The Mira hotel in Hong Kong, where Edward Snowden had been staying, is pictured in Hong Kong on June 11, 2013.  Snowden, a 29-year-old US government contractor and the source who leaked details of a vast secret US program to monitor Internet users, was reported to have checked out of the Mira hotel on June 10.   AFP PHOTO / Philippe Lopez        (Photo credit should read PHILIPPE LOPEZ/AFP/Getty Images)

Os desconhecidos que receberam os segredos de Snowden pelo correio

Dois jornalistas receberam cópia do material para o caso de que algo acontecesse com os responsáveis pelas revelações.

The Mira hotel in Hong Kong, where Edward Snowden had been staying, is pictured in Hong Kong on June 11, 2013.  Snowden, a 29-year-old US government contractor and the source who leaked details of a vast secret US program to monitor Internet users, was reported to have checked out of the Mira hotel on June 10.   AFP PHOTO / Philippe Lopez        (Photo credit should read PHILIPPE LOPEZ/AFP/Getty Images)

A história de Snowden e de sua revelação dos segredos da NSA à imprensa foi contada e recontada em livros, filmes e inúmeros artigos. O que ainda não foi noticiado é o papel silencioso de dois jornalistas que receberam material de Snowden, literalmente enviado em uma caixa de papelão.

Em um novo artigo na revista Harper’s, a dupla finalmente conta a sua história de criptogrfia de nível iniciante, códigos intrincados e paranóia extrema. Eles também revelam que não são as únicas pessoas que receberam arquivos de Snowden sem o conhecimento do público.

Dale Maharidge é um jornalista premiado e professor universitário de jornalismo, mas só foi envolvido no vazamento de informações de Snowden por causa de uma festa numa casa no Brooklin, à qual ele compareceu numa noite em dezembro de 2011, e onde conheceu a cineasta (e cofundadora do The Intercept) Laura Poitras. Os dois criaram um laço rapidamente por causa de seu trabalho em comum e, ao longo do ano seguinte, à medida que seus respectivos projetos de reportagem e filmagens permitiam, passavam o tempo juntos em Nova York e na casa de praia “muito remota” de Maharidge, em Northern California. Então, quase no início de 2013, Poitras foi contactada por uma fonte anônima alegando possuir materiais que revelariam o alcance da vigilância norte-americana. Ela confiou isso a Maharidge:

Conversamos sobre a fonte durante o jantar, e Laura me contou que uma pessoa queria um endereço físico para usar caso (como a fonte disse) “algo aconteça com você ou comigo”. Especulamos que talvez essa pessoa pudesse enviar a ela um pacote. Cópias impressas? Dados? Não era claro. Não é preciso dizer que o material não poderia ir diretamente para Laura: sua correspondência estava certamente sendo remexida. Nem eu poderia receber, por causa da nossa conexão. Ela disse que precisávamos de uma terceira parte, alguém que não estaria no radar da NSA.

O tempo todo, Poitras e Maharidge se comunicaram usando códigos – mas, o que é interessante, nenhum meio de criptografia digital:

Chamávamos a fonte não nomeada de ‘o arquiteto’ e nos referíamos à entrega misteriosa como ‘material de arquitetura’. O destinatário do pacote era chamado de “pia”. Se fosse comprovado que aquela pessoa não estava disponível, eu achava uma segunda opção, a quem chamávamos de “outra pia”. A NSA ou o FBI eram chamados de “conselho de cooperação” – um tributo à natureza truculenta desses conselhos em Nova York. E se algum de nós escrevesse “o carpinteiro se demitiu”, significava que era hora de começar de novo com outro plano.

Maharidge sugeriu que sua amiga Jessica Bruder, uma repórter e professora de jornalismo, recebesse o pacote da fonte. Ele seria então repassado a Maharidge e, finalmente, a Poitras, reduzindo o risco de que a polícia ou outra falta de sorte interviesse no processo de envio. A ansiedade da espera pelo misterioso pacote coberta de confusão; Poitras e Maharidge algumas vezes ficavam confusos sobre se estavam falando de uma fonte de denúncias de segurança nacional ou da reforma que Poitras estava fazendo, de fato, em seu loft, escreveu Bruder.

Finalmente, a caixa de Snowden chegou ao prédio de Bruder – onde pacotes são frequentemente roubados – e então à sua porta.

Eu peguei a caixa. As palavras ‘mat. de arquitetura’ estavam rabiscadas em letras de forma na frente. ‘Por quanto tempo isso ficou aqui?’, eu me perguntei. Depois de entrar no apartamento, olhei mais de perto. Nada sobre o pacote parecia incomum a princípio. Ele tinha sido postado em 10 de maio em Kunia, Havaí, e enviado via correio expresso. Eu balancei a caixa delicadamente, como uma criança adivinhando o conteúdo de um presente. Algo lá dentro tilintou. Fora isso, não revelou mais nenhum segredo.

