Pregadores evangélicos dos EUA invadem o Brasil com a receita que elegeu Trump

Profetas do Império

Pregadores evangélicos dos EUA invadem o Brasil com a receita que elegeu Trump


Uma enxurrada de pregadores evangélicos norte-americanos apoiadores de Trump têm visitado o Brasil nos últimos meses. A missão deles? Influenciar líderes evangélicos brasileiros. Nos congressos e encontros bíblicos pelo país, as palavras de fé e profecias se misturam ao vocabulário político. 

Os pastores vindos dos Estados Unidos têm tratado de temas como profecias, milagres, exorcismo e teologia da prosperidade – e são peça fundamental do trumpismo. Muitos procuram preparar o terreno para projetos de interesse de Trump no Brasil e América Latina, avaliam estudiosos e pastores evangélicos progressistas.

O pastor Christopher Beleke, apresentado como profeta, anunciou: o Brasil “passará por uma limpeza semelhante à ocorrida em El Salvador”, se referindo ao país governado pelo regime de exceção de Nayib Bukele e festejado pela extrema direita. 

Beleke, apresentado como profeta, anunciou: o Brasil “passará por uma limpeza semelhante à ocorrida em El Salvador”

A profetisa Chantell Cooley, que diz “impactar vidas através do sacerdócio de mercado”, abençoou o senador Flávio Bolsonaro, do PL do Rio de Janeiro, e  disse  que o Brasil é o país “escolhido”.

Já o pastor Samuel Rodriguez, uma das principais lideranças de Trump na comunidade latina nos EUA, profetizou a Silas Malafaia um dia antes do ato a favor do ex-presidente Jair Bolsonaro em 7 de setembro: “todo gigante cairá”, em possível referência ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

Os três fazem parte de uma nova onda de evangelização dos EUA que, na visão de pastores progressistas e especialistas, se assemelha a outras que já aconteceram no Brasil – e pode ser vista como uma resposta ao fortalecimento da esquerda e do progressismo na América Latina. 

A religião foi uma peça fundamental do imperialismo dos EUA no Brasil e na América Latina no século 19, durante a Ditadura Militar e até mais recentemente, durante o governo de Dilma Rousseff. Agora, na nova gestão de  Trump, esse fenômeno parece estar se repetindo – com apoio de forças evangélicas brasileiras.

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Profecia para Malafaia

Um dia antes do ato em defesa de Jair Bolsonaro, no dia 7 de setembro, o pastor Silas Malafaia, da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, recebeu a profecia do pastor Samuel Rodriguez, líder cristão evangélico norte-americano, filho de porto-riquenhos.

Amigo de Trump, Rodriguez foi conselheiro religioso dos ex-presidentes George W. Bush e Barack Obama e, agora, do atual ocupante da Casa Branca. Ele é pastor da Igreja New Season, na Califórnia, e presidente da Conferência Nacional de Liderança Cristã Hispânica, a maior organização cristã hispânica do mundo. 

“Em nome de Jesus: todo gigante em frente de ti cairá, por opção de poder de Deus. Deus o abençoe e toda força contrária cairá em nome de Jesus. E o melhor está por vir”, avisou Rodriguez a Malafaia.

No dia seguinte, durante o ato na Avenida Paulista, Malafaia provocou o algoz de Bolsonaro no STF: “Alexandre de Moraes, tu vens a mim com a toga, com o seu poder e a sua injustiça. Porém, eu venho a ti, em nome do Deus todo poderoso, a quem tu tens afrontado. O Deus Todo-Poderoso vai te derrotar no tempo certo”, assegurou

“Eles estão de volta, como estiveram no período que antecedeu ao golpe de 1964. Agora, trazem na bagagem a ideologia do trumpismo”, diz o pastor Hermes Fernandes, da Igreja Ninho da Fênix, que  se considera progressista e é crítico do movimento de extrema direita. “Em nome da fé, plantam sementes de desconfiança, subserviência e obediência cega”.

