Vídeo que circula no WhatsApp convoca ações violentas do bolsonarismo

SAUDAÇOES PATRIÓTICAS

Vídeo que circula no WhatsApp convoca ações violentas do bolsonarismo

Cartas Marcadas

Parte 13

Cartas Marcadas é uma newsletter semanal que investiga a ascensão da extrema direita, as ameaças à democracia e os bastidores do poder em Brasília.


A condenação de Jair Bolsonaro marcou um momento histórico no país, mas também trouxe à tona sinais de tensão e violência política. Infelizmente, não podemos negá-los ou escondê-los.

A verdade é que o bolsonarismo, muitas vezes, pode até parecer patético: discursos exagerados, figuras mascaradas, mensagens teatrais. Mas foram pessoas aparentemente inofensivas que vimos no 8 de Janeiro e em tantos outros atos violentos nos últimos anos. Por isso, decidi não ignorar essa história.

O jornalismo, neste momento, precisa ir além da cobertura oficial. É preciso registrar e compreender movimentos que, se deixados de lado, podem se transformar em ações concretas — até porque, como vocês sabem, as redes sociais não só permitem como também favorecem a radicalização.

Falar sobre isso agora, portanto, é uma escolha consciente: acompanhar os sinais e dar à sociedade ferramentas para compreender os riscos de um momento decisivo para o Brasil.


‘Eu só compartilhei’

Na semana passada, publiquei um vídeo relatando uma série de ações violentas do bolsonarismo nos últimos anos e alertando para a possibilidade de novos episódios diante da iminente prisão de Jair Bolsonaro. A repercussão trouxe um comentário que me chamou atenção: uma pessoa dizia ter visto bolsonaristas convocando para atos violentos nas ruas.

A princípio, pensei se tratar de mais um boato. Mas havia algo na forma como a mensagem fora escrita que me fez sentir que aquilo não era apenas mais um rumor. Decidi investigar. Escrevi uma mensagem direta: “Oi, tudo bem? Vi seu comentário sobre uma pessoa convocando para luta armada. Sou jornalista do Intercept. Você tem um print disso?”

A resposta demorou algumas horas. Quando chegou, trouxe consigo uma pista: um print de um grupo de WhatsApp usado para compra e venda de produtos domésticos na cidade de Araçatuba, interior de São Paulo. O vídeo original com a convocação para luta armada, me explicou a pessoa, era grande demais para ser enviado pelo Instagram.

Após algum tempo, consegui que a pessoa me adicionasse no WhatsApp e me enviasse a gravação completa. Quando o vídeo apareceu na tela do meu celular, vi uma figura encapuzada surgir diante da câmera, vestida com roupas escuras e com a icônica máscara de Guy Fawkes, símbolo associado a movimentos de protesto, anonimato e ativismo digital.

Por baixo da máscara, era possível perceber óculos escuros, reforçando o cuidado em não revelar a identidade. A voz que saía dos alto-falantes não era a voz humana comum: estava distorcida, conferindo um tom metálico.

O narrador começou com um tom deliberadamente dramático, quase teatral: “Saudações, irmãos patriotas. Chegou a hora de lutar. O Brasil está sob ataque. Comunistas infiltraram-se em nossas instituições, corromperam o sistema e ameaçam nossa liberdade, nossa pátria e nosso futuro.”

O vídeo tinha, sim, um ar quase patético – mas, vale lembrar, eram conteúdos nessa linha que incitaram os ataques de 8 de Janeiro e outros atos violentos do bolsonarismo nos últimos anos. “Essa guerra não será vencida com manifestações pacíficas ou gritos nas redes sociais. Manifestações não funcionam mais. Redes sociais não derrubam governos.”

“No Nepal, meninas de 12 anos, desarmadas, enfrentaram comunistas nas ruas e venceram. E aqui no Brasil, o que vemos? Filas intermináveis para shows de artistas que não sabem quem somos”, seguia o narrador.

A menção ao Nepal não era aleatória. Redes bolsonaristas haviam compartilhado massivamente conteúdos sobre protestos violentos naquele país durante o julgamento de Jair Bolsonaro no STF. No dia 10 de setembro, os deputados Nikolas Ferreira e Gustavo Gayer publicaram vídeos relacionando o Brasil às manifestações nepalesas.

A consultoria Palver, que monitora mais de 100 mil grupos de WhatsApp, registrou um aumento de menções ao Nepal de 7 a cada 100 mil mensagens em 8 de setembro para 344 a cada 100 mil em 10 de setembro, coincidindo com a leitura do voto de Luiz Fux.

O vídeo também atacava símbolos da cultura popular e instituições brasileiras: “Milhares se aglomerando no carnaval, em festas que nada constroem para o futuro da nação. Enquanto isso, o Brasil definha. Não contem com o exército brasileiro. Ele não existe mais como força patriótica. Transformaram-se em melancias. Verdes por fora, vermelhos por dentro. A polícia federal? Corrompida. O judiciário? Vendido.”

A retórica culmina em um ultimato, que soa como um chamado de guerra: “Compartilhem esta mensagem, despertem os adormecidos, organizem-se. O Brasil clama por sua liberdade. Vamos lutar pelo tudo ou nada até a vitória. Pátria acima de tudo. Brasil acima de todos.”

Após assistir à gravação, decidi identificar quem havia compartilhado o vídeo no grupo de Araçatuba. Liguei para o número e gravei a conversa. O homem negou ser o autor, mas admitiu que havia compartilhado. Uma pesquisa em fontes abertas revelou que ele se apresenta como compositor, ligado ao cenário sertanejo da cidade. Não consegui confirmar detalhes da sua identidade.

O diálogo com ele foi curto, mas revelador. Perguntei se era ele quem falava. “Quem deseja?”, ele retrucou. “Aqui é o Paulo. Tudo bom?” respondi a ele. “Tudo bem”, ele disse, confirmando a própria identidade. “Meu amigo, o senhor tem um minutinho para falar?”, pedi.

“Cara, eu estou no serviço, não consigo atender agora, sobre o que seria?”, ele questionou. “É que eu recebi um vídeo que você andou mandando em uns grupos, aquele convocando o pessoal para a guerra. Queria saber se você tem mais informação”, indaguei.

“Não tenho, eu só compartilhei só”, ele disse. “Então você não pode me ajudar?”, lamentei. Ele respondeu: “Não”, e deu uma risada constrangida. “E você recebeu da onde aquilo ali?”, perguntei. Nessa hora, ele desligou abruptamente a ligação e me bloqueou no WhatsApp.

Em condições normais, o vídeo e o compositor não deveriam ser encarados com preocupação. Mas o contexto pede atenção. No dia em que começou o julgamento de Bolsonaro, no último dia 9 de setembro, um homem ateou fogo em mais de dez banheiros químicos próximos ao Museu da República, a poucos metros do STF.

No dia seguinte, outro indivíduo avançou contra a rampa principal do Palácio do Planalto, ignorando ordens de recuo e só sendo contido após balas de borracha disparadas pelo Exército.

Autoridades do Distrito Federal classificaram inicialmente os casos como atos de pessoas em situação de vulnerabilidade ou confusão mental. Mas a coincidência de datas e o clima nas redes bolsonaristas indicavam algo mais organizado.

A tensão se agravou com acontecimentos internacionais. Na noite do mesmo 10 de setembro, o ativista trumpista Charlie Kirk foi assassinado com um tiro no pescoço durante um evento universitário em Utah. Nikolas Ferreira publicou rapidamente em inglês, relacionando a morte a uma suposta perseguição global contra a extrema direita, elevando a temperatura emocional da base bolsonarista no Brasil.

O mínimo que se espera é que a Polícia Federal ou a nossa combalida Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, diante de sinais como esse, siga a trilha de quem conclama brasileiros à luta armada, identifique riscos concretos e impeça que retórica inflamável se transforme em ação real.

Não se trata apenas de mensagens radicais em grupos fechados; trata-se de um alerta sério sobre o potencial de mobilização violenta, em um país ainda marcado pelo julgamento histórico de Jair Bolsonaro e pelo voto de Luiz Fux, que funcionou como um verdadeiro “apito de cachorro” para setores radicais do bolsonarismo.

LEIA OUTRAS EDIÇÕES DE CARTAS MARCADAS:

2026 já começou, e as elites querem o caos.

A responsabilização dos golpistas aqui no Brasil foi elogiada no mundo todo como exemplo de defesa à Democracia.

Enquanto isso, a grande mídia bancada pelos mesmos financiadores do golpe tenta espalhar o caos e vender a pauta da anistia, juntamente com Tarcísio, Nikolas Ferreira, Hugo Motta e os engravatados da Faria Lima.

Aqui no Intercept, seguimos expondo os acordos ocultos do Congresso, as articulações dos aliados da família Bolsonaro com os EUA e o envolvimento das big techs nos ataques de Trump ao Brasil.

Os bastidores mostram: as próximas eleições prometem se tornar um novo ensaio golpista — investigar é a única opção!

Só conseguimos bater de frente com essa turma graças aos nossos membros, pessoas que doam em média R$ 35 todos os meses e fazem nosso jornalismo acontecer. Você será uma delas?

Torne-se um doador do Intercept Brasil hoje mesmo e faça parte de uma comunidade que não só informa, mas transforma.

DOE AGORA

Inscreva-se na newsletter para continuar lendo. É grátis!

Este não é um acesso pago e a adesão é gratuita

Já se inscreveu? Confirme seu endereço de e-mail para continuar lendo

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar