Graças a uma lei sancionada pelo presidente Lula na última terça-feira, as mulheres agora têm o direito de levar um acompanhante para exames, consultas e demais procedimentos médicos. Antes, o direito se restringia apenas ao processo de parto. A lei foi motivada por casos de violência sexual cometidos contra pacientes em serviços de saúde, como o estupro de uma mulher durante o parto que chocou o Brasil em 2022. Mas há um perigo nas entrelinhas.
Também graças à nova lei, as gestantes devem enfrentar dificuldades para escolher seus próprios acompanhantes durante cesáreas, ou mesmo partos normais que ocorram em centros cirúrgicos – um flagrante retrocesso em relação à legislação previamente em vigor, que garantia o direito a um acompanhante escolhido pela mulher no parto e pós-parto sem restrições.
O risco vem do parágrafo quarto da Lei 14.737. Ele estabelece que, no caso de atendimentos em centro cirúrgico com “restrições relacionadas à segurança ou à saúde dos pacientes”, somente profissionais de saúde serão aceitos como acompanhantes. Basta uma justificativa do médico para negar que uma gestante submetida à cesárea leve uma pessoa de sua escolha para acompanhar o parto.
Se não estivéssemos no país em que a episiotomia ocorre em 56% dos partos e onde 45% das gestantes atendidas no SUS relatam sofrerem maus tratos ao parir, a restrição talvez não precisasse ser lida com tamanha preocupação.
Poderia-se, quem sabe, confiar que os médicos somente barrariam os acompanhantes em casos de gravidade tal que a presença de um terceiro no centro cirúrgico de fato prejudicasse o andamento dos procedimentos necessários à proteção da mulher e de seu filho.
Mas este é o Brasil dos médicos que negam categoricamente a existência da violência obstétrica, chegando ao ponto de caracterizar o termo como uma forma de agressão à sua categoria profissional. É o Brasil dos conselhos de medicina que atuam há anos para impedir doulas e acompanhantes nos nascimentos e banir os planos de parto.
É o Brasil que viu, ano passado, o então secretário de Atenção Primária do Ministério da Saúde incentivar abertamente o uso de técnicas violentas no parto durante o lançamento da nova caderneta da gestante – que normalizava ainda a episiotomia e foi felizmente revogada na gestão de Nísia Trindade.
A relação de confiança entre obstetras e parturientes foi quebrada. Resultado óbvio de um país contaminado pela violência obstétrica e pela soberba de um Conselho Federal de Medicina – tomado por bolsonaristas, diga-se de passagem – mais preocupado em manter a reputação dos profissionais que deveria fiscalizar do que em fiscalizá-los.
Num contexto em que o parto se torna cenário de horror para muitas mulheres e abusos são cometidos às sombras, não pode bastar a palavra de um médico para impedir acompanhantes de gestantes em centros cirúrgicos. Especialmente se, até aqui, a Lei do Acompanhante não previa essa brecha.
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Médicos, entendam: não cabe às pacientes respeitarem automaticamente sua autoridade e conhecimento. Cabe a vocês conquistarem a confiança das mulheres, o que não vai acontecer sem o reconhecimento da violência obstétrica e ações concretas da categoria médica para lutar contra ela, como a eliminação de procedimentos já amplamente reconhecidos como ultrapassados e abusivos.
E, a todos que se preocupam com o direito de um parir e de um nascer com respeito à autonomia e à integridade física e mental das gestantes e de seus bebês, cabe a missão de acompanhar atentamente possíveis arroubos autoritários nas justificativas para afastar as pessoas de confiança das mulheres – e quaisquer abusos que aconteçam em decorrência disso.
Em tempo: há ainda outra restrição digna de menção na lei sancionada por Lula esta semana. Os acompanhantes precisam ser maiores de idade. Ou seja, muitas adolescentes grávidas – e, por conta de uma educação sexual capenga, ainda as temos aos montes – não poderão ser acompanhadas pelos pais de seus bebês, ainda que o desejem. Mais um passo atrás.
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