Segundo ele, grande parte desses pregadores em visitas ao Brasil usam profecias e revelações como ferramentas políticas para “descredibilizar instituições, manipular a opinião pública e defender projetos de Trump”.

‘Celebridades e jogadores trarão prosperidade’, dizem pregadores

Rodriguez fez a profecia a Malafaia na conferência Destino, na Farmasi Arena, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, nos dias 5 e 6 de setembro.

O evento foi organizado pelo coach Tiago Brunet, amigo de Malafaia e ex-membro da Igreja Comunidade Internacional da Zona Sul. Com 7,4 milhões de seguidores só no Instagram, Brunet se apresenta como “treinador de líderes, mentor de grandes personalidades e especialista em pessoas”. 

Na conferência, outros líderes evangélicos estrangeiros marcaram presença. Entre eles o pastor negro americano TD Jakes, líder da megaigreja Potter’s House, de Dallas, no Texas. Defensor da Teologia da Prosperidade — doutrina que sugere que os discursos positivos e as doações a Deus garantem a riqueza material e saúde física —, o norte-americano costuma ser citado e elogiado por Malafaia em suas falas.

Jakes visitou o Brasil em outros momentos, como em 2023, em encontros na Escola de Líderes da Associação Vitória em Cristo, a Eslavec, da igreja de Malafaia.

Já entre os dias 18 e 21 de julho, quem deu as caras no Brasil foi o pastor Christopher Beleke, de Dallas, nos Estados Unidos, fundador do ministério Faith Center. Beleke foi um dos convidados da Conferência Internacional do Evangelho Sobrenatural, em Balneário Camboriú, em Santa Catarina. 

O evento, organizado pelo apóstolo Pedro Medina, da Igreja Família do Reino, enfatizava dons espirituais, curas e profecias. Propunha uma “imersão profunda na revelação espiritual e no discernimento do tempo presente e futuro da Igreja”. 

Beleke, apresentado como profeta, anunciou: o Brasil “passará por uma limpeza semelhante à ocorrida em El Salvador”, país no qual o ditador Nayib Bukele, apoiado por Trump, impôs um regime de exceção com prisões em massa, a suspensão de direitos civis e o afastamento de juízes de seus postos.

Beleke ao lado de tradutor, na Conferência Internacional do Evangelho Sobrenatural, em Balneário Camboriú, em Santa Catarina | Reprodução/Instagram

Segundo Beleke, o Brasil se tornará uma nação próspera e “celebridades”, jogadores de futebol famosos e até presidentes trarão investimentos e riqueza ao país, inclusive jato particular aos líderes de igrejas. Deus o avisou, disse Beleke, que mais de mil megaigrejas serão abertas no Brasil.

Em janeiro, a profetisa norte-americana Chantell Cooley, que diz ser o Brasil o país escolhido para uma “nova Reforma na Igreja”, fez uma profecia ao senador Flávio Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, num culto da igreja Comunidade das Nações. 

Ao fazer uma oração diante de Flávio, de joelhos, Chantell disse que Deus iria “levantar sua família” e que pessoas que teriam tentado deixar ele e seu pai “no chão” não conseguiriam machucá-los. “Vai ter um novo lugar para vocês. Deus jogará o manto sobre você e seu pai”. 

Flávio Bolsonaro, de joelhos, em culto da igreja brasileira Comunidade das Nações, em Orlando, nos EUA | Reprodução/Facebook

A profecia aconteceu num culto da igreja brasileira Comunidade das Nações, mas no templo da denominação em Orlando, nos Estados Unidos. A igreja, fundada em Brasília pelo bispo JB Carvalho, é frequentada pela ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e pela senadora Damares Alves, do Republicanos do Distrito Federal. 

A profetisa norte-americana já tinha estado em Brasília, em 2022, na Conferência Global 22 Renascimento, organizada pela Comunidade das Nações. Com longa trajetória no mundo empresarial, Chantell Cooley é cofundadora da Columbia Southern University e vice-presidente da Columbia Southern Education Group. Ela criou o ministério religioso com o seu nome com o objetivo de aliar fé e negócios: “empoderar empresários cristãos” e “impactar vidas através do sacerdócio de mercado”.

O ‘Malafaia’ de Donald Trump

Em novembro, virá ao Brasil um outro famoso e controverso apóstolo e televangelista: Guillermo Maldonado, um hondurenho radicado nos Estados Unidos conhecido por seus supostos milagres e dons sobrenaturais. Ele vai participar do evento “Colheita Mundial Brasil 2025”, entre os dias 12 e 15 de novembro, em Osasco, na Grande São Paulo. 

Maldonado é um dos fundadores do ministério El Rey Jesús, também sediado em Miami, e conhecido mundialmente. O apóstolo é tido como uma espécie de “Malafaia de Trump” entre os latinos, segundo o pastor evangélico brasileiro Hermes Fernandes que morou nos Estados Unidos entre 2005 e 2011. 

Para o público anglófono, Trump tem como uma de suas inspiradoras a pastora Paula White, ex-apresentadora de TV e adepta da teologia da prosperidade, que criou o seu ministério religioso. 

Apoiador do presidente norte-americano, Maldonado realizou eventos em sua igreja para angariar apoio de seus fiéis a Trump, principalmente junto à comunidade latina. Para Maldonado, a presidência de Trump representava “a presença do Deus vivo”. O apóstolo e seu colega Samuel Rodriguez são considerados as vozes mais importantes do trumpismo dentro do mundo hispânico nos Estados Unidos.

Entre os responsáveis e apoiadores da vinda de Guillermo Maldonado ao Brasil estão o pastor Jair de Oliveira, da Igreja Casa da Benção; o apóstolo Pedro Medina, da Família do Reino; o apóstolo Gilson Matias, da Igreja Atus Comunidade, de São Bernardo do Campo, em São Paulo; e o pastor Paulo Corrêa Junior, da Assembleia de Deus ministério Santos, que é deputado estadual em São Paulo pelo PSD.  

Arte de divulgação da vinda de Maldonado ao Brasil para evento em Osasco, em novembro | Divulgação

Autor de mais de 100 livros, o apóstolo Maldonado fundou uma universidade, a King Jesus. Tem um programa de TV religioso internacional chamado “The Supernatural Now”. Ele chama a atenção também por morar em mansões e possuir carros luxuosos e aviões particulares. 

Durante o evento em Osasco, o apóstolo terá uma reunião com empresários e encontros com fiéis e líderes evangélicos no ginásio de esportes e no estádio da prefeitura de Osasco. A “Colheita Mundial” é anunciada como “um movimento global de salvação, cura e poder”. 

Maldonado terá no Brasil a missão, segundo os responsáveis pelo evento, de “ativar e treinar líderes, pastores, pregadores e milhares de cristãos para o último grande movimento de colheita antes da volta de Jesus”. 

O anúncio promocional do encontro em plataformas nas redes sociais afirma que “300 mil vidas foram impactadas na Bolívia, 80 mil pessoas alcançadas na Venezuela”, outras “700 mil em uma só cruzada no Paquistão” e mais de 85 milhões de pessoas “evangelizadas em um ano”. 

Não é pouco o que o evento promete: “Agora, é a vez do Brasil experimentar esse mover profético. Milagres criativos, curas sobrenaturais e uma unção de empoderamento para líderes e igrejas já estão liberados para aqueles que atenderem a este chamado”. 

O apóstolo Maldonado esteve no Brasil em julho de 2023 na convenção global da Igreja Casa da Benção, em Brasília. Em março, ele participou de evento da mesma igreja em Caldas Novas, em Goiás.

Evangelização como estratégia política

O pastor Hermes Fernandes avalia que a estratégia é enviar ao Brasil pregadores de origem latina, mesmo nascidos nos EUA, porque os americanos sabem que há antipatia de parte da população contra os pregadores de seu país. “Trump precisa de pregadores ligados a esse mundo latino para angariar apoio”, me disse Hermes Fernandes. “É um capital político gigantesco”. 

Para Magali Cunha, doutora em Ciências da Comunicação e pesquisadora em Religião e Política do Instituto de Estudos da Religião, o Iser, Trump procura fortalecer esses grupos religiosos em retribuição também ao apoio dado por eles à sua eleição.

“Há incentivo atualmente para a presença de grupos religiosos no Brasil e na América Latina, inclusive com ações missionárias entre povos indígenas e outras comunidades tradicionais, como quilombolas”, explica Cunha, também autora de um estudo sobre novos movimentos fundamentalistas na América Latina vindos dos Estados Unidos.

Na pauta desses grupos estão, segundo a pesquisadora, temas como a defesa da fé e contra o movimento negro e de gênero. “São impulsionados pela pauta da ‘liberdade religiosa’ construída na aliança de Trump com o evangelicalismo conservador e ultraconservador de matriz fundamentalista”, diz a pesquisadora. 

Há uma contradição entre as posições de líderes evangélicos de origem hispânica, como Samuel Rodriguez e Guillermo Maldonado, que apoiam Trump, enquanto o presidente norte-americano persegue e expulsa imigrantes dos Estados Unidos. 

“Já havia essa contradição quando eu morava lá. Os fiéis diziam: se apoiamos o Republicanos, estamos ao lado de quem defende a nossa fé, os nossos princípios e valores morais. Ao mesmo tempo, estamos dando um tiro no pé, pois os republicanos são contra os imigrantes. E se apoiamos os democratas, estaremos com quem está do nosso lado, mas contra os nossos valores morais e a família”, relata o pastor Hermes Fernandes.

Para Magali Cunha, os pregadores trumpistas ligados a comunidades de imigrantes enfatizam um discurso de que a perseguição se dá apenas para quem não faz as coisas corretamente. “Seriam os bandidos, os criminosos. Eles repetem muito esse discurso. Os indocumentados são orientados a buscarem ao máximo a legalidade, regularizando a sua situação, porque não podem assumir um discurso que contraria a postura do governo que eles apoiam”, observa Cunha.

“Eles procuram justificar o que Trump diz. Ao mesmo tempo, essas igrejas afirmam criar canais de proteção para essas pessoas”, conclui. 

Pregadores a serviço da ultradireita

A presença de pregadores vindos dos Estados Unidos ocorre no Brasil desde o século 19, quando chegaram aqui os primeiros missionários do sul estadunidense, conservadores e escravagistas.

A presença de pregadores americanos foi marcante também nos anos 1960 e 1970, período do surgimento das chamadas igrejas neopentecostais no país; e cresceu a partir de 2010, no governo Dilma Rousseff, do PT, quando o Plano Nacional de Direitos Humanos 3 (do terceiro governo petista) fortaleceu questões de direitos e de gênero.

Veio então, a partir daí, a reação à chamada ideologia de gênero, por grupos evangélicos e também católicos conservadores. “Como o Brasil é uma influência forte para a América Latina, acendeu a luz amarela dos grupos ultraconservadores, especialmente dos Estados Unidos, que vão passar a financiar projetos de contraposição a esse avanço”, diz Magali Cunha. “Dilma, então, enfrentou a maior oposição que um governo do PT enfrentaria”.

A onda de pregadores norte-americanos no Brasil se intensificou, durante a primeira gestão de Trump. O presidente norte-americano já se autodescreveu como presbiteriano, mas nunca demonstrou identidade estreita com a religião.  

Esse movimento também é turbinado com o apoio de grandes empresas que têm interesses que coincidem com os grupos religiosos. “Neste século 21, esses grupos ganham ainda um reforço graças aos interesses econômico-financeiros de grandes empresas, que passam a financiar seus projetos, já que colaboram com elas defendendo a entrada de suas propostas no Brasil e na América Latina”, afirma Magali Cunha. “Há apoio para esses grupos especialmente de mineradoras e de empresas interessadas em empreendimentos imobiliários em áreas quilombolas.” 

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