O texto abaixo foi publicado originalmente na newsletter Cartas Marcadas, enviada na terça-feira, 25 de novembro.
Na edição desta semana, não podemos falar de outra coisa que não a prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro após a tentativa de violação da tornozeleira eletrônica.
Como você já sabe, a avaliação enviada pela Polícia Federal ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, apontou risco concreto de fuga e levou à ordem de detenção imediata.
A decisão se baseou no entendimento de que Bolsonaro já não estava sob controle suficiente das medidas cautelares e que havia, sim, indícios de preparo para escapar.
Desde sábado, dediquei minhas horas a investigar quais poderiam ser os possíveis planos de fuga do ex-capitão. Não por especulação, mas porque essa pergunta passou a orientar também o trabalho da PF.
Que caminhos reais estavam ao alcance imediato de Bolsonaro? E que estruturas poderiam ser usadas em uma eventual tentativa de evasão? Vamos aos fatos.
O aeródromo da família Piquet
Durante o esforço de apuração desta reportagem, descobri que a própria Polícia Federal passou a reexaminar informações para tentar reconstruir o que poderia ter sido um plano de fuga. Entre essas pistas, estavam informações idênticas a de um relato que chegou até mim em agosto de 2025.
Na ocasião, uma moradora do condomínio de Bolsonaro, o Solar de Brasília, no bairro do Jardim Botânico, disse que vizinhos temiam que um aeródromo privativo da família Piquet, a menos de 200 metros do condomínio, fosse cogitado como peça de um plano de fuga.

À época, procurei integrantes da PF para tentar confirmar a possibilidade e ouvi, de uma fonte do departamento, um categórico: “Chance zero”. Como a hipótese realmente parecia esdrúxula, já que agentes da PF cervam a residência do ex-presidente, assunto morreu ali.
Com a prisão consumada e a suspeita de que a vigília bolsonarista na porta do condomínio pudesse servir para criar tumulto e atrasar uma ação policial para deter a fuga, a hipótese reapareceu na mesa.
Desta vez, não como fofoca de vizinhança, mas como elemento considerado pela própria PF. A mesma fonte do Departamento de Inteligência Policial, que antes havia negado a chance de uma fuga pela pista dos Piquet, confirmou que o aeródromo “entrou no radar” da corporação após o episódio da tornozeleira.
A PF, inclusive, estaria estudando diligências no local, levantamento de imagens e a eventual oitiva do proprietário, Geraldo Piquet Souto Maior, irmão de Nelson Piquet, tricampeão mundial da Fórmula 1 e aliado de primeira hora de Bolsonaro.
A pista de pouso e decolagem em questão, chamada simplesmente de Piquet, é registrada na Agência Nacional de Aviação Civil, a Anac, como aeródromo privado e localizado na borda do condomínio de Bolsonaro, imediatamente atrás da antiga Hípica Lago Sul, terreno que pertenceu à família Piquet até 2016.
Segundo documentos oficiais da ANAC e imagens de satélite consultadas pela reportagem, trata-se de uma pista asfaltada de 590 metros de comprimento por 18 metros de largura, com autorização para operação visual diurna e noturna, equipada com iluminação de borda e farol de aeródromo.

A pista é adequada para monomotores e bimotores leves, comuns na aviação executiva privada, e plenamente operacional para helicópteros, que independem de extensão para decolagem.
Para a fonte ouvida pela reportagem, a combinação da capacidade para aeronaves discretas, a operação regular e a proximidade inferior a 200 metros do condomínio tornam o aeródromo relevante em um cenário de possível evasão.
O responsável pela pista, Geraldo Piquet, mantém uma longa trajetória como piloto. Em entrevista publicada por uma revista especializada, ele conta que pilota “diferentes aeronaves”, inclusive jatos, e que sempre buscou “testar limites” para sentir a liberdade durante os voos.
As redes sociais de Geraldo reforçam essa identidade: vídeos mostram acrobacias sobre Brasília, voos de helicóptero e pousos e decolagens que parecem ocorrer na própria pista Piquet.
Esse repertório, somado ao histórico aeronáutico da família e à localização estratégica da pista em relação ao Solar de Brasília, explica o interesse renovado da PF em verificar a hipótese.
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Questionei Geraldo Piquet sobre a possibilidade de uso do aeródromo em um eventual plano de fuga e se ele havia sido procurado por autoridades policiais nas últimas horas. Até o momento, não houve resposta. Também pedi uma nota oficial à PF, mas não tive retorno.
A relação entre Bolsonaro e Nelson Piquet é digna de nota. A visita do ex-piloto ao ex-presidente durante a prisão domiciliar, em 5 de novembro, autorizada por Alexandre de Moraes, reforça a hipótese.
Nos últimos anos, Piquet foi um dos mais visíveis apoiadores de Bolsonaro, dirigindo o Rolls-Royce presidencial no 7 de Setembro e participando de manifestações públicas em sua defesa.
Por ora, não há qualquer prova de que Bolsonaro tenha utilizado o aeródromo ou de que alguma movimentação real tenha sido feita em direção à pista. A apuração busca esclarecer se a estrutura chegou a ser cogitada, mesmo que informalmente, como rota de fuga.
As próximas etapas podem incluir análise de imagens, varredura de registros, inspeção técnica da pista e a oitiva de Geraldo Piquet, caso haja avanço para diligências formais.
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