“Vocês estão preparados ou não estão? É para a guerra. Vocês estão indo para a maior guerra da história de vocês”. Foi assim que Alessandro Paschoal, bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, se referiu à situação política do Brasil em um curso preparatório para auxiliares de pastor, no final de março.
O Intercept Brasil teve acesso a documentos e vídeos que mostram que a maior igreja neopentecostal do país, que diz ter mais de 7 milhões de fiéis, já começou a mobilizar sua base para garantir mandatos aos seus candidatos nas eleições de 2026.
Os documentos trazem um raro registro de como funciona a máquina de votos da Universal, que começa a operar muito antes do período eleitoral, à margem de qualquer regulação, em uma estratégia que inclui relatórios sobre títulos de eleitores de fiéis, mensagens em grupos de WhatsApp em esquema de pirâmide, visitas domiciliares e muito pânico moral.
O uso da estrutura da igreja – como seus bilhões de reais e meios de comunicação – para fins eleitorais pode configurar abuso de poder econômico, explicou ao Intercept o advogado Fernando Neisser, professor de Direito Eleitoral da Fundação Getulio Vargas, FGV.
“Ideias políticas, em tese, não violam nenhuma lei. Um líder religioso que vá a eventos de campanha, suba no palanque de um candidato e diga que os fiéis de tal religião devem votar assim ou assado não viola a legislação”, diz Neisser. “Mas usar uma rede de pastores que recebem salário da igreja com uma missão de fazer campanha política pode configurar abuso de poder econômico”, pontua o advogado.
O conglomerado do bilionário Edir Macedo, o grande líder da Universal, visa aumentar seu poder político para impor pautas conservadoras e tentar impedir a vitória do PT. A igreja tem hoje um braço político que inclui, além de seus fiéis e religiosos, o partido Republicanos – que tem, entre seus expoentes, o governador de São Paulo e pré-candidato à presidência, Tarcísio de Freitas.
A articulação é organizada pelo Arimateia, grupo de formação política da Universal. O Intercept teve acesso a um dos documentos da coordenação do grupo, que tem um resumo das orientações políticas a serem repassadas a pastores e obreiros de todo o país.
O processo é complexo, organizado e envolve a estrutura de formação do grupo Arimateia e a capilaridade da igreja, que opera de cima para baixo encaminhando orientações que misturam o discurso religioso com o político aos pastores, obreiros – os ajudantes – e os fiéis.
Em um informe, a coordenação do grupo Arimateia chega a solicitar que pastores enviem relatórios sobre títulos de eleitor de fiéis novos ou regularizados.
A participação de cada uma das igrejas e dos fiéis nos programas apresentados pela Universal é contabilizada e cobrada pela coordenação, mostram prints de mensagens. Em uma reunião do Arimatéia no início de agosto, os pastores e obreiros foram avisados que deveriam lembrar os fiéis da igreja a regularizarem sua situação eleitoral.
Se o objetivo da igreja for apenas incentivar e orientar o eleitor onde e como votar, ou montar uma planilha com dados eleitorais da região, a prática não é ilegal, explicou o advogado Fernando Neisser, da FGV. “Mas se for para controlar, de alguma forma, saber se votaram, cobrar se votaram, aí é coação eleitoral. É um crime”, afirma.
“A justiça eleitoral costuma ver com maus olhos isso, porque sabe que muitas vezes envolve esquemas ilegais de compra de votos. Quem compra voto, muitas vezes quer listagem de título, para procurar na urna se teve o voto no candidato tal, ainda que não vá saber quem foi que deu o voto”, complementa o advogado.
Procurada, a Igreja Universal não respondeu aos questionamentos do Intercept.
Tarifaço virou ‘guerra espiritual’
O bilionário Edir Macedo, fundador da Universal, tem hoje sob os seus domínios um verdadeiro império: além da igreja, que segundo o IBGE tem 1,8 milhão de fiéis, é dono também da TV Record, o banco Digimais e mais de 120 outras empresas. E tem também o partido Republicanos, que conta com 44 deputados federais, quatro senadores e 433 prefeitos.
Agora, para ampliar seu poder político, a igreja tem intensificado as ações do grupo Arimateia para garantir a eleição dos candidatos que apoia – e uma das formas de fazer isso é enviando links com vídeos e entrevistas em podcasts com mensagens políticas.
Quem aparece nas mensagens é o coordenador nacional do Arimateia, bispo Alessandro Paschoal, responsável por preparar os fiéis da igreja para atuar na política. Ele tem experiência: além do grupo, também trabalha como chefe de gabinete do deputado estadual por São Paulo Gilmaci Santos, do Republicanos, também pastor da Universal.
Pelo cargo de assessor, Paschoal recebeu, em julho, salário bruto de R$ 34,7 mil da Assembléia Legislativa de São Paulo.
Nas mensagens enviadas aos fiéis, Paschoal mistura religião e política em um tom dramático, como se derrotar a esquerda fosse uma obrigação espiritual. Em um vídeo publicado em agosto, por exemplo, Paschoal chama a atenção dos “cristãos conservadores” para a possibilidade do tarifaço de Donald Trump, presidente dos EUA, dar a vitória para a esquerda no Brasil.
Ele compara a situação ao Canadá e México, onde, segundo o bispo, as eleições estavam “praticamente ganhas” pelos conservadores, mas a esquerda usou o tarifaço para “dar um up” na campanha e acabou vitoriosa.
“Há um mês atrás, estávamos tão seguros e tão próximos de ter uma virada em 2026, e que seria tão importante para o Brasil”, lamentou o bispo, convocando os fiéis a “tomar muito cuidado e orar muito”. “Nós estamos, além de uma guerra tarifária, além de uma guerra política aqui no Brasil, de lados, estamos vivendo uma guerra espiritual”, conclamou.
Vídeos como esse, e as demais orientações políticas da Universal, são encaminhados por Paschoal aos coordenadores regionais nos estados e depois repassadas aos pastores, até chegar aos ajudantes e fiéis, conforme detalhou ao Intercept um pastor da igreja, mantido no anonimato por ainda estar na ativa e temer represálias.
Segundo esse pastor, já estão em produção programas e entrevistas com líderes da Universal falando sobre política e, também, com candidatos a deputados estadual e federal apoiados pela igreja em todos os estados do país. Cada templo da Universal, então, se encarrega de distribuir aos fiéis links dessas entrevistas com os candidatos de sua região, de acordo com o religioso.
Nas orientações a pastores de Goiás, por exemplo, a coordenação local do grupo Arimateia informou que seriam feitas entrevistas com os religiosos Wellington Cardoso, pastor e membro da coordenação regional no estado e pré-candidato a deputado estadual, e Ricardo Quirino, pastor e atualmente deputado estadual pelo Republicanos, pré-candidato à Câmara Federal.
Pastores e obreiros da igreja no estado foram orientados ainda a copiar e imprimir o código QR de redes sociais dos pastores Cardoso e Quirino para repassar aos fiéis e pedir que eles passassem a seguir os dois religiosos.
Com a estrutura de produção de conteúdo montada, os pastores são obrigados a dar retorno para a coordenação do grupo Arimateia sobre o número de fiéis que acompanham cada programa de entrevista de líderes da igreja com discursos e mensagens políticas.
Templos maiores ficam com a obrigação de garantir a participação de 700 fiéis em cada programa, com o envio de perguntas e comentários. Já as igrejas menores devem garantir 300 fiéis cada uma. Na Universal, é comum que pastores sejam cobrados a cumprirem metas – e os que não cumprem podem ser punidos e enviados para igrejas menores.
Não fica claro, nas mensagens, se há algum outro incentivo para mobilizar os grupos.
Grupos de WhatsApp e visitas ‘de oração’ em casa
A Universal também está montando uma estrutura de grupos – presenciais e virtuais –, mostram os documentos obtidos pelo Intercept. Com o projeto “Me dê a mão”, os obreiros ajudantes de pastor, a mais baixa escala religiosa, são incentivados a criar grupos no WhatsApp com até 12 membros da igreja.
É como um esquema de pirâmide: cada um desses integrantes, depois, deve criar um novo grupo com mais 12 pessoas para enviar, inicialmente, orações, mensagens de fé e conforto espiritual, conforme relata Davi Vieira, que foi pastor da Universal entre 2003 e 2008 e atualmente mantém um canal crítico nas redes sociais sobre a igreja.
Os fiéis são orientados a convidar familiares, vizinhos e conhecidos, explica Vieira, que é sobrinho de dois bispos da Universal. Na sequência, ele afirma, são repassadas também informações, comentários políticos e áudios e vídeos vindos da coordenação do grupo Arimateia.
É aí que, próximo das eleições, o grupo se transforma, segundo Vieira. Com a confiança obtida junto a novos membros e simpatizantes, os obreiros e fiéis da igreja perguntam se as pessoas aceitam receber materiais de “uma pessoa que eu gosto e me ajuda muito”, afirma o ex-pastor. Essas pessoas que “ajudam muito” o obreiro são, segundo ele, os candidatos apoiados pela Universal.
Já no projeto “Núcleo no Lar”, de acordo com Vieira, a igreja leva obreiros de casa em casa para grupos de oração. Familiares, vizinhos e conhecidos dos fiéis são convidados.
“Usa-se o pretexto de levar orações, mas, lá nas residências, depois que vão aparecendo novos adeptos e todos já estão integrados, os obreiros, então, deixam os nomes e números dos candidatos apoiados pela igreja”, afirma o ex-pastor.
Universal ainda não escolheu quem apoiará para a presidência
Embora a igreja já tenha candidatos ao legislativo, os nomes de candidatos a presidente e governadores a serem apoiados ainda não estão definidos. Em agosto, no programa True Podcast, o bispo Alessandro Paschoal disse que “o candidato ‘nem nem’ [referência a Lula e Bolsonaro, que não devem ser apoiados] ainda não existe”.
Mas, segundo os recados enviados aos fiéis pelo bispo Paschoal em seus programas e também por outros políticos do Republicanos, o candidato a presidente escolhido será um atual governador.
Tarcísio de Freitas, de São Paulo, que também é do Republicanos, é quem aparece com mais chances; depois vêm Ratinho Junior, do PSD do Paraná, e Ronaldo Caiado, do União Brasil de Goiás. O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, do Novo, é visto como um nome com poucas chances eleitorais, segundo o assessor do Republicanos Guto Ferreira avaliou no podcast.
A Universal costuma deixar a decisão para a última hora e tende a apoiar, quase sempre, apenas candidatos que têm chances reais de vitória.
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Às vezes, pode dar uma guinada, como fez em 2018 ao abandonar no meio do caminho o seu então candidato Geraldo Alckmin, atual vice de Lula – ex-PSDB e hoje no PSB –, e embarcar na canoa de Jair Bolsonaro, então no PSL, às vésperas do primeiro turno, quando ele já demonstrava ser o favorito.
No passado, a Universal apoiou os governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff, entre 2003 e 2014; depois, o de Michel Temer, do MDB, que assumiu após o impeachment de Dilma. Em seguida, aderiu a Bolsonaro.
Agora, apesar de o Republicanos ter um ministério no governo petista – o ministro Sílvio Costa Filho, de Portos e Aeroportos –, e cargos no governo federal, a Universal, ao menos até o momento, não deve caminhar ao lado do PT. A igreja e os membros do partido alegam que a indicação de Costa Filho teria sido pessoal de Lula.
A Universal também já dava indícios de ter abandonado o aliado Bolsonaro desde o início de agosto, bem antes de começar o julgamento do ex-presidente da República, por meio da manifestação de seus líderes, optando por um novo nome no campo da direita.
No curso destinado a obreiros da igreja, Paschoal disse não se sentir feliz ao ver “um cara sair de dentro do presídio e assumir a presidência do Brasil”, referindo-se a Lula. E criticou também seguidores de Jair Bolsonaro responsabilizando-os pelo quebra-quebra e a tentativa de golpe no 8 de Janeiro, em Brasília, e dizendo que “a Bíblia não ensina ninguém a invadir lugar público”.
Em ao menos duas oportunidades, o bispo insinuou que o irmão de Lula, o metalúrgico e ex-sindicalista Frei Chico, estaria envolvido no esquema de descontos ilegais de segurados do INSS. Bolsonaro foi criticado ainda pela maneira como conduziu a pandemia do coronavírus no Brasil e por ações que teriam beneficiado seus filhos na vida política.
2026 já começou, e as elites querem o caos.
A responsabilização dos golpistas aqui no Brasil foi elogiada no mundo todo como exemplo de defesa à Democracia.
Enquanto isso, a grande mídia bancada pelos mesmos financiadores do golpe tenta espalhar o caos e vender a pauta da anistia, juntamente com Tarcísio, Nikolas Ferreira, Hugo Motta e os engravatados da Faria Lima.
Aqui no Intercept, seguimos expondo os acordos ocultos do Congresso, as articulações dos aliados da família Bolsonaro com os EUA e o envolvimento das big techs nos ataques de Trump ao Brasil.
Os bastidores mostram: as próximas eleições prometem se tornar um novo ensaio golpista — investigar é a única opção!
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