VITTORIOSA, MALTA - MARCH 30:  A superyacht, the Indian Empress, owned by Vijay Mallya, stands in The Grand Harbour as seen from Valletta on March 29, 2017 in Vittoriosa, Malta. In the last 2,000 years Malta has been under Roman, Muslim, Norman, Knights of Malta, French and British rule before it became independent in 1964. Today Malta remains a crossroads of cultures and is a popular tourist destination.  (Photo by Sean Gallup/Getty Images)

Navio de $25 milhões dado à família Erdogan é apenas uma de muitas revelações no Malta Files

Uma investigação feita pela rede da Colaboração Investigativa Européia revela Malta como a “base pirata” da sonegação de impostos na União Europeu.

VITTORIOSA, MALTA - MARCH 30:  A superyacht, the Indian Empress, owned by Vijay Mallya, stands in The Grand Harbour as seen from Valletta on March 29, 2017 in Vittoriosa, Malta. In the last 2,000 years Malta has been under Roman, Muslim, Norman, Knights of Malta, French and British rule before it became independent in 1964. Today Malta remains a crossroads of cultures and is a popular tourist destination.  (Photo by Sean Gallup/Getty Images)

Malta Files

Parte 6


Qual o presente perfeito para um líder mundial que tem tudo? Que tal comprar um navio petroleiro de 25 milhões de dólares em segredo para a família dele? Foi isso que o bilionário Azeri, Mübariz Mansimov, deu para Recep Tayyip Erdogan, o cada vez mais autoritário presidente turco, em 2008. A descoberta, publicada na sexta no Black Sea, El Mundo e outros veículos, é o resultado de um projeto iniciado há alguns meses pela rede do European Investigative Collaborations (EIC).

Mansimov se tornou um cidadão turco dois anos antes e adotou um nome turco, Mübariz Gurbanoglu, alegadamente por sugestão de Erdogan. Após o acordo ser selado, seus negócios na Turquia deslancharam, incluindo contratos lucrativos com empresas estatais.

Mansimov também é “um amigo” de Donald Trump e compareceu à sua cerimônia de posse. “Quando os 39 andares do bloco residencial e comercial Trump Towers abriram em Istambul em 2009, Mansimov foi o primeiro cliente – comprando oito apartamentos, incluindo a cobertura”, de acordo com a matéria do Black Sea.

O acordo é complexo. Mas, em resumo, funciona assim: Mansimov adquiriu um navio e abriu uma empresa para abrigá-lo em 2007. Em outubro de 2008, outra empresa registrada na Ilha de Man, que pertencia ao cunhado de Erdogan e ao seu filho, comprou todas as ações por 25 milhões de dólares. No dia seguinte, essa firma fez um empréstimo de 18 milhões de dólares arranjado por Mansimov. Normal, até agora. No entanto, documentos mostram que Mansimov se comprometia a cobrir os sete anos de empréstimo para a empresa, mais juros, em troca de direitos de leasing ao longo de 2015 (os 7 milhões restantes do preço da compra foi pago por um amigo próximo de Erdogan por motivos desconhecidos). A empresa de Mansimov, que controla dois terços da produção de petróleo no Mar Negro, estendeu a opção de leasing até 2020 por 1,2 milhões de dólares por ano. Somando tudo, o acordo chega a uma transferência de 21,2 milhões de dólares de Mansimov para a família de Erdogan. Apesar de ter supostamente vendido o navio para o amigo próximo que pagou 7 milhões em 2011, em três instâncias desde então, o cunhado de Erdogan assinou documentos atestando ser o “único proprietário” do petroleiro.

O rastro de papéis dessa rede emaranhada de transações começa no Malta Files, uma investigação liderada pel0 EIC, baseada no vazamento de um tesouro secreto de 150 mil documentos de uma empresa que fornece serviços jurídicos, financeiros e administrativos baseada em Malta, além de uma versão garimpada do registro público das empresas de Malta. No total, mais de 50 mil empresas estão incluídas. O projeto uniu 49 jornalistas de 13 veículos de comunicação em 16 países, incluindo o The Intercept Brasil, Agência Sportlight, L’Espresso, Le Soir, NRC, Der Spiegel, the Romanian Centre for Investigative Journalism/TheBlackSea.eu, Mediapart, Politiken, NewsWeek Sérvia, El Mundo, Expresso, Dagens Nyheter e Malta Today.

Malta, um arquipélago no Mediterrâneo com menos de meio milhão de residentes, apresenta o imposto mais baixo para empresas em toda a União Européia e se tornou um destino preferido para sonegação de impostos nos Estado Unidos. A divulgação dos Arquivos Malta também expôs esquemas internacionais da máfia italiana, o império de empréstimos de um bilionário Russo, o primeiro-ministro da Turquia, Binali Yildrim, estrelas do futebol e oligarcas europeus donos de iates, entre outros.

Enquanto as redes internacionais de empresas e proprietários interligados são bastante complexas, a essência do esquema é fácil de seguir: a taxa do imposto na França é de 33,33%; em Malta, a taxa efetiva para atividades internacionais de empresas de estrangeiros é de apenas 5%; tirando vantagem da política de fronteiras abertas entre países membros da União Europeia, uma firma parisiense pode abrir uma subsidiária em Malta, declarar lucros por aquela subsidiária, pagar 5% ao governo maltês e repatriar o resto dos lucros livre de impostos, enganando legalmente a França sobre qualquer de suas receitas. Malta ganha dinheiro por nada, a empresa economiza 85% de gastos com impostos e os contribuintes franceses perdem milhões.

Uma investigação do jornal Malta Today estima que a política de imposto amigável a negócios rendeu ao país quase 248 milhões de euros em receita em 2015 e custou 4,2 bilhões em perdas na coleta de impostos a outras nações. Essas somas aumentaram em mais de 10 vezes desde 2006. Um estudo patrocinado por Green MEPs no Parlamento Europeu descobriu que 14 bilhões de euros em impostos da União Europeia deixaram de ser pagos entre 2012 e 2015.

Malta (Valetta), MALTA: Picture taken 10 May 2007 in Malta of Valletta's Central Bank of Malta.  AFP PHOTO / ANDREAS SOLARO (Photo credit should read ANDREAS SOLARO/AFP/Getty Images)

O banco central de Malta em Valletta.

Foto: Andreas Solaro/AFP/Getty Images

Estruturas corporativas disponíveis em Malta para esconder os proprietários de uma empresa também podem ser utilizadas para facilitar fraudes e atividades ilegais, algo que a nação nega, mas que levou um ministro da fazenda alemão a nomear Malta como “o Panamá da Europa”.

O Ministro da Fazenda de Malta, Edward Scicluna, disse que os Arquivos de Malta são “notícia falsa”, completando que a cobertura “é injusta e ameaça a economia e postos de trabalho”. Outros países da União Européia “querem provar do nosso sucesso, especialmente no mercado de iGaming (jogos digitais)”, afirmou.

O primeiro ministro Joseph Muscat, respondendo às publicações disse que: “eles tentaram dizer que há algo ilegal em nossos serviços financeiros, quando a verdade é que nossos sistemas financeiros são os mesmos de quando nos juntamos à União Européia. Foi aprovado pela EU e pela OCDE e nós estamos dentro dos parâmetros.”

Clique aqui para ver todas as matérias de parceiros d0 EIC sobre o Malta Files (a lista continuará sendo atualizada assim que novas notícias forem publicadas).

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