A cineasta mineira Petra Costa está acompanhando o julgamento da presidente Dilma Rousseff no Senado como parte do documentário Impeachment, uma das quatro produções documentais que estão sendo feitas sobre o processo de impeachment brasileiro. De dentro do Congresso Nacional, ela falou ao The Intercept Brasil ao telefone nesta segunda-feira, 29.
Durante a ligação, Petra teve cuidado redobrado para não fazer juízo de valor sobre os acontecimentos. O que a faz guardar a sete chaves sua opinião sobre o impeachment até o resultado final do filme foi a onda de matérias e notas acusando-a de fazer propaganda partidária em vez de um documentário.
Questionada sobre a possível mudança de opinião da população com os vereditos das próximas instâncias — como Supremo Tribunal Federal e tribunais internacionais — ou até com seu próprio trabalho e as informações que surgirão pós-julgamento, Costa preferiu permanecer reticente: “Isso, só o tempo dirá”. Ela justifica que não sabe ainda qual será o resultado final do filme e que está “em um momento de registro e não de formação de juízo de valores”.
Conhecida por Elena, Petra já recebeu inúmeros prêmios internacionais, como o de melhor curta-metragem no Festival Internacional de Documentário de Londres (LIDF) e o de melhor filme no Arlington International Film Festival, nos Estados Unidos. Na hora de falar sobre as acusações de falta de profissionalismo, não se contém: “Você vê a imaginação, aonde chega, a dos colunistas”.
THE INTERCEPT BRASIL: Durante o julgamento no Senado, estão sendo poucos os manifestantes do lado de fora do Congresso Nacional, se comparado com o dia da votação na Câmara. Você está acompanhando o dia a dia de perto, acha que a população se resignou?
PETRA COSTA: Acho que a população está se sentindo muito alienada do processo de decisão do futuro do país. Porque a decisão é toda feita no senado, e grande parte dos senadores já tomaram suas decisões.
É um julgamento que, pelo que se diz por aqui, pouco se escutam as testemunhas e, menos ainda, a população, nesse momento. Imagino que isso gera uma sensação de trauma e perplexidade em não poder estar participando da decisão de quem vai governar o país nesse momento.
TIB: Como assim, a população está alienada?
PC: A população normal não pode entrar nesse espaço, que é restrito. Tem formas muito remotas de se comunicar com os senadores, como e-mail e Facebook. E, mesmo assim, você não muda a opinião de um senador.
Até o processo na Câmara dos Deputados havia um engajamento maior, mas, depois disso, muitos perceberam que, não importava o que se gritasse, os rumos já estavam sendo decididos aqui de forma independente do que a população iria querer. E mesmo antes, quando começou o processo de impeachment.
A gente tem o costume de decidir os rumos do país no voto. Muitos nem foram às manifestações porque achavam que não tinha sentido.
TIB: Qual a principal diferença entre o clima de hoje e de um dia normal no Congresso?
COSTA: Está bem intenso o clima aqui dentro. Um clima de tensão, de energia forte. Está tudo muito lotado o tempo inteiro. Cheio de imprensa internacional e nacional, os políticos estão todos em um ritmo acelerado, chegando ao fim do julgamento histórico.
TIB: Existe uma pressão para acabar com o julgamento logo?
PC: Alguns falam que estão com pressa, mas não é o clima em geral.
“Nós somos um corpo estranho aqui dentro.”
TIB: E qual tem sido a recepção a vocês neste meio?
PC: Tem tido muito uma má interpretação sobre o nosso trabalho aqui dentro. Um desconhecimento e um estranhamento. Porque não é da prática do Senado ter documentaristas em seus corredores, mas sim a grande imprensa. Nós somos um corpo estranho aqui dentro. Acho que, se eles tivessem o costume de estar mais perto de documentaristas no dia a dia, não teria esse problema. Mas engraçado é eles assumirem que nós somos de um lado ou do outro. Isso acontece bastante.
Fico imaginando quando Robert Drew fez um clássico chamado Primary, em que ele acompanha as primárias do (John F.) Kenedy e de Hubert Humphrey, se a imprensa e os políticos daquela época achavam que ele era pró-Kenedy ou pró-Humphrey, ou ficavam fazendo indagações sobre isso. Acho que, naquele momento, eles percebiam que aquilo era um momento histórico importante. Não consigo entender por que aqui não se consegue ter essa percepção. Acho isso uma pena.
TIB: Qual foi essa reação da mídia que você mencionou?
PC: Saíram notas caluniosas sobre o nosso trabalho, falando que nós estaríamos alinhados com algum partido ou outro. E para a gente foi bem impressionante.
Falarem tanto no plenário quanto em coluna de jornal que a presidente só veio ao Senado por causa do meu filme e que ela ia chorar por causa do filme, que um senador começou a brigar por causa do filme, outro mudou de comportamento por causa do filme… É de um surrealismo…
Pensar que eles estão atuando para o documentário, como alguns colunistas estão certificando, descredita muito a pessoa que tem um senso de registro histórico, que é o documentário. Achar que podíamos estar aqui, eu dirigindo a presidente, a presidente chorar ou não na hora do seu discurso, é impressionante. Você vê a imaginação, aonde chega, a dos colunistas.
TIB:E não foram apenas jornalistas que fizeram essas acusações…
PC: Ontem mesmo, no Senado, eles falaram a palavra “documentário” umas cinco vezes. No meio de um processo de julgamento de uma presidenta, impressiona que senadores e a própria imprensa estejam tão consternados com a nossa presença aqui e falando disso com tanta frequência com um julgamento tão importante em jogo.
E pensar que, justamente a presidenta, levou 150 dias para eu conseguir entrevistá-la. Estou aqui desde março, para conseguir acesso a ela somente em julho. Eu sou a última preocupação que a presidente tem.
TIB: E com o presidente interino Michel Temer, você conseguiu agendar entrevista?
PC: Estou aqui há 180 dias e não tive nenhuma resposta do presidente sobre isso. Tampouco de outros senadores, como (José) Serra e Aécio (Neves). Pedimos entrevistas para muitos dos senadores. Tivemos muitas respostas positivas, já entrevistamos mais de 50 parlamentares de todos os lados.
(Esta entrevista foi editada para melhor compreensão do leitor.)
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