O "primeiro-ministro" que coloca o ex-governador do Paraná mais perto da Lava Jato

O "primeiro-ministro" que coloca o ex-governador do Paraná mais perto da Lava Jato

Ex-jornalista tornado articulador político, Deonilson Roldo foi flagrado em conversa sugerindo a empreiteiro que desistisse de obra para favorecer a Odebrecht.

O "primeiro-ministro" que coloca o ex-governador do Paraná mais perto da Lava Jato

Braço direito do tucano Beto Richa, o jornalista Deonilson Roldo foi por muitos anos o primeiro-ministro informal do Palácio Iguaçu, sede do governo do Paraná. Após a chegada de Roldo a sua órbita, Richa galgou degraus com rapidez: começou a carreira política como um discreto deputado estadual eleito com 22 mil votos; depois foi eleito e reeleito prefeito de Curitiba; em seguida, virou governador. E, agora, é o único candidato do PSDB à cadeira de senador.

Flagrado numa conversa em que parece sugerir a um empreiteiro que desista de uma obra no Paraná para favorecer a Odebrecht, Roldo, até então conselheiro-mor do governador, ouvido antes de qualquer decisão, pode ser também o responsável por encerrar a carreira do tucano.

Foi o jornalista quem percebeu no então vice-prefeito com mais vocação para piloto de corridas e bon vivant que para a articulações partidárias e trabalho administrativo, um político com capacidade de ir além das fronteiras paranaenses e tornou, segundo fontes ouvidas pelo The Intercept Brasil, um sujeito bem nascido, bonito, mas de nenhuma vocação para orador, alguém capaz de enfrentar – às vezes, levando vantagem – velhas raposas como o senador medebista Roberto Requião.

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Era sabido entre os amigos e inimigos que, se alguém quisesse aprovar ou conseguir algo do governo, era por ele que deveria passar. De quebra, foi ele também quem costurou as alianças que transformaram o tucano num voraz vencedor de eleições no Paraná.

A gravação

Registrada em 2014, a gravação que compromete Deonilson Roldo veio à tona dias atrás, divulgada pela revista Istoé. Nela, ele discute um negócio de R$ 7 bilhões, celebrado como a “primeira PPP do Paraná” pelo governo Richa. O contrato visava a duplicação da rodovia estadual PR-323, principal ligação entre as regiões norte e noroeste do Paraná, com mais de 200 km deles em pista simples e um alto número de acidentes. Com a parceria público-privada com a Odebrecht, Richa prometeu duplicá-la totalmente.

O áudio foi feito pelo empresário Pedro Rache, presidente da Contern Construções, empreiteira ligada ao grupo Bertin, às vésperas do Carnaval de 2014. Rache estava no gabinete de Roldo no Palácio Iguaçu, o edifício de linhas modernistas que desde 1954 é a sede do governo do Paraná. Após 18 minutos de amenidades, em que falou-se até das vantagens de educar os filhos no exterior, Roldo foi ao ponto: “A gente tem um compromisso nessa obra [de duplicação da PR-323], e eu queria ver até onde a gente pode entrar para ter esse compromisso não desrespeitado (sic)”.

Em troca, Roldo ofereceu uma possível sociedade da Copel, a empresa de energia do governo paranaense, num negócio que interessava à Bertin – a estatal acabou por negar o negócio. Após menos de 20 minutos, o jornalista despediu-se de Rache otimista: “Espero que a gente possa construir um caminho aí que vai ser positivo e interessante pros dois lados.” O consórcio liderado pela Odebrecht de fato venceu a licitação da PR-323, na qual que foi o único concorrente.

A obra não saiu. Esbarrou, primeiro, na capacidade do estado de oferecer a contrapartida a um financiamento do BNDES para realizá-la. Em seguida, nos problemas da Odebrecht com a Lava Jato. Por fim, em 2016, o estado suspendeu o contrato com a empreiteira.

Mas, ainda assim, o contrato complicou as ambições de Beto Richa. Em decisão do último dia 10 na qual determinou que Ministério Público e a Polícia Federal investiguem o caso, o juiz federal Sergio Moro, responsável pela Lava Jato no Paraná, anotou que Luciano Antônio Bueno Júnior, um dos 77 executivos-delatores da Odebrecht, condicionou o apoio da empreiteira à reeleição de Beto Richa, em 2014, à vitória na concorrência pela duplicação da PR-323.

Luciano Júnior disse às autoridades que, ao conversar com Roldo a respeito, ouviu dele que a ajuda viria, e que “contava com o apoio da companhia [Odebrecht] para a campanha [de reeleição de Richa]”. A gravação seria a comprovação que faltava de que o seu governo de fato interferiu a favor da Odebrecht na licitação.

O tucano vem rondando a Operação Lava Jato desde começo de 2017. Foi citado na delação premiada da Odebrecht como destinatário de R$ 2,5 milhões em doações eleitorais no caixa dois. Como era governador, porém, o inquérito tramitou, a passos lentos, sob os cuidados do Superior Tribunal de Justiça. Mas, ao renunciar ao mandato em março para concorrer ao Senado, ele perdeu o foro privilegiado.

Como a investigação aberta após a delação da Odebrecht sugere que a empreiteira beneficiou-se com a vitória na licitação da PR-323 em troca de pagamentos em caixa dois à campanha de Richa, o caso não se restringiu à esfera eleitoral: gerou um desdobramento criminal. Foi esse inquérito que o ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça, enviou a Sergio Moro, que toca os processos criminais da Lava Jato.

Assim, o ex-governador é o primeiro político tucano que deverá ser julgado na 13a Vara Federal do Paraná, a mesma que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros figurões da política e do empresariado brasileiro.

O ex-governador também estava na mira da Publicano, uma operação do Ministério Público estadual que investiga um esquema de corrupção na receita estadual que poderia ter abastecido suas campanhas, até que foi salvo, em março, pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Em outra investigação tocada pelo MP paranaense, a Quadro Negro, que apura desvio de R$ 20 milhões que deveriam ter ido para escolas, um delator diz que entregou dinheiro para o caixa dois eleitoral de Richa. Ele nega.

A ascensão do primeiro-ministro

A proximidade com Roldo dificulta a defesa de Richa.

Filho de uma família descendente de italianos radicada em Pato Branco, sudoeste do Paraná, Deonilson Roldo é um homem baixo, de feições que às vezes lembram as do senador tucano Aécio Neves e fala comedida. Veio a Curitiba estudar jornalismo e, nos anos 1980, cobriu política para a “Folha de Londrina” e chegou a passar alguns meses em Brasília trabalhando na sucursal da “Folha de S. Paulo”. Também foi funcionário da Assembleia Legislativa: passou num concurso público em 1984 para o cargo de jornalista, do qual aposentou-se em janeiro de 2017 com um salário de R$ 17 mil mensais.

Os caminhos de Beto Richa e Deonilson Roldo se uniram em janeiro de 2004. Àquela época, Richa era o jovem vice-prefeito de Curitiba, eleito numa chapa liderada por Cassio Taniguchi, do PFL (atual DEM). Taniguchi pode ser descrito como a Dilma Rousseff do ex-governador Jaime Lerner: um tecnocrata sem nenhuma experiência eleitoral nem pendão para a política partidária, mas pela relação de confiança escolhido pelo padrinho e grande cabo eleitoral para disputar – e levar – a prefeitura em 1996.

Em 2000, Taniguchi passou aperto para se reeleger: com Fernando Henrique Cardoso e Jaime Lerner desgastados, quase perdeu para Ângelo Vanhoni, do PT – foi a única vez em que o partido esteve de fato perto de comandar a cidade que se tornou um reduto anti-petista e em que Luiz Inácio Lula da Silva está preso. Em seguida, foi fulminado pela primeira denúncia documentada de caixa dois eleitoral do país, tornada pública pelo repórter Fernando Rodrigues, então na Folha de S. Paulo.

O último ano do segundo mandato de Taniguchi caminhava melancolicamente para o fim quando o prefeito licenciou-se para viajar à Europa. Antes, deixou assinado um decreto reajustando a tarifa de ônibus em Curitiba.

Prefeito interino, Richa foi surpreendido pela notícia do aumento de 15% na passagem (majorada de R$ 1,65 para R$ 1,90), anunciado, como de praxe na cidade, numa sexta-feira à noite. Da praia, em Santa Catarina, foi avisado por um assessor, Ezequias Moreira – de que se lerá mais adiante. De volta, reuniu-se no domingo com seu núcleo duro. Ali, decidiu-se: o reajuste seria cancelado.

Deonilson Roldo, que no governo Jaime Lerner começara como chefe da equipe de assessoria de imprensa do Palácio Iguaçu e chegara a secretário da Comunicação Social, fora nomeado para o mesmo cargo na prefeitura. Ainda que em tese fosse homem de confiança de Taniguchi, participou da reunião do estafe Richista – e endossou a manobra. Ele não era figura estranha ali: Paulino Viapiana, assessor de imprensa pessoal do vice-prefeito, é compadre de Roldo, e chegara ao cargo por influência dele.

“Deo [apelido pelo qual Roldo é conhecido] percebeu que o barco [de Taniguchi] estava afundando e viu no Beto alguém com um futuro político. E se jogou de corpo e alma na história da tarifa”, contou-me jornalista que trabalhava próxima a ele, à época. De Lisboa, Taniguchi reagiu com fúria ao saber do aumento – “Mas que filho da puta”, disse a assessores, referindo-se a seu vice –, e ordenou que ele fosse pressionado a recuar. Richa chegou a fraquejar, mas seu núcleo duro o convenceu a manter-se firme na decisão.

De volta ao Brasil, Taniguchi demitiu Roldo. Alguns meses depois, Richa, catapultado pela decisão de baixar a tarifa, elegeu-se prefeito de Curitiba. Taniguchi foi procurado para falar de Deonilson Roldo para este perfil. Disse não se recordar dos termos da conversa que manteve com o secretário quando retornou da Europa. “Já se passaram mais de dez anos”, justificou-se. Quando perguntado se as suspeitas contra Roldo no caso da PR-323 o surpreendiam, Taniguchi falou o seguinte: “Nos dias atuais, nada mais surpreende.”

Subindo no vácuo

A ascendência de Deonilson Roldo sobre Beto Richa coincide com o ocaso de Ezequias Moreira, presidente da juventude peemedebista do Paraná nos anos 1980 e homem bem relacionado com o ex-governador e ex-senador José Richa, fundador do PSDB e pai de Beto Richa. Moreira é visto como o homem que guiou os primeiros passos do tucano na política.

Em 2007, veio à tona que ele manteve a própria sogra como funcionária fantasma de gabinetes da Assembleia Legislativa, inclusive no de Beto Richa, que foi deputado entre 1995 e 2000. Moreira chegou a ser condenado a seis anos no caso, mas jamais foi para a prisão ou deixou de ter cargos nas gestões de Richa na prefeitura e no estado – o que é visto, por aliados, como prova de fidelidade e gratidão do político.

Mas o desgaste gerado pelo caso tirou Moreira do posto de orientador político de Richa, e guindou Roldo à chefia de gabinete do então prefeito. Um status que ele manteria com a eleição do tucano para o governo do estado, em 2010.

“Roldo era muito forte [no governo], o primeiro-ministro. Quando secretários iam despachar temas complexos com o governador, tinham que passar pelo Deo. Essa era a regra. Ele decidia e, naquilo que era essencial, relatava para o Beto. De certa forma, ele sempre blindou o Beto em todas as situações”, afirmou um deputado que, durante os sete anos de gestão do tucano, foi um aliado incondicional e fundamental na Assembleia Legislativa.

Um ex-aliado tornado desafeto é mais crítico: “Ele fechava a porta para a maioria dos secretários, fazia-os despachar com ele e não com Richa. Assim, foi tomando conta da administração.”

Colaborou para isso o fato do tucano ser descrito, mesmo por aliados, como homem pouco afeito ao trabalho de governador. “Beto sempre ficou numa redoma, preservado dos problemas da gestão. Ele não foi um governador que atuou intensamente. É um pouco da natureza dele”, disse um deputado que foi importante aliado do governador na Assembleia Legislativa. Mesmo em tempos de crises políticas, Richa costumava deixar o gabinete às 18h em ponto. Apaixonado por automobilismo – chegou a aventar uma carreira profissional nas pistas –, Richa por vezes surpreendia secretários por interromper reuniões de trabalho para perguntar do resultado de corridas. Fez questão de entregar a Ordem do Pinheiro, principal comenda do estado, ao comentarista de fórmula 1 Reginaldo Leme e ao ex-piloto paranaense Tarso Marques, de carreira apagada nas pistas.

Roldo, ao contrário, desde que era repórter tem a fama de trabalhador – quando estava no governo, era frequentemente o primeiro a chegar e o último a sair do gabinete. “Ele sempre foi pé de boi, nunca teve medo do trabalho”, relatou uma ex-colega. Em 2014, o jornalista Rogerio Galindo, da “Gazeta do Povo” ouviu políticos para saber quem detinha mais influência sobre o governador. Um deles respondeu: “Deonilson, Deonilson e Deonilson”.

Nos tempos de repórter, Roldo era visto circulando numa surrada Belina. Hoje, vive num condomínio fechado de luxo próximo a um parque de Curitiba. A mulher, uma advogada com quem casou-se no final dos anos 1980 numa cerimônia realizada na Secretaria Municipal do Meio Ambiente – um prédio de madeira e vidro encravado numa área de mata fechada no Parque Barigui, o mais frequentado da cidade –, atualmente é proprietária do Vindouro, um badalado restaurante francês no Juvevê, um bairro de classe média alta da capital.

Tida como uma das melhores cozinhas francesas da cidade, o Vindouro é também um reduto do alto-tucanato local. Beto Richa, a mulher, Fernanda, e o irmão, José Richa Filho, o Pepe, ex-secretário estadual de Infraestrutura e Logística, que também assinou a licitação da PR-323, são habitués.

O escândalo gerado pela gravação da conversa com Pedro Rache custou a Roldo os cargos que manteve no governo mesmo após a renúncia de Beto Richa – eram seis, de assentos em conselhos de estatais a diretor de Gestão Empresarial da Copel.

Manteve, porém, aliados em postos-chave da administração. Por isso, a maioria das fontes ouvidas para este perfil só concordou em falar mediante a garantia de anonimato – uma delas recusou-se até mesmo a falar, mas entregou um calhamaço de dez páginas de informações sobre a trajetória do ex-secretário. Roldo é tido como homem vingativo, e até há pouco tempo poderoso o suficiente para fechar as portas a eventuais desafetos.

O Ministério Público Federal e a Polícia Federal pediram que a gravação original de Rache e Roldo fosse entregue para ser periciada. Depois disso, ela poderá ser anexada como prova no inquérito aberto por determinação de Moro.

Deonilson Roldo foi procurado pelo The Intercept Brasil, mas não atendeu aos telefonemas nem respondeu às perguntas enviadas por e-mail no último dia 16.

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