O candidato do Partido Novo à Presidência, João Dionísio Amoêdo concede coletiva em Curitiba (PR), nesta terça-feira (14).

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Para Amoêdo, do Novo, a desigualdade no Brasil não é um problema. Ele está errado.

Amôedo, do Novo, quer combater a pobreza sem reduzir a desigualdade. Nossa história econômica prova que isso nunca funcionou.

O candidato do Partido Novo à Presidência, João Dionísio Amoêdo concede coletiva em Curitiba (PR), nesta terça-feira (14).

Em dezembro de 2017, João Amoêdo, o semibilionário que hoje concorre às eleições presidenciais pelo partido Novo, disse o seguinte:

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Tem-se aí um conjunto de afirmações equivocadas e perigosas, que ressurgiram agora às vésperas das eleições.

O Brasil, objetivamente, não é um país rico, nossa renda per capita (na casa dos US$ 9 mil) é uma fração da observada em países vizinhos em melhor condição, como o Chile (US$ 15,3 mil) e Argentina (US$ 14,4 mil). E estamos muito longe do pelotão de frente do desenvolvimento, como a França (US$ 38,4 mil).

É crucial que sejamos capazes de retomar uma trajetória sustentada de crescimento econômico se quisermos nos tornar realmente ricos.

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Isso não é uma questão de opinião, são números. Negar essa obviedade é boxear com os fatos.

Isso significa que concordo com Amoêdo, quando ele diz que “O combate à pobreza se faz com o crescimento e com a criação de riqueza, e não com sua distribuição”?

Não. E nossa história econômica e social é prova disso.

Entre 1945 e 1980, o Brasil foi um dos países que mais cresceu no mundo, mesmo assim as condições de vida do brasileiro médio pouco avançaram. Entre 1960 e 1980, a escolaridade média da população economicamente ativa do Brasil seguiu virtualmente estacionada na casa dos 2 anos. Enquanto no Chile, por exemplo, ela avançava da casa dos 5 para os 6 anos.

A falta de investimento em educação é um dos fatores que explica a piora sistemática na concentração de renda no Brasil entre 1960 e 1990.

Taxa de Pobreza (A) e Extrema Pobreza (B) no Brasil – 1984/2014

 Ano Pobreza % (A) Extrema Pobreza % (B) (A) + (B)
1984 48,3 21,7 70,0
1993 42,9 20,2 63,2
1995 35,0 15,1 50,2
2002 34,4 13,9 48,4
2014 13,2 4,2 17,4

Fonte: IPEA

Não só a distribuição de renda não avançou, como a pobreza era ainda generalizada. Em 1984, último ano completo de ditadura militar, 70% dos brasileiros eram pobres ou miseráveis.

A partir dos anos 1980, o Brasil viveu uma década perdida (1981-1993) no qual a renda per capita permaneceu estagnada. Mesmo após o fim da hiperinflação em 1994, o não recuperamos o ritmo de crescimento econômico registrado entre 1947-1980.

O Brasil é prova que pobreza e desigualdade não se reduzem por conta das forças espontâneas do mercado.

Apesar do baixo crescimento recente, porém, obtivemos uma forte redução nos níveis de pobreza e miséria. E isso foi possível graças à combinação do maior crescimento econômico registrado durante o governo Lula (o dobro aproximadamente do registrado durante os anos FHC) e de políticas públicas, implementadas por Lula e seus antecessores, principalmente a partir da Constituição de 1988.

Ainda assim, são mais de 8 milhões de pessoas na extrema pobreza e 25,8 milhões na pobreza. Existem 33 milhões de brasileiros desvalidos, população maior do que a da Venezuela.

O Brasil é prova que pobreza e desigualdade não se reduzem por conta das forças espontâneas do mercado.

Amoêdo, portanto, está equivocado neste ponto.

Ao dizer quer combater “a pobreza e não necessariamente a desigualdade”, Amoêdo ignora as evidências empíricas que mostram os efeitos maléficos da concentração de renda sobre as instituições de um país.  Concentração de riqueza e renda implica em concentração de poder político, que resulta normalmente em elites parasitárias e extrativistas, preocupadas só com seus bolsos e não com o bem comum.

Ao afirmar que “somos… diferentes por natureza”, Amoêdo está sugerindo que nossa desigualdade é resultado das diferentes aptidões, talentos e preferências.

Em um mundo imaginário e ideal, em que todos partíssemos do mesmo ponto e com as mesmas condições, seria possível imaginar que desigualdades surgissem de forma “natural”.

Sugerir que a realidade do Brasil guarda alguma semelhança com isso, é caso para humoristas e psicanalistas, não para cientistas sociais.

Os dados mostram que a mobilidade econômica e social no Brasil é extremamente baixa. No Brasil, a possibilidade de uma criança com pais analfabetos concluir o ensino universitário é de apenas 3%. Já para os que têm pais com ensino de curso superior, essa probabilidade sobe para 71%. Ou seja, o simples fato de nascer numa família com baixa ou alta escolaridade, é fundamental para explicar o nível educacional obtenível por uma criança. E, consequentemente, sua renda futura.

Onde está a meritocracia nisso?

A concentração de renda no Brasil não é natural, e não deveria ser tolerada como é.

No Brasil, metade da população não tem sequer acesso à rede de esgoto ou à água tratada. Elementos básicos do avanço civilizatório passam ao largo de metade dos brasileiros. A probabilidade de alguém ter sua vida ceifada pela violência está fortemente correlacionada com a quantidade de melanina em sua pele, como a renda média do bairro em que cresce.

A concentração de renda no Brasil não é natural, e não deveria ser tolerada como é.

Dados recentes mostraram que enquanto os 50% mais pobres do Brasil se apropriam de apenas 12% da renda nacional em 2015, os 10% mais ricos ficavam com 55% das riquezas produzidas nestas terras. O topo da pirâmide, o grupo do 1% mais ricos fica com 28% da renda nacional.

Nos anos 1970, Delfim Netto teria dito que era preciso “fazer o bolo crescer, antes de o dividir”. Pois bem, imagine ser convidado para uma festa com 100 pessoas*, na qual um único indivíduo come mais de um quarto do bolo.

Amoêdo, aparentemente, não faz ideia do que realmente significa ser pobre no Brasil. Talvez ele precise ampliar seu círculo de amizades para além dos yuppies do mercado financeiro, e manter conversas com assistentes sociais que trabalham por este país. Profissionais que conhecem o nome, a cara e a história da miséria e da pobreza por detrás dos números aqui citados.

Espero que algum assessor de campanha leve Amoêdo, quando estiver no Recife, ao bairro dos Coelhos. E que ele visite famílias que moram em palafitas às margens do rio Capibaribe. Quando vier à Brasília, que o levem ao lixão da Estrutural. Seria curioso vê-lo palestrar sobre as maravilhas da meritocracia para crianças que vivem no meio sujeira, da doença e da violência.

Amoêdo parece estar tentando reduzir a miséria e a desigualdade hediondas que existem nessas terras, fruto de séculos escravidão, racismo, exploração, exclusão, humilhação, de negação de direitos fundamentais, de tantas perversidades perpetradas por nossas elites, em um resultado “natural”, uma “ordem espontânea do universo”.

Isso ultrapassa as barreiras da simples ignorância e esbarra na mais pura e cruel desumanidade.

Foto de capa: O candidato do Partido Novo à Presidência, João Amoêdo, em entrevista coletiva, no dia 14 de agosto.

*Informamos erroneamente que o número era 1 mil. O número correto foi atualizado em 28/8.

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