No dia 4 de dezembro, a Suprema Corte dos Estados Unidos emitiu uma decisão colegiada, declarando que o veto migratório de Donald Trump poderia entrar em vigor mesmo antes do fim da disputa judicial suscitada pelo decreto nas instâncias inferiores. A decisão do presidente americano, tomada em setembro, afeta cidadãos do Chade, Irã, Líbia, Coreia do Norte, Somália, Síria, Venezuela e Iêmen, e havia sido suspensa por dois juízes federais em outubro, mas segue ainda sem um veredito final. A decisão da semana passada – apesar dos votos contrários dos juízes Ruth Bader Ginsburg e Sonia Sotomayor – foi um grande gesto de apoio à posição de Trump e pode ser considerada uma prévia do futuro veredito da Suprema Corte.
Enquanto isso, os cidadãos dos oito países afetados pelo decreto de Trump sentirão todos os efeitos da proibição. Na maioria dos casos, isso significa uma suspensão quase total da imigração para os EUA, pois a decisão judicial acaba com uma ressalva imposta em junho, segundo a qual pessoas com “estreitos laços familiares” no país poderiam entrar no território americano. “A decisão da Suprema Corte vai impedir muita gente de se reunir com seus familiares, continuar os estudos ou trabalhar”, diz Mariko Hirose, diretora de litígios do International Refugee Assistance Project, um dos grupos que se opõem ao veto de Trump. “As consequências serão devastadoras para esses indivíduos e para a comunidade muçulmana em geral”, completa.
A hostilidade de Trump contra muçulmanos é anterior a seu mandato, e, desde que assumiu, ele tem usado sem pudor uma retórica islamofóbica. Na semana passada, ele compartilhou vídeos antimuçulmanos postados – e manipulados – pelo grupo de extrema-direita britânico Britain First. Em audiências anteriores sobre o veto migratório, as declarações incendiárias de Trump no Twitter foram usadas por advogados como prova da motivação religiosa do decreto. Em sua declaração à Suprema Corte, a União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU), um dos grupos que entraram com recurso contra a proibição, citou tuítes recentes como evidência da islamofobia do presidente. “O preconceito de Donald Trump contra os muçulmanos não é nenhum segredo, tendo sido confirmado por ele em diversas ocasiões, inclusive na semana passada, no Twitter”, disse Omar Jadwat, diretor do projeto Direitos dos Imigrantes, da ACLU.
Embora tenham acontecido episódios dramáticos de resistência popular à proibição, a Casa Branca se recusa a recuar em sua cruzada. Ao longo de um ano cheio de complicações legais, Trump reiterou seu compromisso com o veto, tentando colocar a questão sob a ótica da segurança nacional; em setembro, ele declarou à imprensa que sua posição sobre o veto era “quanto mais restritivo, melhor”. No dia 4, o porta-voz da Casa Branca, Hogan Gidley, disse que a decisão da Suprema Corte não era uma surpresa para o governo. “Queremos apresentar uma defesa ainda mais completa da nossa posição nos tribunais”, declarou. O procurador-geral dos EUA, Jeff Sessions, chamou a decisão de “uma grande vitória para a segurança do povo americano”.
Ao longo de quase um ano de batalhas judiciais, o assunto perdeu espaço na opinião pública, apesar da indignação inicial. Mas agora o veto migratório não só parece contar com o apoio da mais alta instância judicial dos EUA como também é muito mais grave do que as versões anteriores do texto. As duas outras tentativas, lançadas em janeiro e março, foram apresentadas como proibições temporárias; já a versão que transita nos tribunais atualmente pretende ser permanente. Esse terceiro decreto se baseia em um vago relatório de segurança, usado para demonstrar a suposta imparcialidade e necessidade do veto migratório. As questões de segurança levantadas pelo relatório não vieram a público, pois os advogados de Trump alegam que o documento não pode ser usado como prova no tribunal.
O argumento da segurança nacional já foi considerado pouco convincente em outras decisões judiciais. “O governo poderia apresentar mais provas de que a razão de ser da proibição é a segurança, mas não o fez”, argumentou o juiz federal Theodore D. Chuang em outubro, levantando suspeitas sobre a possível motivação religiosa do decreto presidencial.
A recente decisão da Suprema Corte suspende duas liminares dos tribunais federais de Maryland e do Havaí, que agora vão para o 4º e 9º Tribunal de Apelação, respectivamente. Ambas as cortes já haviam bloqueado parcialmente o veto migratório.
Em maio, o juiz do 4º Tribunal de Apelação, Roger Gregory, manteve “uma parte substancial” da liminar de Chuang, que suspendia a proibição. O decreto de Trump “invoca de forma vaga a segurança nacional, mas na realidade transborda de intolerância religiosa, animosidade e discriminação”, escreveu Gregory. Segundo ele, a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos “é uma incansável sentinela de um de nossos mais caros princípios fundadores – o de que nenhum governo pode estabelecer uma ortodoxia religiosa, ou favorecer uma religião em detrimento de outra”.
O 9º Tribunal de Apelação, contudo, não manteve a liminar com base na Constituição, preferindo basear sua decisão na Lei de Imigração e Nacionalidade. Segundo o tribunal, Trump extrapolara a autoridade conferida a ele pelo Congresso ao não conseguir demonstrar que a entrada dos indivíduos vetados pelo decreto seria “prejudicial aos interesses dos Estados Unidos”.
Independentemente da decisão do 4º e 9º Tribunais, o caso deve acabar de novo na Suprema Corte. Se os tribunais de apelação agirem rapidamente, a Suprema Corte poderá ouvir os argumentos de ambas as partes e chegar a uma decisão antes do recesso forense, no final de junho. Enquanto isso, os cerca de 100 milhões de muçulmanos atingidos pelo veto – além dos cidadãos não muçulmanos dos países afetados – continuarão praticamente impossibilitados de entrar nos Estados Unidos, mesmo tendo laços familiares no país. As empresas, universidades e comunidades americanas terão que lidar com as consequências internas da proibição. Quanto aos seus efeitos geopolíticos, o futuro permanece preocupante e incerto.
Tradução: Bernardo Tonasse
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