Em meio a uma das mais graves crises políticas entre os Poderes e com um misto de escândalo e perplexidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) recuou e decidiu por 6 a 3 manter o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) na presidência do Senado Federal. Maioria da Corte rejeitou liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio Mello, que determinava remoção imediata de Renan do cargo, após o senador alagoano virar réu no STF por suposta prática de peculato. A decisão do STF foi comemorada e recebida como alívio no Palácio do Planalto, que temia um impacto na governabilidade no Congresso e uma paralisia nas votações de interesse do governo.
Após o resultado, que deixou o Brasil estupefato na noite dessa quarta-feira, o tema foi parar no Trending Topics do Twitter, como um dos assuntos mais comentados na rede social. Obrigando o STF a recuar, Renan sai fortalecido, o governo Temer respirando aliviado, e pousa sobre Brasília uma temporária tranquilidade institucional.
A solução para a crise instalada foi negociada por senadores, deputados, o próprio presidente da República, Michel Temer, os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e José Sarney (PMDB). Poucas vezes se testemunhou uma romaria dessa proporção para manutenção de um chefe de poder no cargo.
O cenário cristalino que indicava alguma punição a Renan se esfarelou. O senador desafiou uma decisão do Supremo ao não querer assinar a notificação da liminar que o afastava do cargo. Para o ministro Marco Aurélio, a atitude de Renan em não receber a notificação da liminar foi “inconcebível, intolerável e grotesca”. Vale lembrar que o senador faz parte do establishment político, essa força superior que dá sustentação a diversos governos e democracias representativas no mundo afora.
No currículo, Renan carrega a experiência de líder na Câmara no governo de Fernando Collor, ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso e presidente do Senado nos governos Lula, Dilma e Temer. No prontuário de processos no STF, além de ser réu por peculato, Renan tem contra si uma outra dezena de inquéritos que não tem sequer previsão para entrar na pauta.
Inusitado, o ano de 2016 não poupou os brasileiros de sustos diários vindos de Brasília. O país testemunhou o segundo processo de impeachment de sua história; a prisão do ex-deputado e ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, que ocupa uma diminuta cela na polícia federal em Curitiba; a prisão do senador cassado e ex-líder do governo Delcídio do Amaral e incontáveis fases da Operação Lava-Jato que sacudiram o país. É de espantar a quase intocabilidade em torno de Renan. Surpreendente é que o Supremo Tribunal se submeta a buscar uma solução que aparenta para a sociedade mais uma saída política para manter governabilidade, do que propriamente jurídica.
Vilão do Judiciário
A decisão monocrática do ministro para afastar Renan teve como pano de fundo a ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) da Rede Sustentabilidade. A maioria dos ministros já votou para não permitir que réus ocupem cargos na linha sucessória (Vice-Presidência, presidência do Senado, da Câmara e do STF). Como a matéria continua inconclusa, com o pedido de vistas do ministro Dias Toffoli, a decisão de Marco Aurélio por uma “quase decisão” encontrava-se revestida de constitucionalidade, mas sem a materialidade constitucional necessária.
Vale resgatar outras ações contra Renan Calheiros que não prosperaram no STF:
- A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu prisão de Renan, flagrado nas antológicas conversas com o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, aquelas sobre o “pacto” para barrar a Lava-Jato. O pedido foi negado pelo ministro Teori Zavascki;
- A Polícia Federal tentou investigar Renan na polêmica Operação Metis, que chegou a prender quatro policiais legislativos que estariam atrapalhando investigações da Lava-Jato. A ação causou novamente estremecimento das relações entre os Poderes. Mais uma vez, Teori mandou parar a investigação e remeteu o processo ao STF.
Nos últimos meses, Renan Calheiros virou o vilão do Judiciário e do Ministério Público, absorvendo para si o ódio de uma massa organizada, chegando a ser alvo nos últimos dias de protestos Brasil afora. Ao pautar o projeto de abuso de autoridade e instalar comissão para investigar os supersalários dos Poderes, Renan testemunhou a ira corporativa do Judiciário brasileiro, que viu como retaliação a atitude do senador em pautar o tema naquele momento. Após ser poupado pela Suprema Corte, Renan devolveu o agrado e retirou da pauta do Senado o projeto de lei que pune com mais rigor o crime de abuso de autoridade.
Terminada a tempestade, vem a calmaria. Após o caos, Renan continua como presidente do Senado. Salvo algum fato novo, deixará o cargo apenas no final de janeiro. No final das contas, o que mais se ouviu em Brasília no dia de ontem foi: “manda quem pode, desobedece quem tem juízes”. Réu e rei, Renan ganhou o cabo de guerra entre os poderes, ao menos temporariamente.
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