A tragédia da segurança pública no Rio de Janeiro não é isolada nem ocorre só de vez em quando. A operação que resultou em mais de 130 mortes – até o começo da tarde desta quarta-feira, 29 – é só mais um capítulo. Mas por que isso ainda se repete e nada muda?.
Primeiro, é importante dizer que a gente já vem de dias muito violentos. Só no fim de semana passado, houve muitos tiroteios na região da Tijuca, no Morro do Borel, com o Comando Vermelho, CV, invadindo um lugar chamado Casa Branca. Também houve muito tiroteio em Costa Barros.
Nessa disputa entre CV e o Terceiro Comando Puro, o TCP, a dona Marli Macedo dos Santos, de 60 anos, foi morta a tiros dentro da própria casa. Já Elisson Nascimento Vasconcelos, 33 anos, foi atingido no peito quando saía de um pagode.
A UPA que ficou fechada por sete dias, após ter sido invadida por criminosos, reabriu na segunda-feira, 27. Mas funcionou por poucas horas e foi fechada de novo por conta do tiroteio.
Eis que, na terça-feira, 28, o dia amanheceu com uma megaoperação da polícia contra o Comando Vermelho. O objetivo seria cumprir 100 mandados. O saldo até esta quarta-feira é mais de 130 pessoas mortas, sendo quatro delas policiais, 81 presos e 93 fuzis apreendidos.

Para fazer a apreensão dessas armas e cumprir os mandados, centenas de milhares de pessoas passaram o dia na linha de tiro. A polícia estima que há 500 fuzis na área onde ocorreu a operação – ou seja, a ofensiva não mexe com o problema. Mais de 100 linhas de ônibus não rodaram. Escolas e postos de saúde foram fechados.
Ainda não contabilizamos todas as vítimas de balas perdidas. Uma moça foi baleada na academia e um rapaz em situação de rua, também. Quer dizer, o custo de verdade da operação jamais será medido. E vai ficar por isso mesmo. Quer apostar quanto?
Talvez você esteja pensando: ora, não tem como cumprir mandado de prisão se os criminosos atiram contra a polícia. É verdade. Também fiquei impressionada com os drones do CV jogando bombas na polícia. Agora, pensa bem: como chegamos até aqui? Como esses drones chegaram lá? E os fuzis? E a imensa quantidade de munição? O problema é muito maior.
O estado do Rio de Janeiro não tem política de segurança. Tem um governador fraco – Cláudio Castro, do PL. Tem polícias que não conversam entre si. Convive com um permanente estado de corrupção. E aí, na hora de cumprir mandados, sobra para quem? Para quem sai todo dia pra trabalhar, porque fica na linha de tiro. Para as crianças que não foram pra aula.
O governador Castro disse que foi tudo planejado: que merda de planejamento é esse que parou uma cidade do tamanho do Rio de Janeiro? Demitam logo quem fez esse planejamento porco.
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Vou te lembrar de uma coisa: as três maiores chacinas policiais da história do estado foram no governo Castro – esse “gênio”. Foram 28 pessoas mortas no Jacarezinho, em 2021, 24 na Vila Cruzeiro, em 2022, e agora mais de 130. O que mudou com essas mortes todas?
Para acabar, preciso lembrar que o CV, assim como o PCC, é uma organização que há décadas vemos crescer . Os muitos governos federais não fizeram nada. Os muitos governadores também.
Não é culpa do PT ou do Jair Bolsonaro. O CV e o PCC são resultados de um país que decidiu empurrar o problema da segurança para debaixo do tapete por mais de 30 anos.
E aí é muito triste, mas muito triste mesmo, ver uma operação como essa de terça-feira. São mais de 130 mortos – até agora – e não vai adiantar nada. Se matar resolvesse – e a gente mata muito –, o Brasil seria a Suíça!
‘Esse é um problema que precisa de um esforço nacional para ser resolvido’.
E não é porque a gente não sabe como resolver, não. Ou vocês já esqueceram a operação da Polícia Federal contra o PCC que deu um prejuízo enorme à facção sem dar um tiro?
Hoje, tudo está na mesma: o tráfico, a polícia, o arrego, os tiroteios, tudo estará funcionando como se nada tivesse acontecido. Por quê? Porque esse é um problema que precisa de um esforço nacional para ser resolvido. Precisa de governo federal, de governador, judiciário, parlamento e sociedade atuando juntos.
Todos os países que deram respostas a esse problema, atuaram assim. No Brasil, isso parece impossível. E, enquanto for impossível, tenha certeza: a pior operação policial será sempre a próxima.
Você pode me perguntar: então, o que deve ser feito? Combater o crime exige outra lógica: atacar fluxos financeiros e patrimoniais, fortalecer corregedorias independentes e atacar a corrupção dentro do Estado. Sem isso, as ações apenas deslocam a violência e alimentam o ciclo de poder entre crime, política e polícia.
Pensa nisso! E se você ficou na linha de tiro ou teve que se esconder com seus filhos por conta do tiroteio, saiba que eu lamento demais. Não deveria ser assim com ninguém.
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