, os futuros ministros Paulo Guedes e Sergio Moro comentaram a possibilidade de deixar seus cargos.

Bolsonaro encabeçará um governo em que ministros falam em pedir demissão antes mesmo de assumir

Paulo Guedes e Sérgio Moro especularam sobre saída; general Mourão e futuro ministro da Economia espinafraram ministro escolhido por Bolsonaro.

Antes de assumir, os futuros ministros Paulo Guedes e Sergio Moro comentaram a possibilidade de deixar seus cargos.

Paulo Guedes é um Roberto Campos com menos livros lidos e mais fanatismo pelo cada-um-por-si na economia e na vida social. O economista e diplomata Campos ganhou dos detratores a alcunha brejeira de Bob Fields, tamanho o fetiche pelo capital estrangeiro e a devoção pelos Estados Unidos.

De 1964 a 1967, o seminarista que desistira do sacerdócio foi o primeiro ministro do Planejamento da ditadura. Era tão brilhante que não se converter à sua lábia hipnotizante constituía exercício intelectual desafiador. No alvorecer da década de 1980, o cardeal brasileiro do liberalismo foi esfaqueado na barriga – pela amante, e não por um abilolado. Morreu em 2001.

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar

Embora ministro do marechal Castello Branco, cujo governo cassou mandatos de parlamentares e fechou o Congresso, Campos não pronunciava intimidações vulgares como “prensa neles!”, truculência com que Guedes pretendeu peitar senadores e deputados para votar logo as mudanças na Previdência. A jornalista Cristiana Lobo contou que até a semana passada o futuro ministro da Economia ignorava que o Orçamento de 2019 será elaborado em 2018.

Numa reportagem da revista piauí de setembro, o banqueiro bem-sucedido – Bob Fields malogrou como dono de banco – se referira a Jair Bolsonaro como indivíduo pertencente a uma fauna indeterminada. A repórter Malu Gaspar narrou: “Guedes fez uma pausa e prosseguiu, parafraseando as críticas ao seu candidato: ‘Ah, mas ele xinga isso, xinga aquilo… Amansa o cara!’ Pergunto se é possível amansar Bolsonaro. ‘Acho que sim, já é outro animal’.”

Se um animal está amansado, o outro escoiceia. Guedes já especulava sobre ser ministro e, surpresa, deixar de ser: “Quer saber de uma coisa? Se não der para fazer o negócio bem feito, que valha a pena, para que eu vou [para o governo]? Ficar escutando essas merdas que estão falando?” A repórter enticou: “Então posso escrever que você desistiu?” O Paulo “posto Ipiranga” Guedes riu com ironia: “Esse é o sonho de todo mundo, todo mundo quer foder o Bolsonaro. Mas esse prazer eu não dou. Só depois que ele for eleito”.

 

Traulitadas

O capitão se elegeu, indicou Sérgio Moro para o Ministério da Justiça, e na primeira entrevista coletiva após o anúncio o juiz tagarelou sobre sua eventual partida. Declarou, acerca de divergências vindouras: “A decisão final é dele [Bolsonaro]. Aí eu vou tomar a minha decisão se, para mim, vamos dizer assim, continuo ou não continuo”.

Moro não tratou Bolsonaro como um cavalão, chucro ou domado, mas pareceu inverter a hierarquia de presidente e ministro. Em meio a mesuras, chancelou o eleito, como se fosse necessário: “Pessoalmente, me pareceu ser uma pessoa muito sensata”. O costumeiro é o chefe referendar o chefiado, não o contrário. No domingo, o juiz falou à entrevistadora Poliana Abritta sobre possíveis desinteligências: “Se tudo der errado, eu deixo daí também o cargo”.

Na prosaica transição em que antes da posse os dois superministros miram as portas de entrada e de saída, o vice de Bolsonaro desdenha em público do deputado que o presidente eleito escolheu para comandar a Casa Civil. O general Antônio Hamilton Mourão desclassificou o iminente ministro Onyx Lorenzoni, relataram as repórteres Juliana Dal Piva e Daniela Pinheiro: “Era um parlamentar apagado. Esse é um cargo com outro perfil”.

Se Guedes cair, quem o presidente convocaria para seu lugar? Mourão já nomeou o substituto: “Eu assumo”.

Guedes já havia desferido uma traulitada em Lorenzoni, fazendo pouco caso dele: “É um político falando de coisa de economia. É a mesma coisa que eu sair falando coisa de política. Não dá certo, né?” Se Guedes cair, quem o presidente convocaria para seu lugar? Mourão já nomeou o substituto: “Eu assumo”. Ao ouvir que “no Brasil os vices costumam virar presidentes”, o general não retrucou com um espirituoso “vira essa boca pra lá” ou um cerimonial “dessa vez será diferente”. “Ele fechou a cara e desconversou”, leu-se na revista Época.

Em contraste com a limitada deferência por Bolsonaro, expressa por Guedes, Moro e Mourão, o servilismo de burocratas excede. A repórter Mônica Bergamo revelou que os organizadores do ato do Congresso pelos 30 anos da Constituição mudaram o nome artístico do tenor Jean William. Na hora de cantar o hino nacional, apresentaram-no como Jean Silva. Temiam que Bolsonaro, presente, se melindrasse com a identidade similar à de Jean Wyllys, deputado que em 2016 lhe cuspiu na cara.

Em Brasília, o capitão se sentiu mais à vontade do que na Barra da Tijuca para se conceder um intervalo na encenação que protagoniza como político anti-establishment. O repórter Guilherme Amado informou que Bolsonaro não se constrangeu diante do totem do poder, José Sarney. Diante do ex-presidente, empertigou-se, prestou continência e reverenciou: “Meu comandante!

S.O.S Intercept

Peraí! Antes de seguir com seu dia, pergunte a si mesmo: Qual a chance da história que você acabou de ler ter sido produzida por outra redação se o Intercept não a tivesse feito?

Pense em como seria o mundo sem o jornalismo do Intercept. Quantos esquemas, abusos judiciais e tecnologias distópicas permaneceriam ocultos se nossos repórteres não estivessem lá para revelá-los?

O tipo de reportagem que fazemos é essencial para a democracia, mas não é fácil, nem barato. E é cada vez mais difícil de sustentar, pois estamos sob ataque da extrema direita e de seus aliados das big techs, da política e do judiciário.

O Intercept Brasil é uma redação independente. Não temos sócios, anúncios ou patrocinadores corporativos. Sua colaboração é vital para continuar incomodando poderosos.

Apoiar é simples e não precisa custar muito: Você pode se tornar um membro com apenas 20 ou 30 reais por mês. Isso é tudo o que é preciso para apoiar o jornalismo em que você acredita. Toda colaboração conta.

Estamos no meio de uma importante campanha – a S.O.S. Intercept – para arrecadar R$ 250 mil até o final do mês. Nós precisamos colocar nosso orçamento de volta nos trilhos após meses de queda na receita. Você pode nos ajudar hoje?

QUERO APOIAR

Entre em contato

Conteúdo relacionado

Inscreva-se na newsletter para continuar lendo. É grátis!

Este não é um acesso pago e a adesão é gratuita

Já se inscreveu? Confirme seu endereço de e-mail para continuar lendo

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar