Pastor evangélico que defende a escravidão cancela vinda ao Brasil após denúncia do Intercept

Pastor evangélico que defende a escravidão cancela vinda ao Brasil após denúncia do Intercept

Congresso evangélico desiste de trazer o americano; Douglas Wilson diz que acusações são falsas e que 'honra' ser um 'pária global'.

Pastor evangélico que defende a escravidão cancela vinda ao Brasil após denúncia do Intercept

O pastor evangélico americano Douglas Wilson, líder da Igreja de Cristo e defensor de grupos supremacistas, teve sua participação cancelada no congresso Consciência Cristã, que acontecerá no feriado de Carnaval em Campina Grande, na Paraíba. A mudança de planos aconteceu após o teólogo Ronilso Pacheco mostrar no Intercept Brasil mostrar como o calvinista usa a Bíblia para apoiar a escravidão.

A notícia do cancelamento foi publicada pela associação conservadora Visão Nacional para a Consciência Cristã, organizadora do congresso, na noite de quarta, 17 de janeiro. Em uma nota de esclarecimento, Euder Faber, presidente da Visão Nacional para a Consciência Cristã e pastor da igreja O Brasil Para Cristo, afirma que a organização decidiu cancelar a participação de Wilson após “polêmicas levantadas por interpretações de falas sobre o tema sensível da escravidão”. 

Faber diz que o cancelamento acontece porque, com a repercussão da presença de Wilson, poderia haver “incitação de crime de ódio e uma escalada de violência física”. Se queixou do fato de Wilson não ter tido espaço para se defender, afirma que repudia qualquer violação aos direitos humanos e diz tomará as “providências judiciais cabíveis”.

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Segundo apontou Ronilso Pacheco, o pastor americano Wilson trabalhou pelo revisionismo histórico sobre o legado “positivo” da escravidão e sustenta a visão de que, se o sistema escravista do sul dos Estados Unidos tivesse sido fiel aos princípios bíblicos, teria funcionado harmoniosamente. Wilson também diz que a abolição impediu que africanos escravizados fossem para lugares como o estado da Virgínia, no sudeste dos Estados Unidos, onde poderiam encontrar “mestres piedosos”.

Wilson descende de uma geração de teólogos ultraconservadores que na década de 1960 revisitaram o pensamento calvinista como uma reação contra o movimento de direitos civis nos Estados Unidos. Era a época do discurso “Eu tenho um sonho”, de Martin Luther King Jr, e questões sociais ebuliam no país. Com esse pano de fundo, Wilson trabalhou seu revisionismo em questões consolidadas e fartas em documentação: ele chegou a defender que escravizados se alimentavam melhor do que americanos fazem hoje em dia, e os maus tratos, humilhações e torturas sofridos “foram raros e pouco frequentes”.

Wilson também é um defensor ferrenho de Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos, e sua participação no congresso Consciência Cristã aconteceria durante a corrida eleitoral das primárias norte-americanas, da qual Donald Trump não apenas é um participante, mas o principal candidato à nomeação pelo partido Republicano.

Ainda ontem, Wilson também se manifestou publicamente em uma carta aberta em seu blog. O conteúdo foi traduzido no site da editora que publica seus livros no Brasil. Ele diz que “um artigo de jornal foi publicado por um ativista de esquerda chamado Ronilso Pacheco”, que ele foi acusado de “racismo e de defender a escravidão” e que o artigo “teve alguma repercussão e deu início a um certo tumulto”. Wilson desconsidera que o autor do artigo, Ronilso Pacheco, é também pastor, autor de livros sobre o tema da religião e raça, e é mestrando em teologia na Universidade de Columbia, em Nova York. Para o calvinista, as acusações são falsas.

O pastor americano também disse que, no lugar da escravidão, há hoje uma revolução sexual e que quem o acusa não sabe distinguir o que é um menino ou uma menina, repetindo a ladainha de ideologia de gênero da extrema-direita, e não sabem “distinguir a raça humana”. Escreveu, ainda, que os esquerdistas, inclusive do Brasil, são os futuros escravizadores – tudo com um verniz bíblico – e que os “seguidores de Cristo” precisam entender a estratégia e se levantar para defendê-lo, para que outros cristãos os defendam quando chegar a vez deles de serem atacados.

Wilson, no entanto, não usou seu texto para ser enfático contra sistemas escravagistas e não apontou qual seria a “declaração difamatória” de Ronilso Pacheco. Ele termina sua carta dizendo que está alegre com a coluna do Intercept, porque o texto lhe deu “a oportunidade de proclamar o evangelho da livre graça”. “Logrei a honra de me tornar uma espécie de pária global”, ele escreveu.

Em seu comentário sobre o cancelamento da participação de Wilson no congresso evangélico, Ronilso criticou a postura dos organizadores: “Os organizadores da Consciência Cristã desconvidaram um defensor da escravidão com uma nota que praticamente pede desculpas a ele pelo Brasil não ser um país maduro o bastante para receber alguém que defende a escravidão só porque ele defende a escravidão”, escreveu em seu perfil no Twitter.

Questionada sobre um posicionamento, a Visão Nacional para a Consciência Cristã afirmou que sua resposta se limita ao seu posicionamento já publicado.

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