Imprensa pega leve com Geddel e usa eufemismos para corrupção

Imprensa pega leve com Geddel e usa eufemismos para corrupção

É como se o governo Temer fosse um bom seriado de TV e este escândalo apenas um capítulo triste que não compromete a temporada.

Imprensa pega leve com Geddel e usa eufemismos para corrupção

Depois de agradecer a “propaganda” do Roda Viva, Temer pediu para que os integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão, fizessem o mesmo tipo de publicidade positiva do governo, mas com um adendo:

“É preciso até uma certa ladainha; repetir várias vezes. Isso vai entrando no espírito e na alma, deixando as pessoas animadas. (…) A comunicação realmente é fundamental. Que os senhores se comuniquem pelo governo. [E que o façam] de uma forma positiva”

Coincidência ou não, as famílias co-irmãs que dominam a grande imprensa brasileira passaram a semana lançando mão de certas ladainhas para tratar do grave caso de tráfico de influência de Geddel, ministro da Secretaria de Governo.

Você já conhece a história. Marcelo Calero se afastou do ministério da Cultura por se sentir pressionado por Geddel para que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) liberasse a construção de um prédio em Salvador no qual o secretário de Governo é um feliz proprietário de um apartamento.

Não é novidade para ninguém que Geddel, um aliado de Cunha para todas as horas, costuma pressionar fortemente quem for preciso para satisfazer seus interesses. Em setembro, a Polícia Federal revelou mensagens de celular do empresário Lúcio Funaro, preso pela Lava Jato, que mostram uma “preocupação exacerbada” do ministro em relação a uma operação de R$ 330 milhões no fundo de investimento do FGTS. Em uma das mensagens, o empresário diz que Geddel “é boca de jacaré para receber e carneirinho para trabalhar e ainda reclamão”.

Esse modus operandi do ministro é bastante conhecido, mas, o que era para ser considerado como gota d’água, foi tratado por boa parte da imprensa como algo corriqueiro, trivial.

Como sempre, tudo foi publicado, nenhuma informação foi ocultada. Não se pode acusar ninguém de omissão. O diabo, entretanto, mora nos detalhes, nas capas de jornais, nas manchetes que viralizam nas redes sociais e nas opções semânticas escolhidas.

Vejamos como alguns dos principais veículos do país abordaram o escândalo:

A Folha optou pela uso da palavra “polêmica” para se referir a um grave caso de tráfico de influência que culminou com a saída de um ministro. É como se estivéssemos discutindo a marcação de um pênalti do último jogo do campeonato brasileiro.

Ainda assim, a Folha foi o veículo que melhor cobriu o escândalo de Geddel. Na quarta-feira, o jornal trouxe desdobramentos do caso ao informar que parentes de Geddel integravam a defesa do edifício barrado pelo Iphan – o que comprova que o padrão-snapchat de duração de notícias só vale para o nosso chanceler.

 

Para a Globo News, a tentativa de um ministro corromper o outro foi tratada como uma singela “saia justa”. “Não ficou bom” para Geddel. É como se estivéssemos diante de uma falta de etiqueta, e não de mais um grave desvio ético no vasto currículo do ministro. Parece até que Geddel colocou os cotovelos em cima da mesa no jantar oferecido por Temer.

No geral, a cobertura do grupo Globo tem sido crítica em relação ao caso, mas as manchetes e a escolha das palavras deixam claro que já não há mais aquele tesão, aquela garra contra a corrupção que havia antes do impeachment. No dia da denúncia, O Globo recorreu ao futuro do pretérito para nos informar que “Temer teria ficado ‘muito irritado’ com pressão de Geddel sobre Calero”. Nós podemos imaginar o quanto.

Gerson Camarotti publicou um texto relatando o apoio que Geddel recebeu de aliados que quase nos faz ter pena deste grande traficante de influência brasileiro. Algumas frases merecem destaque: “(Geddel) ficou com os olhos marejados”; “lembrou do pai, já falecido, e ficou com a voz embargada”; “segundo relatos, o ministro estava muito emotivo”. Nenhuma crítica, nenhuma ponderação. É um relato quase carinhoso.

No editorial de ontem, O Globo pediu a demissão de Geddel para não se repetir “o lulopetismo”. É como se os erros dos governos Lula e Dilma não estivessem sendo reproduzidos e intensificados no governo Temer. Mas, tudo bem, depois de muito carinho e passação de pano, finalmente tivemos um pedido de demissão. Parece mesmo que Geddel não conta com o prestígio de Serra nas organizações Globo.

E o Estadão? Bom, o Estadão nunca decepciona no seu neochapabranquismo:

Sim, a empresa da Família Mesquita achou por bem batizar um grave escândalo de corrupção de “episódio de Salvador” – um apelido fofo que mais tarde também seria adotado pelo O Globo. Esqueça os aumentativos de “mensalão” e “petrolão”. Esqueça os Escândalos das Ambulâncias e dos Anões do Orçamento (Geddel era um dos anões e também chorou à época). O nome escolhido para definir o tráfico de influência do ministro chorão é “episódio”. É como se o governo Temer fosse um bom seriado de TV e este escândalo apenas um episódio triste que não compromete a temporada.  

Com a imprensa tratando com tanto carinho um grave caso de corrupção, por que Michel Temer demitiria Geddel? “Não fica bom” demitir um ministro tão emotivo por causa de “uma saia justa”, de um mero “episódio”. Diante de tanta ladainha positiva, Temer, então, optou por manter o ministro no cargo e fazê-lo pedir perdão pelo vacilo. Aquela irritação no futuro do pretérito virou passado perfeito. Geddel só teve que ficar 15 minutos no cantinho do castigo até parar de chorar e pedir desculpa para os coleguinhas. O episódio, enfim, parecia chegar a um final feliz.

Com a manutenção de Geddel, você deve imaginar que o MBL está organizando aquele panelaço contra a corrupção, não é? Nada disso. Pauderney (DEM), aliado e padrinho político do MBL, é um grande amigo de Geddel. O líder do DEM reconheceu o “erro”, mas defendeu o jeitinho de ser do ministro:

“O ex-ministro Calero não está acostumado com o jeito de ser do ministro Geddel. Ele é uma pessoa que se exalta, mas ao mesmo tempo é uma pessoa amigável”

Pauderney afirmou também que o ministro cometeu uma “falha humana” ao levar ao governo federal um assunto “paroquial” e disse que “todos somos falíveis”. Pelas escolhas semânticas, parece que o líder do DEM está em perfeita sintonia com o noticiário. E o MBL, claro, não irá pagar com traição a quem sempre lhe deu a mão. Isso, sim, seria uma baita saia justa. Os meninos aliados do DEM e do PMDB seguem com suas panelas emudecidas.

Obviamente, a Comissão da Câmara que poderia investigar Geddel foi tomada pela tropa de choque do governo. A convocação para que o ministro desse explicações sobre o escândalo foi barrada por goleada. A turma de Geddel e Temer não vai gastar energia com mais essa “polêmica”. Há coisas mais importantes no horizonte, como o projeto que anistia todos aqueles que se lambuzaram com caixa 2 e que pode salvar o mandato de Temer no TSE.

No final da tarde de ontem, ficamos sabendo que Calero contou à Polícia Federal que também foi pressionado por Temer para liberar a construção do prédio. O ex-ministro gravou a conversa. Ao que parece, diferente do que nos foi informado, Temer ficou irritado não com Geddel, mas com Calero. Bom, se a Globo pediu a demissão do ministro por esse motivo, não temos dúvidas de que, por coerência, também pedirá a renúncia do presidente não-eleito.

Encerro a coluna com uma mini crônica da jornalista Milly Lacombe, que é uma síntese perfeita desse episódio brasileiro.

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