Eduardo Bolsonaro, filho do presidenciável Jair Bolsonaro.

Bolsonaro e seus partidários já ensaiam uma nova ditadura

Coronel encarna fúria bolsonarista e chama Rosa Weber de ‘salafrária e corrupta’. STF reuniria ‘vagabundos’. Ameaça: se Haddad vencer, vai ter ‘pau’.

Eduardo Bolsonaro, filho do presidenciável Jair Bolsonaro.

Nos idos de março de 1964, o horário de verão adotado no dia 1º foi uma pegadinha da história. Enquanto os ponteiros dos relógios eram adiantados, o país vivia a iminência de andar para trás. Em 2018, a ironia é mais mordaz. No domingo, por erro das operadoras de telefonia, os celulares pularam uma hora, sem esperar a data correta, 4 de novembro. Pareciam caçoar de uma declaração de Jair Bolsonaro. O candidato dissera que o objetivo de seu governo seria modelar “o Brasil semelhante àquele que tínhamos há 40, 50 anos”.

O repórter Piero Locatelli comparou realidades separadas por meio século. Da década de 1960 até agora, a mortalidade infantil despencou de 124 para 14 bebês (antes de completar um ano, em cada mil nascidos vivos). O analfabetismo regrediu de 39,7% para 7% (entre pessoas de 15 anos ou mais). Quando Bolsonaro edulcora o passado, o que mais apavora é o porvir que ele esboça.

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Seus discursos e os atos de seus partidários mais fanáticos ensaiam uma nova ditadura. O general João Baptista Figueiredo ameaçou com “eu prendo e arrebento” quem se opusesse à abertura política. Três dias atrás, Bolsonaro, à direita do ditador que preferia cheiro de cavalo ao de gente, sugeriu perseguição: “Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”. E extermínio: “Vamos varrer do mapa esses bandidos vermelhos”.

“Brasil: ame-o ou deixe-o” foi um slogan da ditadura. O capitão condimentou-o: “Ou vão para fora ou vão para a cadeia”. Prometeu prisão para Fernando Haddad, que “apodrecerá” no cárcere com Lula, “o cachaceiro”.

Bolsonaro pretende tratar movimentos de sem-terra e sem-teto como terroristas. Prenuncia como “cartão de visita” do produtor rural, contra o MST, “cartucho 762 e fuzil”. No ano passado, disparou: “Questionam se eu quero que matem esses vagabundos. Quero sim!” Ovacionaram-no. Em visita ao Bope, o deputado encenou o grito de guerra da tropa: “Caveira!” Em três dias de outubro, foram assassinados dois indígenas que resistiam à presença de madeireiros em suas terras e um líder camponês.

Na terça-feira retrasada, uma travesti foi morta a facadas, no largo paulistano do Arouche. Seus matadores berravam o nome de Bolsonaro. Bolsonaristas agrediram com socos e barra de ferro estudantes da Unirio que panfletavam a favor de Haddad.  “Vai morrer!”, aterrorizavam.

 

‘Encher o saco’

Destemperos verbais de figurões se enredam com atos tresloucados de seus seguidores. Multado em 2012 por fiscais do Ibama devido à pesca ilegal em área ecológica, Bolsonaro retaliou o instituto com um projeto de lei maroto. O general Oswaldo Ferreira, formulador do plano do capitão para infraestrutura e meio ambiente, disse que na época em que construía estradas pelo Exército “não tinha nem Ministério Público nem o Ibama. […] Hoje, o cara, para derrubar uma árvore, vem um punhado de gente para encher o saco”.

No sábado, na cidade rondoniana de Buritis, um homem ateou fogo em três viaturas do Ibama. Na véspera, uma equipe do Instituto Chico Mendes de Conservação e da Biodiversidade investigava desmatamento e comércio ilegal de madeira e palmito no município de Trairão, no Pará. Moradores queimaram uma ponte na única estrada de acesso, impedindo o retorno dos agentes.

Bolsonaro cogita retirar o Brasil do Acordo de Paris, o compromisso para combater os efeitos das mudanças climáticas. “Se fosse papel higiênico, [o acordo] serviria apenas para limpar a bunda”, filosofou o ruralista Luiz Antonio Nabhan Garcia, conselheiro do candidato. Cotado para ministro da Agricultura, o empresário denuncia “muita fantasia, muita lenda” sobre o aquecimento global. O repórter Eduardo Scolese lhe perguntou “se cabe mais desmatamento na Amazônia”. “É óbvio”, respondeu.

