Nunca o brasileiro confiou tão pouco na Presidência. Bolsonaro surfa nessa onda.

Nunca o brasileiro confiou tão pouco na Presidência. Bolsonaro surfa nessa onda.

Bolsonaro lidera; brancos e nulos ficam em segundo. Quando não se confia na Presidência, importa quem ocupa o cargo?

Nunca o brasileiro confiou tão pouco na Presidência. Bolsonaro surfa nessa onda.

Está na pesquisa deste ano sobre o Índice de Confiança Social, do Ibope Inteligência: numa escala de 0 a 100, o nível de confiança da população brasileira na instituição “presidente da República” é de 13 pontos. É o pior desempenho em uma década e ocupa o último lugar da lista – uma pontuação ruim nunca vista para nenhuma instituição.

Em um cenário de tão baixa estima pela cadeira presidencial, o que importa quem a ocupa? Talvez isso explique, em parte, por que há perfis tão distintos na liderança das intenções de votos. A sondagem mais recente feita pela Paraná Pesquisas, divulgada hoje, aponta Jair Bolsonaro na liderança, com 23,9%, sem o ex-presidente Lula no páreo. Marina Silva, Ciro Gomes e Geraldo Alckmin disputariam ir ao segundo turno. Considerando Lula na briga pela presidência, ele lidera com 30,8% das intenções de votos.

Tirando o Fla-Flu entre direita e esquerda que domina a cena nacional, a sensação é de “tanto faz”. Como indicou a pesquisa do Ibope, talvez o brasileiro considere que um presidente não tenha lá tanta influência em sua vida e considere todos “farinha do mesmo saco”. Aliás, essa expressão é muito ouvida nas conversas quando o tema é eleição, numa demonstração de descrédito e, sobretudo, de cansaço extremo. Não é à toa que os brancos e nulos ocupam o segundo lugar nas pesquisas: somam 23% no cenário com Lula e 14% no cenário sem Lula – brancos e nulos somaram cerca de 9,6% dos votos no 1º turno em 2014. Há um clima de que, independentemente de quem esteja no Palácio do Planalto, a vida não mudará para melhor. Então, por que não apostar em opções mais radicais?

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Mais preocupante ainda é que as demais instituições não se salvam. Além da presidência da República, sistema eleitoral, governo federal, Congresso e partidos ocupam o topo da lista de confiança se posta de cabeça para baixo. Essas instituições que são a base de qualquer democracia não contam com o apreço daquele em nome do qual todo poder será exercido: sua excelência, o povo.

A confiança nas instituições vem despencando ano a ano. A do governo municipal caiu de 53 pontos em 2009, quando começou a pesquisa, para 34. A do governo federal despencou de 53 para 25 pontos, e o Ministério Público, que entrou na pesquisa apenas em 2016, tinha 54 pontos e está com 49. Organizações da sociedade civil, as ONGs, que há nove anos tinham 61 pontos de confiança, hoje contam com 50.

Segundo a pesquisa do Ibope, as igrejas ocupam segundo lugar no ranking, mas também caíram 10 pontos no conceito do brasileiro. Em 2009, tinham 76 e, hoje, estão 66 pontos. O poder judiciário caiu de 53 para 43, e as forças armadas, que ocupam comunidades cariocas desde março deste ano, detinham 71 pontos e somam hoje 62. Nem a família se safou de uma oscilação negativa. A confiança em familiares caiu de 85 para 82 pontos.

Apesar de também terem perdido pontos na avaliação da confiança, os bombeiros são vistos como heróis e estão na pole position do afeto nacional. Não é à toa que o candidato Cabo Daciolo, do Patriota, ex-PEN do folclórico Enéas Carneiro, chegou aos debates na Band. Daciolo ganhou fama em 2011, quando foi uma das lideranças da greve dos bombeiros no Rio. Ele chegou a ser preso por nove dias no presídio de Bangu.

Essa onda de ceticismo tem seu lado positivo. A sensação de que nada está a contento tem finalmente tirado muita gente da acomodação de uma maneira mais consistente e menos manipulada do que durante as jornadas de 2013 ou nas manifestações pró e contra o impeachment de Dilma Rousseff, em 2015 e 2016.

Na quarta-feira, dia 8 de agosto, saí do bairro de Vila Isabel, na zona norte, para o centro do Rio, e assisti a pelo menos quatro manifestações de rua. A emblemática Cinelândia, no centro do Rio, mais uma vez ferveu. Cada uma delas se ligava diretamente a uma instituição peso-pesado no cenário nacional e alvo da mais profunda desconfiança do brasileiro que se mostra “cabreiro” com todas. Vejamos.

O dia começou com uma audiência pública lotada no auditório do Ministério Público Federal para saber as quantas anda o projeto para o Cais do Valongo, maior porta de entrada de pessoas escravizadas nas Américas e por este motivo declarado patrimônio da humanidade pela Unesco, em 2017. O complexo de achados arqueológicos corre o risco de não ver o título homologado por conta de impasses na gestão que envolve as três esferas de governo – federal, estadual e municipal – e a organização não governamental, a Ação da Cidadania.

No mesmo dia, a cerca de 500 metros da sede do MPF, no Rio, um grupo grande de mulheres protestava nas escadarias do Theatro Municipal pela descriminalização do aborto. Caminhando menos de 100 metros, nas escadarias da Câmara Municipal, praticantes de umbanda e candomblé faziam discursos contra o racismo religioso, em função do julgamento no Supremo sobre a proibição do abate animal em seus rituais. Na mesma calçada, outro grupo protestava contra violência nas favelas.

Todos estão para além dos megafones e microfones que quase inviabilizaram a happy hour dos que resolveram esticar após o trabalho nos bares da Cinelândia. O barulho ensurdecedor começa a penetrar nas instâncias que podem mudar os rumos das decisões.

A mais estável, segundo o Ibope, parece ser a confiança nos amigos – ficou com 65 pontos (ano passado, era 66) Talvez porque os amigos são fruto de uma escolha consciente. Mas será que, em tempo de grupo de WhatsApp em eleição, até eles não estão ameaçados? Os números não escondem o anseio do brasileiro em ser dono da própria vida.

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