Deputada Cidinha Campos discursa na Alerj.

No circo da Alerj, Cidinha Campos resume a incoerência da política nacional

Discurso antigo de deputada acusando Picciani é citado em petição do MPF que pediu a presidente da Alerj, mas Cidinha vota pela soltura do colega.

Deputada Cidinha Campos discursa na Alerj.

Na nossa política, só não é possível dizer que a incoerência é generalizada porque, para muitos ali, a falta de ética e moral é coerente com suas atitudes desde sempre.

Na sexta (17), enquanto policiais gastavam dinheiro público lançando bombas de gás lacrimogêneo contra manifestantes do lado de fora, o plenário da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) decidiu pela soltura de três deputados presos por corrupção: Edson Albertassi, Paulo Melo e Jorge Picciani. Este último, o presidente da Casa. Dos 39 votos a favor da liberdade dos parlamentares, dez foram de colegas do próprio partido, o PMDB. Até aí, tudo dentro dos (tortos) conformes.

Mas basta olhar com um pouco mais de calma para a lista dos 39 nomes que ratificaram o escárnio para perceber o quanto a incoerência – e não só de princípios, mas até política – foi decisiva. A votação foi apertada: Picciani e sua trupe precisavam de 36 votos para trocar o macarrão de uma cela na cadeia por uma dose de vinho em casa. Então cada “sim” para o relatório que livrou a cara deles foi fundamental.

Comecemos com André Ceciliano (PT). Ué, mas o partido dele não é aquele que reclama que o PMDB de Picciani protagonizou, em Brasília, um golpe para retirar uma presidente legítima do poder? E o que dizer de Jair Bittencourt, Nivaldo Mulim e Renato Cozzolino, do PR? Não é um dos líderes de seu partido no estado, o ex-governador Anthony Garotinho, o principal algoz de Picciani, Cabral e companhia? Para completar, até Paulo Ramos, do tão combativo PSOL, votou a favor do presidente da Casa. O PT anunciou a suspensão de Ceciliano, PR e PSOL optaram pela expulsão dos outros quatro deputados. Ok, mas agora a banda já passou.

Pois bem, somente com esses votos, o resultado já teria sido diferente. Mas há algo ainda mais emblemático: o voto da deputada Cidinha Campos (PDT). Para quem não é do Rio e não a conhece, Cidinha é uma jornalista que ocupa desde o fim da década de 1990 uma cadeira na Alerj. Teve sua carreira ligada ao PDT, principalmente pela afinidade com o ex-governador do Rio Leonel Brizola.

“Eu vejo aqui nessa Casa o cinismo dos ladrões!”

Quem cobre a política fluminense como jornalista há algum tempo possivelmente já deve ter tido Cidinha como fonte em alguma investigação sobre corrupção. Na internet, não é difícil achar vídeos da deputada esbravejando no plenário contra os larápios de colarinho branco:

“Eu vejo aqui nessa Casa o cinismo dos ladrões!”, disse ela, não agora, mas em 2010.

Naquela época, dos discursos mais inflamados de Cidinha, coincidentemente ou não, a deputada se insurgia contra a possível ida de um colega, José Nader Júnior, alvo de um processo de cassação na Alerj, para o Tribunal de Contas do Estado (TCE). Augusto Nunes, colunista da “Veja”, escreveu sobre a postura combativa da deputada um artigo com o seguinte título: “Um discurso que traduziu a indignação contra a roubalheira”.

Agora, Cidinha assistiu calada à tentativa de o PMDB fluminense emplacar o deputado Edson Albertassi, um dos presos-soltos pela Alerj, numa vaga aberta naquele mesmo TCE. A armação só não se concretizou porque foi denunciada pela imprensa e entrou na mira do Ministério Público Federal (MPF).

Em 2006, o discurso contra o “laranja”

Mas há especificamente um auge na incoerência de Cidinha. Na página 90 da petição de 232 páginas do MPF que pediu a prisão de Picciani e sua trupe, é reproduzido um discurso dado em 2006 pela deputada atacando a indicação de Jorge Luiz Ribeiro para exercer à época um cargo de conselheiro da Agência Reguladora de Serviços Públicos (Asep). O MPF cita a fala antiga da parlamentar ao dar um histórico sobre Ribeiro, alvo de mandado de prisão, apontado com um dos emissários de Picciani para o recebimento de propina de empresários de ônibus.

No discurso em plenário, Cidinha diz:

“Não tenho a pretensão de mudar o voto (a favor de indicação de Ribeiro) de ninguém. No curto espaço de tempo que estou aqui, sei que isso não acontece. É preciso mais do que documento, talvez coisas mais palpáveis para ´fazer a cabeça´ dos Senhores Deputados. Não tenho esses instrumentos, mas sei que existem pessoas que têm. E o Deputado Jorge Picciani é um deles. S. Exa tem instrumentos poderosos para ´fazer a cabeça´ desta Casa! E é de S. Exa a sugestão e a indicação de um nome perigoso para integrar esse Conselho: o sr. Jorge Luiz Ribeiro, que certamente irá integrá-lo e vai dizer quanto custará a passagem de ônibus, trem, metrô, o que quiser. Vai continuar comandando a Fetranspor (entidade que reúne empresas de ônibus) e o Detro (departamento responsável pela fiscalização do transporte) e outras casas idôneas que conhecemos nesse estado”.

Em seguida, ela é ainda mais incisiva:

“O sr. Jorge Picciani é que manda nele (Ribeiro). Ele é um laranja do sr. Jorge Picciani.”

Ou seja, a deputada conseguiu a façanha de ser citada na petição do MPF acusando Picciani (ok, há dez anos) e votar a favor da soltura do deputado na última sexta. É um feito e tanto, mas que não surpreende graças ao seu histórico recente, que teve até apoio público ao atual presidente da Alerj numa tentativa frustrada de candidatura ao Senado.

Em suas redes sociais, Cidinha não se manifesta desde meados de outubro. Em sua página no Facebook, a última postagem é do dia 12 daquele mês: um vídeo, de Madre Teresa de Calcutá, que fecha com a frase “Amem uns aos outros”.

S.O.S Intercept

Peraí! Antes de seguir com seu dia, pergunte a si mesmo: Qual a chance da história que você acabou de ler ter sido produzida por outra redação se o Intercept não a tivesse feito?

Pense em como seria o mundo sem o jornalismo do Intercept. Quantos esquemas, abusos judiciais e tecnologias distópicas permaneceriam ocultos se nossos repórteres não estivessem lá para revelá-los?

O tipo de reportagem que fazemos é essencial para a democracia, mas não é fácil, nem barato. E é cada vez mais difícil de sustentar, pois estamos sob ataque da extrema direita e de seus aliados das big techs, da política e do judiciário.

O Intercept Brasil é uma redação independente. Não temos sócios, anúncios ou patrocinadores corporativos. Sua colaboração é vital para continuar incomodando poderosos.

Apoiar é simples e não precisa custar muito: Você pode se tornar um membro com apenas 20 ou 30 reais por mês. Isso é tudo o que é preciso para apoiar o jornalismo em que você acredita. Toda colaboração conta.

Estamos no meio de uma importante campanha – a S.O.S. Intercept – para arrecadar R$ 250 mil até o final do mês. Nós precisamos colocar nosso orçamento de volta nos trilhos após meses de queda na receita. Você pode nos ajudar hoje?

Apoie o Intercept Hoje

Conteúdo relacionado

Inscreva-se na newsletter para continuar lendo. É grátis!

Este não é um acesso pago e a adesão é gratuita

Já se inscreveu? Confirme seu endereço de e-mail para continuar lendo

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar