Descobrimos o preço da Embrapa para Nestlé, Bayer e empresários do agro na COP30: R$ 18 milhões

Descobrimos o preço da Embrapa para Nestlé, Bayer e empresários do agro na COP30: R$ 18 milhões

Somente a CNA, entidade vinculada à bancada ruralista no Congresso, deu quatro vezes mais do que os dados públicos apontavam. Patrocínios foram questionados por ONGs e ambientalistas por conflito de interesse.

Descobrimos o preço da Embrapa para Nestlé, Bayer e empresários do agro na COP30: R$ 18 milhões

COP30 sem filtro

Parte 12

Primeira cúpula do clima na Amazônia, a COP30 deveria ser um espaço de discussão de soluções e metas para enfrentar a crise climática. Mas ela pode virar palanque de quem quer lucrar mais enquanto destrói o planeta. Nossa cobertura mostra os interesses corportativos e políticos por trás do discurso de sustentabilidade promovido durante a COP30.


A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, A Embrapa, principal referência em pesquisa agropecuária no país e sustentada majoritariamente por recursos públicos, recebeu ao menos R$ 17,8 milhões em patrocínios para atividades ligadas à COP30. Entre elas, está a Agrizone, pavilhão controverso liderado pela Embrapa para promover o agronegócio brasileiro — um dos maiores emissores de gases de efeito estufa do país — como sustentável e até como solução para a crise climática durante a cúpula.

Documentos obtidos pelo Intercept Brasil, por meio da Lei de Acesso à Informação, a LAI, revelam o quanto empresas como a fabricante de pesticidas Bayer, a multinacional suíça de alimentos Nestlé e a gigante automotiva Toyota, por meio da Fundação Toyota do Brasil, pagaram para ter a marca vinculada às ações da Embrapa para a cúpula do clima da ONU ao longo de 2025. Também descobrimos o quanto a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, a CNA, vinculada à Bancada Ruralista no Congresso Nacional, aportou.

A parceria de grandes organizações do agro, fabricantes de agrotóxicos, montadora e empresas de alimentos ultraprocessados com a Embrapa, no escopo da COP30 e da Agrizone, foi questionada por ambientalistas e ONGs por conflito de interesses, e denunciada como estratégia de greenwashing, a maquiagem verde de práticas ambientalmente danosas. 

Agrizone, uma das ações da Embrapa na COP30, teve patrocínio de 15 organizações e empresas, e foi bastante criticada por ambientalistas como uma “maquiagem verde” do agro. (Foto: Wenderson Araujo/Trilux)

A Articulação Nacional de Agroecologia, o Movimento dos Pequenos Agricultores e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, o MST, se posicionaram contra esses patrocínios, criticando a aliança da Embrapa com setores responsáveis pela crise climática e a captura corporativa da agenda climática. Apesar disso, ruralistas planejam exportar o modelo da Agrizone para as próximas COPs, como a COP31, marcada para acontecer na Turquia no próximo ano. 

Isso, na visão das entidades e de especialistas consultados pelo Intercept, pode reforçar a imagem do agronegócio como solução para a crise climática, enquanto as grandes corporações do setor não mudam seus modelos de produção e permanecem contribuindo para poluir o planeta e emitir mais gases do efeito estufa.

Não há impeditivo legal para as Embrapa receber esses patrocínios. Ainda assim, os valores envolvidos chamam atenção por representarem uma fatia relevante do orçamento da empresa, que para 2025 é de R$ 364 milhões — o que levanta questionamentos sobre o grau de influência dos patrocinadores privados sobre as prioridades da instituição.

As ações da Embrapa para a COP30 se concentraram na iniciativa Jornada pelo Clima, lançada em maio deste ano, que incluiu a realização de sete eventos por todos os biomas brasileiros e a produção de um documento entregue à presidência da cúpula, a partir dos debates dessa jornada.

As ações da empresa pública também envolveram atividades de comunicação, como a realização de viagens com jornalistas nacionais e internacionais, espaços em feiras agropecuárias e a instalação da Agrizone. 

A Embrapa lançou dois lotes de patrocínio, com cotas para financiar a Agrizone, os eventos regionais, estandes em feiras agropecuárias, a produção de um livro, além de divulgações em um site e nas redes sociais. No primeiro lote, os valores variaram entre R$ 2,5 milhões para patrocínio master e R$ 50 mil para a cota chamada “bioma local”. No segundo, as cotas iam de R$ 300 mil a R$ 900 mil. 

As empresas precisavam responder a um formulário de manifestação de interesse com os valores que desejavam aportar. O Intercept teve acesso às respostas deste formulário, que culminaram na celebração de contratos de patrocínio à Jornada pelo Clima. Apesar de divulgar a marca de 15 patrocinadores no site da iniciativa, a Embrapa só disponibilizou dados sobre oito deles no documento que nos enviou.

O maior financiador das ações da entidade – e, consequentemente, da Agrizone – foi o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural, o Senar, entidade administrada pela CNA. O Senar adquiriu quatro cotas de patrocínio master, totalizando R$ 10 milhões, quatro vezes mais do que o valor que estava público até então. 

A cota master também foi comprada pela Organização das Cooperativas Brasileiras, a OCB, que pagou R$ 2,5 milhões. Já a Bayer e a Nestlé, que nos documentos aparecem como cota master, mas no site como diamante, fizeram negociações diretas com a Embrapa, em condição distinta da manifestação de interesse, de acordo com a resposta obtida via LAI, e desembolsaram R$ 1 milhão e R$ 1,5 milhão, respectivamente. 

Patrocinadores tinham marcas estampadas em diversos pontos do espaço. Alguns deles também tinham direito a salas para negociação e cota de participação de eventos dentro da Agrizone. (Foto: Wenderson Araujo/Trilux)

Na cota diamante, cujo valor poderia chegar a até R$ 1 milhão, a Fundação Toyota do Brasil pagou o valor máximo, enquanto a empresa OCP Fertilizantes aportou R$ 300 mil. A OCP aparece como cota diamante nos documentos, mas como patrocínio vitrine no site. O Ministério da Pesca e Aquicultura, que também foi patrocinador, aparece na cota ouro nos documentos, mas na cota biomas no site, e destinou R$ 500 mil. Por fim, o documento ainda revela o valor patrocinado pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura, o IICA: uma cota diamante no valor de R$ 1,078 milhão – cerca de R$ 78 mil a mais do que o previsto para essa modalidade.

As informações sobre os patrocínios foram solicitadas pelo Intercept por meio de pedidos com base na LAI em julho deste ano, mas a Embrapa negou os dados, inicialmente, alegando que não conseguia abrir o link do próprio formulário criado pela entidade. Depois, afirmou que parte das informações já estava pública, mas a divulgação de valores e condições de negociação se enquadraria “como informação restrita por se tratarem de dados contratuais sensíveis”.

De acordo com o órgão, na ocasião, a exposição dessas informações “poderia afetar as negociações da Embrapa com futuros parceiros e prejudicar os interesses” em novas captações para esta ou outras iniciativas de parcerias, incluindo projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação.

Os dados referentes às cotas aderidas pelas empresas só foram disponibilizados no fim de novembro, após decisão da Controladoria-Geral da União, a CGU.

De acordo com o site da jornada, também patrocinaram a Embrapa nas suas ações para a COP30: Fundação Gates, Tereos, UPL, Caixa,  Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, MDS; Morfo e Tropoc. Os valores pagos por elas, entretanto, não foram divulgados. 

Em nota, a Embrapa alegou que é uma empresa pública “dedicada ao desenvolvimento da ciência agropecuária e ao atendimento, de forma ampla e inclusiva, de todos os segmentos da agricultura do país”. A empresa, entretanto, não informou o valor exato desembolsado por cada patrocinador, tampouco o que foi apresentado pelas patrocinadoras para comprovar compromisso com a sustentabilidade.

Em posicionamento publicado em seu site, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária afirma que “é equivocada a afirmação de que a Agrizone foi construída para expor soluções do agronegócio na COP30”, assim como a acusação de práticas de greenwashing.

A instituição também alega que os patrocinadores foram selecionados por meio de um processo público e democrático, no qual as empresas candidatas foram avaliadas com base em critérios como atuação em iniciativas voltadas à sustentabilidade dos sistemas de produção, histórico de parcerias com a Embrapa e alinhamento aos princípios e objetivos da cúpula.

Critérios seguem indisponíveis 

Para se habilitar como patrocinadoras das ações da Embrapa relacionadas à cúpula, de fato, as empresas precisavam preencher requisitos relacionados ao alinhamento com os objetivos da COP30, às diretrizes da Embrapa e ao compromisso com a sustentabilidade, de acordo com o site da Jornada pelo Clima.

Para tanto, deveriam responder no formulário de manifestação de interesse de patrocínio como as ações da instituição contribuem para os objetivos da COP30 e demonstrar “o compromisso da entidade com práticas ambientais responsáveis e a construção de um futuro mais sustentável”. De acordo com a determinação da CGU, essas respostas também deveriam ter sido tornadas públicas, mas não foram. O Intercept reiterou isso no processo e denunciou a falta de informações à CGU.

Agrizone não fazia parte dos espaços oficiais da COP30, mas estava próxima aos espaços de negociação da cúpula, na Blue Zone. (Foto: Site da Embrapa)

Por meio da LAI, o Intercept teve acesso à minuta contratual utilizada como base inicial para negociação das parcerias referentes aos patrocínios. No documento, a Embrapa garantia ao patrocinador, além de visibilidade, ganhos de imagem ao se associar com empresas “compromissadas com as transformações necessárias para lidar e diminuir os impactos negativos das mudanças do clima”.

Patrocinadores master, como o Senar e o Sistema OCB tinham direito, por exemplo, à realização de um evento técnico-institucional próprio, “salas especiais para ações negociais e similares” dentro da Agrizone e participação de um dirigente na série de eventos “Diálogos pelo Clima”, que rodou por sete cidades em todos os biomas brasileiros. 

Eles também poderiam indicar três convidados para participar de cada um desses eventos. A categoria diamante, da qual fez parte a Toyota, a Nestlé e a Bayer, também dava direito a salas negociais dentro da Agrizone e realização de evento próprio lá. 

A OCB esteve presente em três eventos na programação oficial da Agrizone. A Toyota e a Bayer, em dois. A Nestlé esteve em um. 

A Agrizone foi apresentada durante a COP30 como uma “vitrine de inovação, ciência e cooperação internacional” e esteve aberta durante os dias de realização da cúpula, de 10 a 21 de novembro, a menos de dois quilômetros das áreas oficiais da conferência, a Blue Zone e a Green Zone. 

O local de instalação do pavilhão também era estratégico, como mostrou a InfoAmazonia, já que estava em frente ao espaço da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, a FAO. 

Segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária — órgão ao qual a Embrapa é vinculada e que transferiu seu escritório para a Agrizone durante a COP30 —, o objetivo do espaço era “apresentar como o agro brasileiro é parte da solução climática global”, por meio da exposição de políticas públicas, tecnologias e modelos produtivos supostamente sustentáveis que uniriam produção, conservação ambiental e inclusão social.

O agro levou ao espaço conceitos como “agricultura regenerativa” e “pecuária de baixo carbono”, termos utilizados pelo setor para tentar influenciar as negociações climáticas e considerados por ativistas e ONGs ambientalistas como propaganda sustentável enganosa. 

CNA, por meio do Senar, levou à Agrizone conceitos como o de “agricultura de precisão”, que inclui o uso de drones para pulverização aérea de agrotóxicos, método que tem sido denunciado por comunidades tradicionais pelos impactos nas pessoas e no meio ambiente.(Foto: Wenderson Araujo/Trilux)

A agricultura regenerativa, por exemplo, foi tema de pelo menos 27 painéis dentro da Agrizone, como mostrou o site DeSmog, embora o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o IPCC, órgão científico da ONU, a considere uma abordagem sem definição universal aceita e que sua capacidade real de mitigar as emissões de gases do efeito estufa é duvidosa.

Especialistas criticam parceria entre empresas e Embrapa

Integrante do núcleo executivo da Articulação Nacional de Agroecologia, o enviado especial para Agricultura Familiar à COP30 Paulo Petersen classificou a associação da Embrapa com as patrocinadoras durante a COP30 como um erro. 

“A Embrapa não podia se prestar a abrir um espaço para empresas que estão sendo altamente contestadas. Por mais que a legislação preserve, dizendo que não há conflito de interesse, há uma questão moral aí”, afirma. 

De acordo com Petersen, a Embrapa é uma instituição pública com capacidade para fazer uma transição justa dos sistemas alimentares por meio de suas pesquisas, mas está dando aval institucional – e não científico – ao agro. 

“O que a Embrapa fez em Belém não teve muito a ver com ciência, teve a ver com marketing. Teve a ver com emprestar o seu prestígio como instituição científica para as empresas que estão se reposicionando discursivamente”, acrescenta Petersen. 

“Ali não se tratou de ciência, se tratou de propaganda. Ela tem sua imagem arranhada, ficou mal na opinião pública”, completa. 

Manifestantes denunciaram na entrada da Agrizone a contaminação por agrotóxicos que atinge o Cerrado — destino de mais de 70% dos pesticidas usados no país. (Foto: Oliver Kornblihtt / Mídia NINJA)

Para Julia Catão Dias, coordenadora do programa de consumo responsável e sustentável do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, o Idec, as empresas patrocinadoras deveriam estar em espaço como a COP30 para serem cobradas e responsabilizadas por suas práticas nocivas ao meio ambiente. “Mas o que a gente observa é o contrário. Elas estão patrocinando estandes, distribuindo brindes, com outdoors nas cidades inteiras, mostrando como elas são sustentáveis”, afirma. 

Como mostrou reportagem da InfoAmazonia, um dos estandes mais visitados da Agrizone durante a COP30 foi o da Nestlé, com filas de pessoas esperando para receber brindes como garrafas reutilizáveis, chocolates e cafés em cápsula. 

Ainda durante a COP30, a própria Embrapa divulgou que representantes dos países que poderiam ser sede da próxima COP a procuraram interessados em replicar o modelo da Agrizone na próxima conferência. Para Petersen, esse interesse é responsabilidade da própria Embrapa. “O agronegócio estava sem saber se posicionar, queria fazer uma COP paralela e eu acho que a Embrapa deu a solução para o agro [com a Agrizone]”, lamenta.

Em 12 dias, 24 mil pessoas de 46 países diferentes passaram pela Agrizone, que realizou 400 eventos. Quem esteve por lá, entretanto, afirmou que ficou evidente a disparidade entre a estrutura montada para as grandes corporações e para as ações da agricultura familiar.

“A gente pode observar, olhando para aquela estrutura, salas climatizadas, estandes organizados, tudo um luxo. Quando, no mesmo espaço da Embrapa, a gente também foi conhecer a feira da agricultura familiar, vimos diferença na estrutura. A gente viu ali condições de trabalho muito ruins”, afirma Glória Batista, da coordenação nacional da Articulação Semiárido Brasileiro, a ASA.

Segundo ela, faltavam equipamentos básicos, como ventiladores, no espaço destinado aos produtores agroecológicos. Para ela, isso é um reflexo do próprio comportamento da Embrapa em geral. “Poucos pesquisadores da Embrapa têm uma visão na perspectiva da agroecologia. O forte está voltado para as grandes corporações”, acrescenta Batista. 

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O MDS afirmou, em nota, que firmou com a Embrapa um Termo de Execução Descentralizada, que não envolveu pagamento de patrocínio. Por isso, recebeu uma área de 10 m² para instalação de um estande no Pavilhão de Exposição. “Coube ao Ministério a responsabilidade por eventuais incrementos à montagem básica do estande, mediante contratação direta com a montadora oficial do evento ou com montadora própria”, disse o órgão em nota. 

A participação na Agrizone, segundo o órgão, foi uma forma de “assegurar que as pautas de Segurança Alimentar e Nutricional estivessem adequadamente representadas na COP30”.

Ao fim da COP30, a presidente da Embrapa, Silvia Massruhá, afirmou que a Agrizone trouxe “tecnologias para mostrar que a agricultura brasileira é uma dupla solução para as mudanças climáticas”. Mas Julia Catão Dias, do Idec, alerta que divulgar soluções tecnológicas também é uma forma de maquiar o impacto do agro na crise climática, sendo inclusive mais sutil do que outras formas de propaganda verde enganosa. 

“A inteligência artificial estava sendo propagada, inclusive na Agrizone, como a solução para a crise climática. E a gente não viu nenhuma contra narrativa a isso, a não ser aquelas que vinham das organizações da sociedade civil”, pontua.

Um dos seis pilares da agenda de ação da COP30 era a transformação dos sistemas alimentares e da agricultura, mas as negociações sobre os temas foram invadidas por termos vagos e interesses empresariais, como mostrou o veículo britânico Carbon Brief, fazendo com que a cúpula terminasse sem resultados substanciais nessas áreas.

Fora das negociações formais, houve a formalização e alguns compromissos, como a Declaração de Belém sobre fome, pobreza e ação climática centrada no ser humano, e o lançamento de um programa de combate ao desperdício de alimentos, uma das fontes de emissão de gases do efeito estufa. O Brasil é um dos apoiadores deste último.

‘Poucos pesquisadores da Embrapa têm uma visão na perspectiva da agroecologia. O forte está voltado para as grandes corporações.’

Também esperava-se da COP30 um roteiro para acabar com o desmatamento, e mais ênfase na correlação entre o agro e a derrubada das florestas, mas isso também ficou de fora do texto final da cúpula. 

“Realizamos essa COP na Amazônia, com a presidência brasileira fazendo muito alarde sobre as florestas, mas em silêncio absoluto quando se trata de nomear a maior ameaça às florestas, que é a agroindústria em larga escala”, disse ao Carbon Brief Teresa Anderson, líder global de justiça climática da Action Aid.

O passivo das patrocinadoras e da própria Embrapa

De acordo com a minuta do contrato de patrocínio, as empresas que apoiaram as ações da Embrapa precisavam reconhecer, sem limitação, “a proibição de qualquer forma de trabalho escravo, forçado ou análogo, trabalho infantil, a preservação do meio ambiente, o cumprimento de normas de saúde e segurança do trabalho, assim como o respeito aos consumidores, empregados, prestadores de serviços e às comunidades estabelecidas nos locais onde desenvolvem suas atividades”.

Ainda que as informações enviadas pelas patrocinadoras para a Embrapa com provas de que cumprem esses compromissos não estejam públicas, algumas empresas patrocinadoras já foram denunciadas por ONGs e ambientalistas pelo seu impacto negativo no meio ambiente. 

A Bayer e a Nestlé, por exemplo, foram alvo de protesto em frente à Agrizone promovido pela Campanha em Defesa do Cerrado. A Nestlé já foi denunciada pela ONG Break Free From Plastic como uma das maiores causadoras de poluição por plástico no mundo e pela Fundação Changing Markets por não priorizar ações recomendadas pela ciência. E não é só isso.

Ativistas, organizações e defensores dos territórios realizaram ações em frente à Agrizone desde o primeiro dia da COP30, em 10 de novembro, criticando a tentativa de cooptação do debate climático pelo agronegócio. (Foto: Oliver Kornblihtt / Mídia NINJA)

A CNA, que administra o Senar, o principal patrocinador da Embrapa na COP30, se autodenomina a voz do agro brasileiro. No Congresso Nacional, a CNA faz lobby por meio da Bancada Ruralista e teve como agenda em 2025 pautas como o apoio à redução de impostos a produtos ultraprocessados, a votação massiva pela aprovação do PL da Devastação, que flexibilizou as regras de licenciamento ambiental, e a criação de obstáculos para a demarcação de terras indígenas.

A entidade, inclusive, acionou o Supremo Tribunal Federal, o STF, nesta semana pedindo a suspensão de novas homologações e demarcações de terras indígenas, cujas portarias e decretos foram assinados durante a própria COP30.

Um dos projetos que a CNA afirmou apoiar neste ano legislativo foi o que estabelece o Programa de Desenvolvimento da Indústria de Fertilizantes, para reduzir o custo de produção de fertilizantes no Brasil. Enquanto isso, a confederação foi contra projetos que proíbem ou restringem a pulverização aérea de agrotóxicos. 

A CNA anunciou neste ano que destinará R$ 100 milhões anuais para pesquisas da Embrapa – o valor representou 64% do orçamento total para este fim em 2024. O aporte incluiria uma curadoria de entidades, segundo informou na época a senadora e vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, FPA, Tereza Cristina, do PP do Mato Grosso do Sul, que foi ministra da Agricultura durante o governo de Jair Bolsonaro. 

Procurada pelo Intercept, a CNA não respondeu os questionamentos que fizemos sobre o patrocínio à Agrizone até a publicação desta reportagem.

O Brasil já é, hoje, o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, usando mais agrotóxicos em suas lavouras do que China e Estados Unidos juntos. Os agrotóxicos têm causado a contaminação de rios e populações na fronteira agrícola do centro-oeste brasileiro. Algumas das maiores empresas do setor de produção de agrotóxicos, como a Bayer e a UPL, eram patrocinadoras da Embrapa na COP30. 

No ano passado, várias entidades da América Latina denunciaram a Bayer na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE, por práticas sistemáticas de violações dos direitos humanos à saúde, à alimentação, à água, ao meio ambiente, à habitação, à terra, ao território e aos direitos dos povos indígenas e das comunidades camponesas pelo uso de sementes geneticamente modificadas e agroquímicos à base de glifosato. 

Um levantamento realizado pela Repórter Brasil mostrou que o glifosato, agrotóxico mais vendido no Brasil – e fabricado pela Bayer – é alvo de cerca de 1 mil ações na justiça brasileira por danos à saúde de trabalhadores e comunidades vizinhas a plantações. Nos Estados Unidos, são mais de 100 mil processos.