“Se o Acordo de Paris fosse papel higiênico, serviria apenas para limpar a bunda.”

Bolsonaro se referiu à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil como “a parte podre” da Igreja. A opinião é compatível com os aloprados que em 2015 invadiram uma reunião de bispos para denunciar infiltração “comunista”. “A maior forma de misericórdia é salvar esse país do comunismo”, falou uma manifestante. Em 2018, o mote “O Brasil vai virar uma nova Venezuela” –não virou nos governos petistas – reinventa o chilique tresloucado de 1964 “O Brasil vai virar uma nova Cuba”.

A patrulha obscurantista tentou proibir um professor de música da Universidade Estadual do Ceará de abordar composições dos festivais dos anos 1960. O general Aléssio Ribeiro Souto, o pensador de Bolsonaro para a educação, idealiza uma escola que iguale darwinismo e criacionismo, ou ciência e charlatanice.

É o mesmo oficial que – informaram os repórteres Edoardo Ghirotto e Gabriel Castro – já prescreveu “intervenção militar” para colocar “a democracia nos devidos eixos”. O general Mourão, vice de Bolsonaro, misturou estética, genética e preconceito: associou a beleza de um neto ao “branqueamento da raça”.

Em Pernambuco, a menina negra Ayanna contou ter ouvido de um colega de escola privada: “Aqui não é lugar para você. […] Não combina com a sua cor. […] Se seus pais vierem falar merda, a gente mete bala”.

O general Aléssio Ribeiro Souto, cotado para o Ministério da Educação de um eventual governo de Jair Bolsonaro.

O general Aléssio Ribeiro Souto, cotado para o Ministério da Educação em um eventual governo de Jair Bolsonaro.

Foto: Divulgação

‘Estados passionais’

A ditadura cassou, aposentando-os, ministros do Supremo Tribunal Federal. O general  Eliéser Girão Monteiro Filho, eleito deputado federal pelo partido de Bolsonaro, reclama impeachment e prisão de ministros do STF.

O capitão antecipou que aumentaria o número de ministros, mimetizando a ditadura, para em seu mandato presidencial nomear a maioria dos magistrados. “Quero ver alguém reclamar quando estiver num momento de ruptura mais doloroso do que colocar dez ministros a mais na Suprema Corte”, disse, em julho, o deputado Eduardo Bolsonaro. No fim da tarde de anteontem, a expressão mais citada no Twitter, impulsionada por eleitores e robôs de Jair Bolsonaro, era #LimpezaNoSTF.

Também em julho, como se soube no fim de semana, Eduardo Bolsonaro especulara: “Se você prender um ministro do STF, você acha que vai ter uma manifestação popular a favor de um ministro do STF?” Ensinou: “O pessoal até brinca lá, cara. Se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Não manda nem um jipe, cara. Manda um soldado e um cabo”.

O STF continua aberto, com novidades. Seu presidente, Dias Toffoli, passou a denominar “movimento” o golpe que depôs João Goulart e a ditadura que o sucedeu. Antes de ser recrutado como assessor de Toffoli, o general Fernando Azevedo e Silva participara “de uma reunião que traçou estratégias para a candidatura de Bolsonaro”, de acordo com os repórteres Carolina Brígido e Vinicius Sassine.

A desembargadora Kenarik Boujikian criticou Toffoli: “Um ministro do STF chamar de movimento um golpe reconhecido historicamente é tripudiar sobre a história brasileira”. O corregedor nacional de Justiça, Humberto Martins, abriu procedimento para esclarecer se a desembargadora teve “conduta vedada a magistrados”.

O ministro Luís Felipe Salomão, do Tribunal Superior Eleitoral, negou liminar pedida pela campanha de Haddad para retirar da internet mensagens atribuindo ao candidato a promoção do incesto. A versão é grotescamente falsa. O ministro pretextou “liberdade de expressão” ao permitir a permanência da mentira.

Salomão, todavia, vetou o programa do petista na TV que exibia imagens de tortura em filme, depoimento de uma militante torturada por verdugos da ditadura e vídeos com Bolsonaro defendendo a tortura e um ídolo torturador. O capitão é pró-tortura. Haddad, contra.

Ainda assim, o ministro sentenciou: “A distopia simulada na propaganda, considerando o cenário conflituoso de polarização e extremismos observado no momento político atual, pode criar, na opinião pública, estados passionais com potencial para incitar comportamentos violentos”.

 

‘Mão na faixa’

Abriram uma ofensiva contra o jornalismo depois de a repórter Patrícia Campos Mello revelar a artilharia ilícita contra o PT, no WhatsApp, financiada ilicitamente por empresários bolsonaristas. As baterias se voltaram contra a repórter e parentes dela.

Em discurso transmitido ao vivo para o ato dominical, na avenida Paulista, Bolsonaro afirmou que “a ‘Folha de S. Paulo’ [jornal para o qual Patrícia trabalha] é a maior fake news do Brasil”. O deputado recorreu à Justiça pela exclusão – ou censura –da reportagem sobre os pacotes ilegais de mensagens mentirosas que influenciam decisivamente as eleições.

Aqui no The Intercept Brasil, o repórter Leandro Demori veiculou matéria sobre o apoio do portal R7 a Bolsonaro. O portal integra o grupo de comunicação capitaneado pela Rede Record. Em retaliação, o R7 publicou um artigo salpicado de erros contra o Intercept, seu fundador Glenn Greenwald e a família dele. Ganhador do Prêmio Pulitzer, Greenwald respondeu escrevendo sobre a iniciativa “do império midiático do bilionário Edir Macedo” de “investigar e tentar intimidar jornalistas”.

“O que eu posso dizer é que a minha demissão mostra um viés autoritário.”

A rádio Jovem Pan demitiu o humorista Marcelo Madureira. Crítico cáustico do PT, o ex-Casseta assinara um manifesto contra Bolsonaro. “O que eu posso dizer é que a minha demissão mostra um viés autoritário”, disse Madureira ao repórter Mauricio Stycer. A Jovem Pan, bolsonarista, repudiou a suspeita de critério político na demissão.

Bolsonaro busca o monopólio da fala. Pela primeira vez, numa campanha de segundo turno, não há debate entre os finalistas. O deputado alega convalescença, mas é um maratonista em boa forma nas entrevistas a jornalistas de confiança. No programa “Bom Dia”, ontem na rádio Guaíba, o candidato só aceitou responder ao apresentador Rogério Mendelski. Este retribuiu a gentileza com perguntas camaradas. O jornalista Juremir Machado da Silva indagou, no ar: “Nós podemos dizer que o candidato nos censurou?” Demitiu-se e deixou o estúdio. A emissora é vinculada à Record.

“Nós estamos com a mão na faixa”, gabou-se Bolsonaro há uma semana. Se no domingo ele puser a segunda mão, será a maior derrota da democracia desde 1964 (golpe de Estado), 1965 (mais um golpe, com a extinção das eleições diretas para presidente) e 1968 (golpe do AI-5).

A violência estimulada por Bolsonaro ressoa na pregação de um oficial da reserva do Exército Brasileiro. Contrariado com o protesto de PT e PDT contra a manipulação eleitoral promovida por empresários no WhatsApp, o coronel Carlos Alves foi às redes. Insultou Rosa Weber, presidente do TSE: “vaidosa”, “salafrária”, “corrupta”. Disse que a ministra ria “com prazer, com orgasmo quase sexual”. Anunciou uma informação breve: “Só a cabecinha, Rosa Weber”.

Acusou Haddad de “safado”. O STF seria composto por “corruptos” e “vagabundos”. Se o petista vencer, haverá “pau”. Caso a denúncia por crime eleitoral de Bolsonaro seja recebida, “nós vamos derrubar vocês”. Engrossou: “Eu não estou sozinho não, pessoal. Tem pica grossa aqui atrás”.

Por fim, exercitando a obsessão fálica da extrema-direita nacional, delirou: sob um governo Haddad, crianças de quatro anos seriam obrigadas nas creches a segurar o pênis de um adulto.

O coronel tem um mérito: ele escancara o que seria o horror de uma ditadura bolsonarista.

Foto de capa: Eduardo Bolsonaro, filho do presidenciável Jair Bolsonaro, disse que bastaria mandar um soldado e um cabo para fechar o STF.

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