Será que esta mulher consegue repetir o fenômeno Alexandria Ocasio-Cortez em Massachusetts?

Será que esta mulher consegue repetir o fenômeno Alexandria Ocasio-Cortez em Massachusetts?

A novata progressista Tahirah Amatul-Wadud pretende desbancar um democrata da velha guarda na corrida pelo Congresso em Massachusetts.

Será que esta mulher consegue repetir o fenômeno Alexandria Ocasio-Cortez em Massachusetts?

Nas semanas que se passaram desde a surpreendente vitória de Alexandria Ocasio-Cortez no 14º Distrito de Nova York, o Partido Democrata vem despertando para a possibilidade de que uma onda progressista possa derrubar a liderança do partido e colocar em seu lugar uma jovem guarda, liderada por jovens mulheres não brancas. Ocasio-Cortez deu uma declaração nesse sentido em seu discurso da vitória, feito de um balcão de bar na casa de bilhar do Bronx onde aconteceu a comemoração na noite da sua eleição.

“Ainda há muitas primárias por acontecer. Quando chegar novembro, devemos conseguir eleger uma bancada inteira”, disse ela.

É o que Tahirah Amatul-Wadud espera que aconteça no Primeiro Distrito de Massachussetts, onde ela está liderando uma campanha insurgente contra Richard Neal, um dos congressistas do Partido Democrata com mais tempo de mandato.

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Segundo Amatul-Wadud, Neal representa tudo que há de errado com os democratas em Washington. Ele é um político de carreira pouco envolvido com a comunidade, que coloca os interesses de seus doadores nacionais à frente das pessoas que representa, diz ela, e sua senioridade no Congresso não trouxe maiores benefícios para a região. Se Ocasio-Cortez efetivamente derrubou seu oponente nas primárias, Joe Crowley, ao apontar que ele e a família não residiam em seu distrito congressional, a reputação de Neal entre seus eleitores pode ser ainda pior: no ano passado, alguns de seus eleitores da zona rural publicaram um anúncio na revista local Weekend Gazette, perguntando “Alguém viu este homem? (sim, ele é seu congressista).”

Amatul-Wadud espera preencher essa lacuna.

Advogada afro-americana, ela passou a maior parte da vida na região de Springfield. É muçulmana desde os 4 anos de idade, quando seus pais se converteram à religião. Agora com 44 anos, Amatul-Wadud tem seu próprio escritório de advocacia desde 2009. Além do seu trabalho jurídico, que inclui a defesa dos direitos civis pelo Conselho de Relações Americano-Islâmicas e pelo Muçulmanos para a América, Amatul-Wadud já atuou na Comissão sobre o Status das Mulheres de Massachusetts e foi membro do Conselho Consultivo Familiar do Hospital Infantil de Boston.

É um currículo respeitável. A campanha de Amatul-Wadud, porém, não está centrada em sua identidade profissional, racial, religiosa, ou qualquer outra. Está centrada na política.

Amatul-Wadud confia que uma pauta progressista é sua melhor estratégia de convencimento. Sua plataforma de campanha coloca como prioridades o “Medicare [seguro-saúde] para Todos”, uma forte rede social de segurança, e a proteção aos direitos civis. É uma visão que rendeu a ela o apoio do movimento progressista Indivisible [Indivisível] e dos Democratas Progressistas da América. E, embora não tenha aderido ao popular movimento pela “Extinção do ICE”, que pleiteia o fim do Serviço de Imigração e Controle Aduaneiro dos EUA e vem se tornando uma espécie de teste decisivo para os democratas este ano, Amatul-Wadud diz que é apenas por não achar que um slogan vai atingir as causas políticas fundamentais que levaram à investida violenta da agência sobre os imigrantes.

“Eu tenho na manga o fato de ser advogada, as minhas demais habilidades e a minha origem”, diz ela. “Meus eleitores, porém, serão mais bem atendidos por uma candidata que coloca sua visão em primeiro lugar.”

“Sinto que estamos realmente ganhando tração”, diz Jackie Neiman, cofundadora e colíder do movimento Rise Up Western Massachusetts Indivisible [Levante-se Oeste de Massachusetts Indivisível]. “Acho que poderia ser uma dessas campanhas que vencem pelo trabalho de base.”

Neiman apontou que o desafio feito por Amatul-Wadud é apenas o segundo que Neal enfrenta no Primeiro Distrito – o anterior aconteceu quando houve a fusão entre o Segundo Distrito, do qual ele era representante, com o então existente Primeiro Distrito, em 2012. Neal derrotou ambos os desafiantes – Bill Shein e Andrea Nuciforo – com facilidade, vencendo com 65,5% dos votos. Dessa vez, porém, é diferente, segundo Neiman.

“As pessoas estão olhando para o significado do seu voto, e escolhendo candidatos que representem seus ideais”, disse ela. “E Tahirah parece mais próxima do cidadão médio do Primeiro Distrito: ela é membro ativo da comunidade, uma advogada local, envolvida em ações sociais e ativa também em sua comunidade religiosa. Ela é muito conectada à população local.”

