(Este texto contém atualizações)
Kim Kataguiri e o Movimento Brasil Livre vêm se dedicando a um hobby de inspiração trumpiana nos últimos meses: denunciar as “Fake News” (notícias falsas). Assim como Donald Trump, o MBL adora apontar erros involuntários ou tendências desonestas da imprensa para rebater qualquer crítica à sua atuação.
Por exemplo, quando o El País revelou que milhões de reais em doações caíam numa caixa preta controlada por uma família que é ré em 125 processos e têm uma longa ficha de crimes fiscais, integrantes do grupo se auto-proclamaram “o movimento político mais perseguido do Brasil” – sem rebater propriamente as denúncias.
Quando a Vice Brasil reportou que MBL manteve ligações diretas com o site de propaganda enganosa (o que alguns chamariam de “fake news”) Jornalivre, o MBL negou vínculos diretos com o site. “Fake news!”
E quando a Folha mostrou que seus membros “sem partido” e combatentes dos cargos públicos se beneficiam de empregos no governo, Kim chegou como um raio para “desmascara[r a] matéria canalha”.
Na sua conferência nacional no ano passado, até barrou e expulsou repórteres, para não arriscar a disseminação de falsidades. “Fake news! Fake news!”
Mas nesta semana, Kim Kataguiri se viu no espelho. O ativista compartilhou para seus 565.885 fãs no Facebook um vídeo do canal “Mamãe, Falei” que denunciava manifestantes segurando bandeiras sindicais, virando barreira e seguindo em direção à porta de um prédio oficial gritando as palavras de ordem “a casa é do povo”. Acima, em letras garrafais, o MBL cravou: “SINDICALISTAS INVADEM PRÉDIO PÚBLICO PARA TENTAR IMPEDIR CONDENAÇÃO DE LULA”.
No post que acompanha o vídeo, Kim escreveu: “Sindicalistas estão tentando impedir de todos os modos a condenação do Lula, mas não vão conseguir. FALTAM 9 DIAS!“ Até a publicação deste texto, o vídeo foi visualizado 481 mil vezes. Ele tinha apenas um problema: a manifestação nada tinha a ver com o julgamento do ex-presidente. Mentira pura. Uma autêntica Fake News.
Assista o vídeo:
Agora assista a reportagem da TV Pública Local que mostra exatamente o mesmo clipe e explica o real motivo da manifestação: servidores públicos protestavam contra um pacote de medidas que aumentava suas contribuições previdenciárias e achatava suas aposentadorias.
Parece que os dois vídeos até são da mesma fonte (ou pelo menos do mesmo ângulo e posição) e claramente estão mostrando o mesmo ato.
Janeayre Souto, a presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público da Administração Direta do Estado do Rio Grande do Norte, explicou para o jornalista do TVU porque eles estavam nas ruas naquele dia:
“Nós estamos aqui para impedir a venda, o desmonte do patrimônio público do estado do Rio Grande do Norte, a entrega à iniciativa privada do nosso patrimônio. Nós estamos aqui para lutar contra a demissão dos servidores e nós estamos aqui para lutar contra a retirada dos quinquênio dos servidores.”
Quando ligamos para Manoel Egídio Júnior, enfermeiro, membro do Fórum dos Servidores e um dos coordenadores do protesto, que está sem 13º e que recebeu o salário de dezembro apenas no último sábado, ele se surpreendeu: “Vejo com revolta essa cooptação do protesto. Tentaram usar nossa ação para outro objetivo. Não havia e não há nenhuma defesa de candidato ou partido”.
O governador kassabista Robinson Faria está tentando aprovar um pacote fiscal de 18 medidas (chamado de “RN Urgente”), apresentadas como solução para o derretimento financeiro do Rio Grande do Norte. Houve convocação extraordinária para a votação no dia 11 de janeiro, quando servidores tentaram entrar na Assembleia Legislativa para impedir a sessão – foram contidos pelo Batalhão de Choque da PM. Nada a ver com Lula. (“Fake News!”).
As propostas mais questionadas são aquelas que afetam diretamente servidores públicos que já tem seus salários atrasados: mudança na alíquota de 11% para 14% da contribuição previdenciária e limite da aposentadoria a um teto menor que o atual. A manifestação impediu que os os deputados votassem o pacote.
Cindo dias depois, os servidores voltaram a ocupar a frente da Assembleia. Manifestantes forçaram novamente as grades colocadas em frente ao prédio e superaram uma barreira policial para tentar entrar na Assembleia.
Como se vê por fatos e imagens, os manifestantes estavam preocupados com seu futuro imediato, e não com o julgamento de Lula, que ocorrerá ainda no dia 24, em Porto Alegre.
Mesmo alertados pelos fãs do MBL – os seguidores das páginas do Kim e do “Mamãe, Falei” chegaram a, respeitosamente, corrigir o erro evidente no vídeo – mas nada fizeram. A fake news (!) continua lá a gerar views.
The Intercept Brasil entrou em contato com Kim Kataguiri e “Mamãe, Falei” para perguntar se eles estão cientes de que o enunciado do vídeo está equivocado, que vários dos seus leitores já apontaram o erro – e por que eles não corrigiram ou apagaram o post. Até a publicação dessa matéria, ainda não responderam. Atualizaremos quando houver resposta.
ATUALIZAÇÃO (19 de janeiro, 11h58): Após a publicação deste texto, os links do vídeo nas páginas de “Mamãe, Falei” e Kim Kataguiri foram retirados do ar. Nenhuma delas publicou uma errata, explicação ou pedido de desculpa à audiência (a emissão de correções é prática padrão para qualquer provedor de informações respeitável). O vídeo enganoso foi visualizado pelo menos 481 mil vezes. The Intercept Brasil entrou em contato com Kim Kataguiri e a página “Mamãe, Falei” novamente e atualizará este texto se houver reposta.
🚨 O QUE ENFRENTAMOS AGORA 🚨
O Intercept está vigiando manobras eleitorais inéditas da extrema direita brasileira.
Os golpistas estão de cara nova, com seus ternos e sapatênis. Eles aprenderam estratégias sofisticadas de marketing digital para dominar a internet, que estão testando agora nas eleições municipais.
O objetivo final? Dominar bases de poder locais para tomar a presidência e o congresso em 2026.
Não se deixe enganar: Bolsonaro era fichinha perto dos fascistas de sapatênis…
O Intercept não pode poupar esforços para investigar e expor os esquemas que colocam em risco nossos direitos e nossa democracia.
Já revelamos as mensagens secretas de Moro na Lava Jato. Mostramos como certas empresas e outros jornais obrigavam seus trabalhadores a apoiarem Bolsonaro. E expusemos como Pablo Marçal estava violando a lei eleitoral.
Mas temos pouco tempo, e muito mais a revelar. Agora precisamos de recursos para colocar mais repórteres nas ruas. Para isso, precisamos de sua ajuda. Somos financiados por nossos leitores, não pelas empresas ricas que mandam em Brasília.
Faça parte do nosso time para causar o impacto eleitoral que você não verá em nenhum outro lugar! Faça uma doação de qualquer valor ao Intercept hoje mesmo!