A Bayer tenta promover o glifosato como uma “prática regenerativa”, ao alegar que ele reduz as emissões do solo, mas ignora no seu discurso as emissões de gases na produção dele. A empresa também investe massivamente em lobby, tendo realizado 752 reuniões com autoridades governamentais entre outubro de 2022 e julho de 2024, segundo levantamento do Joio e o Trigo e da agência Fiquem Sabendo.

Procurada pela reportagem, a Bayer não respondeu diretamente aos questionamentos sobre valores e cotas adquiridas, bem como não afirmou como comprovou à Embrapa o compromisso com práticas ambientais responsáveis. 

Em nota, a empresa destacou que “historicamente tem sustentabilidade como um dos seus principais pilares estratégicos e contribui globalmente com soluções inovadoras e iniciativas ligadas à agricultura, saúde, transição energética e sistemas alimentares sustentáveis”.

‘O que a Embrapa fez em Belém não teve muito a ver com ciência, teve a ver com marketing.’

Outra patrocinadora, a Nestlé, também é alvo de críticas pelos seus impactos diretos e indiretos no meio ambiente e na saúde dos brasileiros. Um relatório publicado no ano passado pela Public Eye e a Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar, a Ibfan, por exemplo, mostra que a Nestlé vende produtos com teores de açúcar mais elevados em países do Sul Global, como o Brasil, em relação aos que vende em lugares como a Europa. 

Em 2023, uma investigação do The Bureau of Investigative Journalism, do Reino Unido, publicada no Joio e o Trigo, mostrou que a Nestlé estava comprando colágeno de gado criado em áreas desmatadas no Brasil. A empresa também já foi acusada, na Europa, de mentir sobre o uso de embalagens 100% de plástico reciclado. 

A Nestlé afirmou, em nota, que a “participação na Agrizone se deu por meio de um chamamento público feito pela Embrapa para grandes empresas, que, assim como a Nestlé, apoiam projetos de pesquisa científica”. A organização afirmou que trabalha há três décadas em parceria com a Embrapa e que, durante a COP30, firmou um convênio com a empresa de pesquisa para “acelerar o desenvolvimento de pesquisas e soluções tecnológicas, com o objetivo de reduzir emissões de gases do efeito estufa” na produção de leite, cacau e café.

Já a Toyota foi ligada, em reportagem veiculada pela Repórter Brasil, a casos de trabalho escravo. Uma carvoaria em Mirador, no interior do Maranhão, que faria parte da cadeia de fornecedores da automotiva, teria mantido trabalhadores em condições análogas à escravidão, segundo a reportagem. Há fotos de um deles amarrado depois de sofrer um espancamento na carvoaria, diz o texto.

Durante a COP30, o CEO da Toyota para a América Latina e Caribe, Rafael Chang, afirmou desconhecer o caso. O Intercept procurou a Toyota para comentar o patrocínio à Agrizone, mas não houve retorno até a publicação desta reportagem.

Além das patrocinadoras, a própria Embrapa já foi alvo de denúncias de greenwashing a favor do agro. Em setembro, o Intercept mostrou que a empresa, por meio do Centro de Inteligência Bovina da Carne, o Cicarne, defendeu adotar uma metodologia de cálculo de metano que favorece o agro, evita responsabilizá-lo pelas mudanças climáticas e é criticada por especialistas e rejeitada pelo IPCC.

Patrocinadores como a montadora Toyota e o IICA também tinham estandes dedicados a apresentar seus produtores e serviços na Agrizone. (Foto: Guilherme Lemos/Embrapa)

O metano é um dos gases do efeito estufa, e a maior parcela do metano emitido em 2023 no Brasil vem da pecuária, segundo o Observatório do Clima. Em 2023, o agro brasileiro respondeu por 75,6% das emissões de metano, sendo 98% originadas na pecuária. 

Dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa, o Seeg, do Observatório do Clima, mostram que a agropecuária respondeu por 70% das emissões de gases do efeito estufa no Brasil em 2024. Junto com as mudanças de uso da terra, como o desmatamento, são as principais responsáveis por fazer do Brasil o quinto maior emissor do planeta. 

“As empresas são muito sagazes em disputar esse espaço [da COP30], porque na medida em que elas se colocam como aquelas que estão promovendo a sustentabilidade, elas se eximem da responsabilidade que têm de produzirem a própria crise climática e socioambiental”, conclui Júlia Catão Dias, do Idec.

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