O distrito de Amatul-Wadud é geograficamente grande, mas pouco povoado. A maior proporção dos votos vem da cidade de Springfield, onde Neal foi prefeito entre 1983 e 1989. E a consideração do congressista por sua terra natal coloca em evidência o descaso com o restante do distrito. “Neal joga para a plateia de Springfield, que é de onde vem a maior parte de seus votos”, diz David Greenberg, membro do comitê coordenador da organização progressista Franklin County Continuing the Political Revolution [Continuando a Revolução Política no Condado de Frankling].

Neiman contou ao The Intercept que, num clima político em que as questões progressistas estão sendo amplificadas, um estado de maioria democrata como Massachusetts deveria se tornar um exemplo de como transformar ideais em realidade legislativa. E, segundo ela, Neal não está dando conta do recado em um Primeiro Distrito tão inclinado à esquerda – a maioria dos eleitores do distrito escolheu Bernie Sanders nas eleições primárias de 2016 do Partido Democrata, e o distrito inteiro votou em Hillary Clinton com uma margem considerável nas eleições gerais daquele ano.

“Acho que a coisa mais importante nessa disputa é que esta é a primeira vez, desde que comecei a me envolver, que parece existir uma alternativa viável”, comentou ela.

As várias tentativas de ouvir a opinião de Neal fracassaram depois que seu gabinete descobriu que esta matéria seria publicada no The Intercept – a despeito do fato de que seu autor, que reside no distrito, já o entrevistou diversas vezes no passado para outras publicações.

Amatul-Wadud é uma das três mulheres que estão desafiando congressistas em exercício naquele Estado da Federação. No Sétimo Distrito, que inclui partes de Boston e Cambridge, a vereadora Ayanna Pressley pretende desbancar o congressista Michael Capuano, em exercício há vinte anos. No vizinho Oitavo Distrito, a desenvolvedora de jogos Brianna Wu está desafiando o atual congressista há nove mandatos Stephen Lynch. Todos são do Partido Democrata.

A disputa de Amatul-Wadud serve de teste para aferir a profundidade da insatisfação com os congressistas de longa data dentro do Partido. Ela concorre até agora sem o apoio de grupos de âmbito nacional como Justice Democrats [Democratas pela Justiça], Our Revolution [Nossa Revolução], #VoteProChoice [Vote Pró-Escolha], ou outros que poderiam ajudar a organizar e levantar recursos, e arrecadou bem menos do que Ocasio-Cortez, que declarou apoio a Pressley – retribuindo o apoio recebido, bem como os esforços de campanha – mas não a Wu e Amatul-Wadud. Se Amatul-Wadud conseguir destronar Neal, mesmo com todas essas desvantagens, e com pouco apoio além do movimento Indivisible, isso significa que ninguém está a salvo.

Ela declara já ter visitado mais de 310 pontos de campanha em todo o distrito desde o lançamento da candidatura em 19 de dezembro de 2017, atingindo mais de 14 mil eleitores e distribuindo 6,5 mil panfletos. Em uma área como o Primeiro Distrito, onde os esforços para conseguir convencer os eleitores das áreas rurais mais distantes a votar podem fazer diferença, é essencial ter uma boa equipe de base. Amatul-Wadud tem 289 voluntários por todo o distrito indo de porta em porta divulgar sua mensagem, e está se concentrando nas cidades de Springfield, Chicopee, Holyoke e Pittsfield para atingir os centros populacionais do distrito, segundo ela.

Diferentemente de Neal, a advogada rejeitou as doações corporativas, mas ainda não conseguiu substituí-las por um esquema robusto de arrecadação de pequenos valores. Pelo relatório do primeiro trimestre, ela tinha arrecadado apenas US$ 35.208, contra US$1 .900.408 de Neal, o que é apenas uma fração do total de US$ 3.449.784,59 da sua reserva de caixa. (O total de recursos arrecadados por Amatul-Wadud até junho chega apenas a US$ 72.646,51).

Ela considera, porém, que esses números não dizem tudo. Ambos os candidatos arrecadaram aproximadamente os mesmos valores de doadores individuais no primeiro trimestre de 2018, indicando que a maior reserva de Neal não significa uma base de apoio mais ampla. De toda a arrecadação do congressista no primeiro trimestre, apenas 0,42% veio de doadores individuais, comparado a 58% no caso de Amatul-Wadud.

Ocasio-Cortez mostrou que uma enorme desvantagem financeira não é fatal, mas uma campanha precisa pagar o básico, o que representa no mínimo algumas centenas de milhares de dólares. Saber se Amatul-Wadud consegue atingir essa marca ainda é uma questão chave.

O congressista Richard Neal fala durante uma coletiva de imprensa condenando a política para planos de saúde do governo Trump, no Capitólio, em Washington, em 13 de junho de 2018.

O congressista Richard Neal fala durante uma coletiva de imprensa condenando a política para planos de saúde do governo Trump, no Capitólio, em Washington, em 13 de junho de 2018.

Foto: Toya Sarno Jordan/Getty Images

Neal é um membro antigo da representação do partido no Congresso, e tem uma carreira política que remonta a três décadas. Ele chegou como representante democrata ao topo do poderoso Comitê de Modos e Meios, que tem autoridade sobre a tributação, e pode tentar presidir o comitê caso o Partido Democrata retome o controle da Câmara em 2018. Ele é membro da bancada do Partido Democrata na Câmara e tem muitas conexões políticas – é um participante de longa data do jogo do poder, e está próximo de atingir o ápice de sua carreira.

Em Nova York, Crowley estava vulnerável a ataques substanciais de Ocasio-Cortez, que conseguiu mostrar o forte contraste entre o envolvimento de Crowley com a máquina pública de Nova York e o seu próprio movimento de base popular. Amatul-Wadud espera conseguir traçar distinções semelhantes no Primeiro Distrito de Massachusetts, concentrando-se na histórica reputação de baixo envolvimento de Neal.

“Nós sentimos a ausência dele, especialmente na sequência da eleição de Donald Trump”, declarou ela. “O distrito está sofrendo.”

Como o atual representante em exercício, Neal tem a vantagem de jogar em casa, e, talvez por isso, não tenha sentido necessidade de enfrentar de forma direta sua oponente. Em uma entrevista em 20 de junho para a rádio WGBH de Springfield, Neal insinou que duvidava da “seriedade dos objetivos” de Amatul-Wadud, e disse que teria que olhar “as pesquisas” antes de se comprometer (ou não) a participar de um debate. Essa atitude apenas contribuiu para a sensação de que Neal é um congressista padrão. “No que se refere à campanha de varejo, ele não aparece”, disse Russell Freedman, um organizador da ala de Berkshire nos Democratas Progressistas da América.

“Já ouvi de algumas pessoas: ‘se você quiser encontrar o Richie, faça uma parada, ele virá participar dela’”, acrescentou Freedman. “Mas quanto a vir conversar com os eleitores, isso ele não faz.” Em oposição a essa postura, Amatul-Wadud vem cruzando o distrito de fora a fora desde que anunciou sua campanha, tornando-se presença constante e aparecendo em toda parte, de aniversários das cidades a manifestações por justiça social.

O recente sucesso de Ocasio-Cortez, porém, que transformou a relutância de seu oponente a comparecer em público em questão de campanha, parece ter mudado as coisas: foi apenas depois de sua vitória que a equipe de Neal respondeu a convites para comparecer a um debate promovido pelos Jovens Democratas do Oeste de Massachusetts, sediados no Primeiro Distrito. Ainda não respondeu, porém, a um convite da NAACP [Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor] do Condado de Berkshire, que pretende promover um debate separado em 15 de agosto. Amatul-Wadud, por sua vez, diz que está à disposição para comparecer.

John Krol, um apresentador da televisão local em Pittsfield, disse ao The Intercept que Amatul-Wadud está certa em tentar empolgar as pessoas com sua candidatura. “Ela está indo de porta em porta, conversando com as pessoas, compreendendo as questões que elas enfrentam”, disse Krol, e acrescentou: “O comentário do Sr. Neal sobre ‘seriedade de propósito’ é mais uma indicação de que ele pode realmente estar afastado da realidade.”

O pior cenário possível para Amatul-Wadud é caso Neal a considere uma ameaça e use sua formidável reserva de caixa política para encher o distrito de anúncios, confirmando seu favoritismo no último mês da primária.

“Ele vai chegar com os anúncios no final de agosto”, disse Greenberg, do movimento Franklin County Continuing the Political Revolution. “E isso vai alcançar muita gente.”

Amatul-Wadud, porém, se mantém otimista. Ela considera que o objetivo da disputa é assegurar que o distrito tenha um representante que reflita seu progressismo, e que apareça. Ela espera que sua constante repetição dessa mensagem, somada ao desejo de mudança no distrito, levem a uma perturbação. E como a perturbação causada por Ocasio-Cortez mostrou, esse não é um ano qualquer.

“O Condado de Berkshire é uma parte muito progressista do Estado”, contou Freedman ao The Intercept. “Nós realmente precisamos de um legislador progressista que represente as nossas posições em Washington, e Tahirah é essa pessoa.”

Foto do Título: A advogada Tahirah Amatul-Wadud, que está desafiando o congressista em exercício Richard Neal, do Partido Democrata de Massachusetts, conversa com Dondre Scott, à direita, durante uma visita de campanha a um jardim comunitário no bairro de Mason Square em Springfield, Massachusetts, em 18 de junho.

Tradução: Deborah Leão

S.O.S Intercept

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