O texto abaixo foi publicado originalmente na newsletter Cartas Marcadas, enviada na última terça-feira, 15.
Estou empolgado: nas duas primeiras edições de Cartas Marcadas, o retorno foi enorme. Na estreia, mostramos que Nikolas Ferreira gastou R$ 750 mil em anúncios na Meta e fizemos ele se explicar gaguejando no Instagram. Teve até um político mineiro que anunciou pedido de apuração oficial do caso.
Na semana seguinte, foram milhões de visualizações no vídeo do presidente do Republicanos comendo bife folhado a ouro nos EUA. Também revelamos os gastos exorbitantes de Hugo Motta com passagens, e o caso fez toda a imprensa correr atrás.
Teve até um veículo que nos “furou” de madrugada, depois de pegar a pista que soltamos à noite, em um teaser nas redes sociais. Está disposto a colocar os políticos, a mídia e os órgãos de controle para trabalhar outra vez?
O assunto agora é ainda mais sério: a democracia brasileira está sob ataque internacional, em especial dos Estados Unidos. O fato é que a tal tarifa de 50% imposta por Donald Trump não veio do nada. Ela é fruto de uma mobilização transnacional bastante custosa.
Na edição desta terça, conto uma história que tenta responder à pergunta: quanto dinheiro público está financiando essa conspiração?
O Partido Liberal, legenda que abriga o ex-presidente Jair Bolsonaro, pagou R$ 600 mil em dinheiro público ao escritório do advogado Sérgio Henrique Cabral Sant’Ana, sócio do deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro, do PL de São Paulo.
Os pagamentos, documentados em notas fiscais, transferências bancárias e relatórios de atividades, ocorreram ao longo de 2024. Foram cinco parcelas de R$ 80 mil, uma de R$ 160 mil e uma final de R$ 40 mil, todas com recursos do fundo partidário, o famoso “fundão”.
Sant’Ana recebeu os pagamentos por meio de uma sociedade individual de advocacia que compartilha endereço, telefone e domínios digitais com o Instituto Conservador-Liberal, associação fundada por ele em conjunto com Eduardo Bolsonaro.
Nos documentos obtidos por Cartas Marcadas, o PL indica que Sant’Ana teria prestado serviços de “assessoria jurídica” à bancada do partido na CPMI do 8 de Janeiro, à Liderança da Oposição e às comissões parlamentares de Constituição e Justiça e de Educação.
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Segundo os registros protocolados pelo partido na Justiça Eleitoral, ele teria produzido pareceres sobre projetos como o PL do aborto e alterações na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
No mesmo período em que recebeu os pagamentos, Sant’Ana se envolveu diretamente com articulações internacionais da extrema direita, viajando para países como a Espanha e, claro, os Estados Unidos. A atuação lhe rendeu o apelido de “chanceler do bolsonarismo”.
Também enquanto ganhava R$ 50 mil mensais do PL – salário maior até que de Jair e Michelle Bolsonaro na sigla –, Sant’Ana esteve à frente da organização de mais um CPAC, a conferência global da extrema direita. As edições brasileiras são produzidas pelo Instituto Conservador-Liberal, entidade da qual é sócio ao lado de Eduardo Bolsonaro.
Durante os preparativos para a edição de 2024 do evento, que ocorreu em Balneário Camboriú, em Santa Catarina, Sant’Ana percorreu o país registrando encontros com políticos e celebridades da extrema direita, sempre associado à promoção do CPAC.
Pedi ao PL que me fornecesse a íntegra dos relatórios e pareceres produzidos por Sant’Ana, que justificariam os R$ 600 mil gastos com o sócio de Eduardo Bolsonaro. Até o momento, não houve resposta.
Em 2023, o PL já havia injetado dinheiro no CPAC. A fundação do partido, mantida com verba pública, financiou todos os ingressos do evento. Na época, foi o próprio Sant’Ana quem explicou: “A missão da fundação do PL é difundir os valores conservadores. A parceria com o CPAC faz todo sentido”.
Os pagamentos a Sant’Ana refletem o apoio da máquina partidária às articulações de Eduardo Bolsonaro no exterior. Foi ao lado do advogado que o filho do ex-presidente, por exemplo, visitou a Heritage Foundation, think tank ultraconservador norte-americano.
No início deste mês, como resultado do que é uma articulação construída há anos, e na qual Sant’Ana teve papel-chave, o deputado licenciado agradeceu a Donald Trump por impor uma tarifa de 50% contra produtos brasileiros.
Talvez você tenha lido que, na semana passada, o Tribunal de Contas da União acolheu um pedido para investigar o uso indevido de recursos públicos por Eduardo Bolsonaro nos EUA. Mas a verdade é que o caso deve ser arquivado, já que uma resolução do tribunal estabelece valor mínimo de R$ 120 mil para abertura de processos formais, e o gasto em questão gira em torno de R$ 5 mil.
Quem sabe, no entanto, essa edição Cartas Marcadas chegue onde precisa chegar. Para isso, conto com sua ajuda: divulgue o máximo que puder. Com o apoio de vocês, temos incomodado bastante gente às terças-feiras. Tenho certeza que agora não será diferente.
A cronologia da conspiração
Se você (e até o TCU) quiser entender o pano de fundo da reportagem que abrimos nesta edição — sobre os R$ 600 mil pagos pelo PL ao “chanceler” de Eduardo Bolsonaro — vale ler essa matéria da Deutsche Welle. O texto detalha como o bolsonarismo deixou de emular o trumpismo para se institucionalizar como um braço dele no Brasil.
A reportagem mostra que desde a eleição de Trump, em 2016, Bolsonaro, seus filhos e aliados como Sérgio Sant’Ana vêm construindo uma aliança transnacional com a extrema direita americana — ideológica, operacional e agora, como vemos, também financeira. O CPAC, evento organizado por Sant’Ana e Eduardo, é uma peça central da engrenagem.
A origem da conspiração
Essa reportagem aqui, que saiu no Intercept Brasil assinada pelo Carlos Tautz, em abril de 2025, mostra como a influência dos EUA sobre o Brasil vem de longe — e sempre foi política.
Com base em arquivos da CIA e do SNI, o historiador Rodrigo de Sá Netto revela como missionários evangélicos foram usados pelos EUA, durante a Guerra Fria, para formar uma frente religiosa anticomunista no Brasil. O bolsonarismo é herdeiro direto dessa aliança. A teologia da prosperidade e os CPACs de hoje são a continuação da guerra ideológica de ontem.
Como eu disse, tenho recebido muitas respostas a essa newsletters. Elogios, críticas e, principalmente, boas dicas de investigação. Infelizmente, não consegui responder todas elas. Mas li atentamente a cada uma e ficarei muito feliz se vocês seguirem enviando. Podem ter certeza: isso faz toda a diferença.
É isso. Nos vemos na terça-feira que vem?
O seu futuro está sendo decidido longe dos palanques.
Enquanto Nikolas, Gayers, Michelles e Damares ensaiam seus discursos, quem realmente move o jogo político atua nas sombras: bilionários, ruralistas e líderes religiosos que usam a fé como moeda de troca para retomar ao poder em 2026.
Essas articulações não ganham manchete na grande mídia. Mas o Intercept está lá, expondo as alianças entre religião, dinheiro e autoritarismo — com coragem, independência e provas.
É por isso que sofremos processos da Universal e ataques da extrema direita.
E é por isso que não podemos parar.
Nosso jornalismo é sustentado por quem acredita que informação é poder.
Se o Intercept não abrir as cortinas, quem irá? É hora de #ApoiarEAgir para frear o avanço da extrema direita.