Então, eu notei o endereço do remetente:

B MANNING
94-1054 ELEU STREET
WAIPAHU, HI 96797

Incrivelmente, com todo o esforço de Poitras para estabelecer um canal discreto de entrega, Snowden enviou o pacote com um endereço de remetente que era quase o mesmo da sua verdadeira localização em uma pequena cidade do Havaí, alterado apenas por um número de rua. Bruder escreveu que ela estava ‘espantada’ e preocupada por Snowden, no meio de tanto cuidado extremo, ter usado um endereço tão próximo ao seu próprio, junto com o nome de alguém famoso por vazar informações – Bradley Manning, que ainda não havia se tornado Chelsea Manning – enquanto estava no processo de vazamento por meio do nome e endereço verdadeiros de Bruder. Os dois ainda não sabem por que Snowden teria dado um passo tão excepcional e potencialmente desastroso para testar a sorte, além de que esse tenha sido, talvez, o equivalente a uma risada nervosa diante da possível ruína.

Da porta de Bruder, a caixa foi repassada a Poitras, que, por sua vez, confiou a Maharidge uma cópia de seu conteúdo: arquivos da NSA enviados por Snowden. Maharidge agora tinha que decidir o que fazer com uma cópia dos arquivos mais perigosos que alguém poderia imaginar naquela época, uma cópia que ninguém deveria descobrir que estava em sua posse. O material fez uma jornada tortuosa, desde ser escondido sob a vista de todos como bagagem de mão em linhas aéreas até ser colocado secretamente no topo de uma árvore de mais de 20 metros de altura, até, nas palavras de Maharidge, ser selado “dentro de um barril de quase 100 litros com coisa velha” no subsolo de um anexo.

Maharidge e Bruder também afirmaram que pelo menos três outras pessoas receberam cópias de backup do material de Snowden:

Das três pessoas que receberam cópias, uma continua desconhecida para nós. Outra pediu para permanecer em segredo. A terceira era Trevor Timm, um advogado, jornalista e ativista que é diretor executivo da Freedom of The Press Foundation (Fundação pela Liberdade da Imprensa).

Trevor recebeu um pacote sem descrição em 2013, cujo remetente era alguém que ele conhecia. “Ninguém disse que um pacote estava chegando para mim”, ele nos contou.

Finalmente, Maharidge decidiu manter os arquivos no alto da árvore, onde eles foram incorporados ao ninho de um pássaro; hoje, estão em uma nova localização secreta. “Por que ficar com isso?”, Bruder e Maharidge se perguntam. “Há sempre a possibilidade de que o pacote possa ser confiscado como evidência. Ainda assim, mantemos esses itens.” Com toda a ansiedade causada pela caixa, nenhum deles parece pronto para terminar seu papel na história.

Foto em destaque: o hotel Mira em Hong Kong, onde Edward Snowden esteve hospedado (11 de junho de 2013).

S.O.S Intercept

Peraí! Antes de seguir com seu dia, pergunte a si mesmo: Qual a chance da história que você acabou de ler ter sido produzida por outra redação se o Intercept não a tivesse feito?

Pense em como seria o mundo sem o jornalismo do Intercept. Quantos esquemas, abusos judiciais e tecnologias distópicas permaneceriam ocultos se nossos repórteres não estivessem lá para revelá-los?

O tipo de reportagem que fazemos é essencial para a democracia, mas não é fácil, nem barato. E é cada vez mais difícil de sustentar, pois estamos sob ataque da extrema direita e de seus aliados das big techs, da política e do judiciário.

O Intercept Brasil é uma redação independente. Não temos sócios, anúncios ou patrocinadores corporativos. Sua colaboração é vital para continuar incomodando poderosos.

Apoiar é simples e não precisa custar muito: Você pode se tornar um membro com apenas 20 ou 30 reais por mês. Isso é tudo o que é preciso para apoiar o jornalismo em que você acredita. Toda colaboração conta.

Estamos no meio de uma importante campanha – a S.O.S. Intercept – para arrecadar R$ 250 mil até o final do mês. Nós precisamos colocar nosso orçamento de volta nos trilhos após meses de queda na receita. Você pode nos ajudar hoje?

QUERO APOIAR

Conteúdo relacionado

Inscreva-se na newsletter para continuar lendo. É grátis!

Este não é um acesso pago e a adesão é gratuita

Já se inscreveu? Confirme seu endereço de e-mail para continuar lendo

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar