O projeto de Israel é incompatível com a existência de outra potência regional e, por isso, depende da destruição de todo o seu entorno. O ataque ao Irã deve ser entendido como mais um passo no sentido do projeto colonial, sionista e imperialista patrocinado pelos EUA. Essa é a avaliação de Salem Nasser, professor de Direito Internacional na FGV-SP e especialista em Oriente Médio.
Para Nasser, o ataque ao Irã era inevitável. “Israel responde não apenas com um desejo de vingança ilimitado, mas também precisa provar que é capaz de se defender e dominar os demais, expandindo seu projeto, eliminando a sensação de insegurança para o futuro”, diz o professor. “E nada disso acontece se o Irã continua onde está, como está”.
Essa é uma lição que outros países da região, como a Turquia e o Paquistão, estão tirando deste ataque, Nasser afirma. “Israel parte para atacar todos à sua volta porque não pode ter um competidor na região”.
Na noite de 12 de junho, Nasser publicou uma análise em que apontava as possibilidades crescentes de uma escalada militar de Israel contra o Irã. Horas depois, Israel cumpriu a ameaça que fazia há décadas e lançou uma série de ataques aéreos ao país persa, em flagrante violação das leis internacionais.
A agressão foi apresentada por Israel como um “ataque preventivo” contra o desenvolvimento de armas nucleares pelo Irã e matou, além de civis, altos comandantes militares e cientistas nucleares iranianos. A resposta veio algumas horas depois, com salvas de mísseis que romperam as defesas antiaéreas israelenses,atingindo a capital Tel Aviv e vários outros pontos de Israel.
Após 10 dias, os EUA entraram diretamente no conflito e atacaram três instalações nucleares iranianas. O Irã respondeu bombardeando a base militar dos EUA no Catar – a maior no Oriente Médio. Na sequência, Donald Trump anunciou o cessar-fogo entre Israel e Irã, reivindicando ter “destruído completamente” as instalações nucleares iranianas.
Um relatório vazado da própria inteligência americana, no entanto, indica que os ataques fizeram o programa nuclear do Irã retroceder “apenas alguns meses”. Segundo as autoridades de saúde iranianas, mais de 600 pessoas morreram no país – a maioria civis. Em Israel, as contagens apontam 28 mortos.
Em entrevista ao Intercept Brasil, Nasser, estudioso da região há cerca de 30 anos, analisa os ataques e sua relação com fatos históricos como a invasão do Iraque pelos Estados Unidos em 2003 ou o episódio conhecido como o “laptop da morte” em 2005.
Para ele, a maior parte da imprensa contribui para a naturalização dos crimes de guerra cometidos em sequência por Israel – além de reproduzir estereótipos e desinformação sobre o Irã. O especialista retoma a história do país no século 20 e a sequência de intervenções ocidentais na região, estratégica dos pontos de vista econômico, militar e geopolítico, para contrapor essa visão hegemônica.
Intercept – Como entender o ataque israelense ao Irã no contexto do genocídio em Gaza e, mais amplamente, do projeto de “novo Oriente Médio” de Benjamin Netanyahu? O ataque ao Irã é funcional a esse projeto?
Salem Nasser – A chave de leitura que uso há bastante tempo para entender a questão Palestina é percebê-la no contexto de um projeto colonial, sionista e imperialista representado por Israel. E, como tal, esse projeto não se realiza sem chegar ao Irã.
A cada dia, torna-se mais claro que Israel atua como uma espécie de extensão, de dependência, dos Estados Unidos no Oriente Médio – e eu digo isso como alguém que sempre foi contrário a definições que tentam explicar Israel de maneira banal, simplista.
Mas os últimos dois anos deixaram claro que Israel funciona como uma base militar avançada. Concretamente, Israel não teria feito o que fez em Gaza, no Líbano e em outras frentes por tanto tempo se não recebesse ajuda ilimitada. E não apenas porque essa é muito grande, mas porque se revelou o quão frágil Israel é sem ela.
Sem todas as potências ocidentais atuando para sustentar esse projeto – por mais que Israel possa ter bombas atômicas, ou projetos de bombas atômicas em desenvolvimento – a sua fragilidade intrínseca fica rapidamente demonstrada. Sem esse apoio, Israel não daria conta sequer de vencer o Hamas em Gaza.
Israel parte para atacar todos à sua volta porque não pode ter um competidor na região.
Então, se a chave de leitura é perceber o chamado eixo da resistência que se enfrenta com um projeto que não é apenas israelense, mas um projeto de poder colonial, fica muito claro que isso teria que chegar ao Irã. Depois do 7 de outubro [de 2023], quando se revelou a fragilidade da defesa isralense, ainda mais.
Israel responde não apenas com um desejo de vingança ilimitado, mas também precisa provar que é capaz de se defender e dominar os demais, expandindo seu projeto, eliminando a sensação de insegurança para o futuro – e nada disso acontece se o Irã continua onde está, como está.
Não por causa do programa nuclear, mas o Irã se fortalecendo, mais integrado ao mundo, com parcerias importantes… Israel não pode conviver com outra potência regional. E essa é uma lição que outros países da região, como a Turquia e o Paquistão, estão tirando deste ataque. Israel parte para atacar todos à sua volta porque não pode ter um competidor na região.
O projeto é, realmente, de destruição de todo o entorno, e inevitavelmente teria que chegar em algum momento ao Irã – tanto pelas questões próprias de Israel, como pelas questões específicas de Benjamin Netanyahu.
Quais são as razões próprias de Netanyahu?
Imaginemos o cenário de um cessar-fogo em Gaza. O governo de Netanyahu provavelmente iria cair logo depois, teria que enfrentar investigações e julgamento. Então o único caminho de Netanyahu é seguir avançando com a guerra.
O seu sonho passou a ser vencer a “guerra total” e submeter todo o Oriente Médio a Israel – o que pode ser um delírio, mas é o que ele demonstra estar buscando. Junto a isso, se há um cessar-fogo em Gaza e os palestinos ainda estão lá, ou mesmo que tenham sido totalmente deslocados, mas o Irã continua a crescer como uma potência regional, aquilo que Israel chama de um “risco existencial”, continua inteiro.
Levar a guerra até o Irã foi também uma forma, para Israel, de levar os Estados Unidos a entrar diretamente na guerra.
O fato é que, para esse projeto, a destruição não poderia ficar apenas em Gaza, ou no Líbano – era preciso destruir todo o chamado eixo da resistência. Israel acredita em um cenário em que conseguiu destruir quase todo o Hezbollah, no Líbano (o que eu não acho que seja verdadeiro), junto à queda de Bashar Al-Assad na Síria, e por isso não teria razões para parar neste momento.
O momento é visto como uma chance, e a grande pergunta que ficava era como e quando levariam a guerra ao Irã, e se convenceriam os Estados Unidos a entrar antes ou depois. E aí apareceu a oportunidade – o relatório da Agência Internacional de Energia Atômica, a AIEA.
Diferentemente do Irã, Israel não é signatário do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, não recebe inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica e nunca negou ou confirmou ter bombas atômicas – apesar de, internacionalmente, haver relativa clareza de que as tenha. De que forma a alegação sobre suspeitas de desenvolvimento de armas nucleares pelo Irã aparece neste momento?
Um primeiro elemento a pontuar são as declarações e ameaças de autoridades israelenses sobre sua capacidade nuclear. É impressionante, junto a isso, como a história se repete e como não há memória coletiva.
Desde os anos 1990, tivemos uma década com essa mesma campanha sendo repetida todos os dias, até 2003, sobre o Iraque. Se falava todos os dias no perigo, nas armas de destruição em massa, nas armas químicas e biológicas. O Bustani perdeu o emprego por causa disso [José Bustani, diplomata brasileiro que foi o primeiro diretor-geral da Organização para a Proibição de Armas Químicas e foi demitido após pressão do governo dos EUA em 2002], porque não cedeu às pressões de Bolton [John Bolton, oficial que atuava junto ao secretário do Estado dos EUA em temas de segurança internacional, foi um dos principais articuladores da invasão dos EUA ao Iraque em 2003].
Vem a invasão do Iraque, e não se encontram as tais armas. Depois, o Irã diz que tem um programa nuclear para fins pacíficos e é acusado pelos mesmos que invadiram o Iraque baseados em uma mentira – e se acredita nisso sem questionar. Continuamos na mesma.
Lembrei ainda do episódio que ficou conhecido como “o laptop da morte”, de 2005 [na ocasião, os Estados Unidos apresentaram à AIEA e outras agências um laptop roubado que conteria alegadas “evidências” de que o Irã estaria desenvolvendo armas nucleares. Posteriormente, a veracidade das informações foi questionada e as provas, desconsideradas].
O presidente da AIEA naquele período, o egípcio Mohamed ElBaradei, publicou o livro “A Era Ilusão” relatando as pressões que sofreu dos EUA contra a linguagem de seus relatórios [que não confirmavam as alegações dos EUA]. Isso também não é lembrado.
Já o atual presidente da AIEA, o argentino Rafael Grossi, tem relações próximas com Israel, que sequer faz parte do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares. Fez uma visita ao país em 2022 e, após negar entrevistas a diversos veículos do Oriente Médio, concedeu uma entrevista exclusiva ao Jerusalém Post [na entrevista, de 9 de junho, dias antes do ataque israelense ao Irã, Grossi falou abertamente sobre a possibilidade de um ataque aéreo ao país persa, descreveu a grandeza das instalações nucleares iranianas e alertou sobre o risco de um “efeito dominó” na região e no mundo caso o Irã desenvolvesse armas nucleares].
Foi apenas Israel atacar o Irã que o tom de colocar Israel como o “bem” voltou imediatamente, dando ao país o direito de fazer o que quiser.
Grossi está à disposição de Israel e, nesse caso, junto com os países europeus, que apresentaram a proposta de relatório que condenou o Irã na AIEA [dois dias depois da entrevista de Grossi, em 11 de junho, o conselho da agência aprovou uma resolução declarando que o Irã não estava cumprindo suas obrigações de não-proliferação nuclear, a primeira desse tipo em 20 anos].
A partir da resolução da agência, os países têm um prazo para propor uma resolução ao Conselho de Segurança da ONU, o que pode fazer voltar imediatamente as sanções ao Irã.
Isso para o Irã é assustador. Se forem impostas sanções, apenas um novo acordo pode removê-las. E o Irã já afirmou que, nesse caso, vai sair do Tratado de Não-Proliferação – e aí mesmo que cresce a retórica de que eles têm armas. É o cenário pronto para a guerra, e o relatório de 11 de junho foi a deixa. Uma desculpa, ainda que muito frágil, usada por Netanyahu para justificar o ataque com o discurso de que não poderia viver com essa ameaça, apoiado no relatório da agência.
Falemos sobre a cobertura feita majoritariamente pela imprensa brasileira e mundial – que ignora não apenas essa sequência de acontecimentos, como os antecedentes históricos e também não destacou a contradição de Israel não ser sequer signatário do Tratado de Não-Proliferação.
Há uma naturalização muito profunda, que vai além de ignorar a contradição que Israel não é signatário do tratado. Talvez a imprensa nem saiba disso, porque se baseia em algo anterior: a ideia de fundo, naturalizada, de que Israel ter armas nucleares é aceitável, porque é “o pessoal do bem”. É o Ocidente, são os europeus, são os brancos.
O Irã ter bombas nucleares é inaceitável, é diferente – porque são o mal. É uma cobertura que pára no tempo, que inclusive ignora tudo que aconteceu desde os anos 2000 no cenário internacional.
É impressionante ainda que, nos últimos dois anos, muita gente tenha finalmente começado a falar sobre a Palestina e a identificar o absurdo que Israel comete com a ocupação e o apartheid. Mas foi apenas Israel atacar o Irã que o tom de colocar Israel como o “bem” voltou imediatamente, dando a Israel o direito de fazer o que quiser.
Não há aprendizado sequer com as notícias recentes sobre Gaza. O Edward Said [professor e filósofo palestino] falava sobre a “cegueira” para tratar da ignorância sobre o Oriente Médio e o imperialismo. O ponto cego hoje é mais profundo, parece um bloqueio psíquico à realidade. Depende de muita ignorância combinada com má-fé – ou muita má-fé somada a um pouco de ignorância.
Esses veículos de imprensa têm uma história institucional. Vou dar o exemplo da Folha de S.Paulo: a Folha não cobriu o Iraque? O Afeganistão? A imprensa não aprende com as suas próprias coberturas. A Folha se orgulha de ter reconhecido, em 1990, erros em sua cobertura sobre a ditadura militar no Brasil. Vão esperar 20 anos para reconhecer que erraram em relação ao genocídio em Gaza de 2025? Há, ainda, um poder de lobby espetacular, que a gente nem imaginava que fosse tão forte. Por mais que a opinião pública comece a se mexer, o tom não muda.
Além do viés ideológico, há muita desinformação sobre o Oriente Médio e, especificamente, sobre o Irã – muitas vezes vinda do jornalismo profissional, que reivindica seu lugar como antídoto às fake news. Na sua avaliação, quais são os principais pontos desinformativos da cobertura midiática hegemônica?
Há coisas básicas que operam para a continuidade de uma campanha contra o Irã que parecem partir de quem nunca visitou o país ou o conhece, em primeiro lugar. Depois, há críticas que parecem ter parado em 1979 [ano da chamada Revolução Islâmica, que derrubou a dinastia do monarca Reza Pahlavi, aliado do Ocidente].
Se pesquisarmos revistas como a Manchete ou Fatos e Fotos nos anos 1970, veremos em muitas matérias as festas em comemoração aos 2.500 anos na monarquia e como foram retratadas. Aparecia a família real andando de buggy no deserto, uma espécie de Camelot do Oriente Médio.
Quando cai o regime do Xá Reza Pahlavi, não se fala, por exemplo, que os EUA tinham derrubado um primeiro-ministro em 1953 porque quis nacionalizar o petróleo [Pahlavi assumiu o poder moderador no Irã em 1953 – após um golpe de Estado operado pela inteligência dos EUA e do Reino Unido para depor o governo de Mohammed Mossadegh, primeiro-ministro que tentava nacionalizar o petróleo no país].
Nem se fala que, a partir de então, o Xá virou uma figura que recebia basicamente uma pensão dos EUA, usando o dinheiro do petróleo para comprar armas e ficando com uma parte para si. Em 1979, não se pergunta o porquê da queda do Xá, como, em que condições.
Como isso aparece na cobertura sobre os direitos das mulheres?
Hoje ainda, a cobertura se baseia em um senso comum muito semelhante ao que se falava sobre o Afeganistão. Vemos as imagens no Irã, assim como no Afeganistão, de mulheres de minissaia e jóias antes de 1979. A primeira pergunta sobre essas imagens é: essa era a realidade da maioria das mulheres iranianas? Era uma pequena elite de Teerã. Como era o interior do Irã? Como era a educação das mulheres no interior do Irã nos anos 1970? Não se faz algo que seria elementar: o comparativo de indicadores sociais antes e depois da Revolução de 1979. Quantas mulheres na universidade, no mercado de trabalho, a mortalidade infantil… Simplesmente se comprava integralmente o que vinha das agências internacionais e da imprensa americana e reproduzia isso como verdade.
Com isso, vem toda a coisa dos mulás, os aiatolás, a barba, o turbante, tudo retratado com base em estereótipos. Essa questão do radicalismo religioso era muito presente na cobertura, tendo inclusive determinado a incorporação no vocabulário brasileiro no termo “xiita” como sinônimo de radical, que continua em uso.
Jornalistas de longa data, que já fizeram grandes coberturas para grandes veículos, e cobriram o Oriente Médio desde a guerra de 1967, não conseguem hoje sair dessa ideia de que o Irã era “muito livre” antes de 1979.
Sobre o tema dos direitos das mulheres: um primeiro ponto é o que não causa o mesmo incômodo, ou é denunciado, a situação das mulheres na Arábia Saudita, por exemplo. Há um incômodo direcionado ao Irã, que é um outro sinal de ignorância, inclusive sobre o papel da mulher iraniana na sociedade. Elas estão no mercado de trabalho, são 60% das pessoas nas universidades.
É claro que há diferenças [de gênero], a questão é não é nem de longe o caso mais grave de violações de direitos de mulheres, considerando o mundo árabe, o mundo muçulmano, países africanos e asiáticos. Mas há um incômodo direcionado.
Quando houve nos últimos dias o bombardeio israelense à televisão estatal iraniana, a âncora era uma mulher. Que, antes do bombardeio, falava de forma muito eloquente. Mas simplesmente não se conhece essa figura da mulher muçulmana.
Uma semana depois do começo do conflito, quando parte da imprensa começava a sinalizar que as capacidades de resposta do Irã estariam esgotadas, o país lançou sua mais forte salva de mísseis. O que o episódio indica sobre as capacidades iranianas?
Essa era uma primeira pergunta – se o Irã conseguiria responder a Israel, e tem demonstrado que sim. Isso é muito significativo para entendermos como o Ocidente faz as suas leituras, considerando tanto a cobertura majoritária da imprensa e também dos tomadores de decisão, dos governos.
Vou contar algo pontual, mas que ajuda a ilustrar isso: tenho feito algumas experiências com a inteligência artificial e, antes do ataque, fiz uma pesquisa sobre as capacidades de o Irã responder militarmente a Israel. O que a inteligência artificial me disse, baseada nas informações que tinha consolidadas? Que os ataques anteriores feitos por Israel ao Irã [em abril, julho e outubro de 2024] haviam destruído boa parte das defesas antiaéreas e dos arsenais iranianos, comprometendo a resposta – ou seja, o que era a narrativa corrente aqui no Ocidente.
Por outro lado, eu entro em contato com a outra narrativa, a que dizia que os ataques iranianos em resposta a Israel tinham sido bem-sucedidos militarmente, e que Israel havia destruído pouca coisa no Irã em seus ataques anteriores.
É claro que pode haver muita propaganda, de um lado e de outro. Mas parece que no Ocidente, tomadores de decisão e formadores de opinião estavam mesmo confiando que Israel havia destruído a maior parte das capacidades militares iranianas, e o que o Irã estivesse muito mais fragilizado do que demonstrou estar.
A entrada dos EUA na guerra foi decisiva. Como o senhor avalia agora as possibilidades de internacionalização do conflito, considerando também outros atores como Rússia, China e Paquistão?
A Rússia deu declarações mais fortes. Além disso, a posição do Paquistão condenando os ataques de Israel foi central, porque se havia alguma confiança apoiada no fato de que Israel tem armas nucleares e o Irã não, a fala do Paquistão é uma sinalização que contrabalança.
Vladimir Putin disse que forneceu equipamentos militares aos iranianos, mas não relacionados a esta guerra. De todo modo, se posicionou de maneira mais direta. O ponto é que não é indiferente para esses países a situação — o que não quer dizer que, com uma entrada dos EUA , todos entrarão em um eixo contra.
Mas se ocorrer o melhor cenário para os israelenses – derrubar o regime, criar um caos, deixar que os americanos entrem e controlem –, é uma mudança numa distância pequena da Rússia e da China, e ao lado do Paquistão. Nenhum desses países está contente. Há o projeto da Nova Rota da Seda, que passa pelo Irã, enfim, isso afeta a todos eles.
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Os EUA podem destruir o Irã, mas e depois? Eles destruíram o Iraque e o Afeganistão, e depois não conseguiram garantir uma vitória. Pode ser uma grande destruição no Irã, mas não necessariamente uma vitória. Acho que esse equilíbrio não está dado. E acredito realmente que após os EUA atacarem, há uma forte probabilidade de isso acelerar a decadência americana, de colocar um prego no caixão de Israel.
Se a guerra pára e o Irã ainda está de pé, provando que conseguiu se manter, e ainda por cima sair do acordo nuclear, isso é uma sentença de morte para Israel – e não porque o Irã irá necessariamente atacar Israel, mas isso gera uma insustentabilidade interna para Israel.
Ninguém vai querer morar mais em Israel. Já tem muita gente saindo. E mesmo que parasse hoje, Israel está em má situação nesse sentido, de sustentabilidade do próprio projeto.
A figura de Reza Pahlavi, filho do Xá e radicado nos EUA, voltou aos meios de comunicação ocidentais durante os ataques isralenses , inclusive sendo apresentado como “príncipe herdeiro” do Irã. A figura representa uma oposição realmente existente no Irã, com força social?
Vejo que no Irã há, em primeiro lugar, uma oposição de poderia ser entendida como de “dentro” do regime, ou seja, que quer que o regime se abra, seja liberalizado, se aproxime do Ocidente. Há um documentário que se chamava “Onda verde”, sobre as revoltas de 2009 no Irã por causa da eleição do Mahmoud Ahmadinejad [ex-presidente do Irã]. Havia dois candidatos oposicionistas, e um deles era religioso. Ele estava na rua, com milhares de pessoas no comício, com bandeiras verdes, e ele dizia que a cor da revolução era verde porque essa é a cor do Islã. Ou seja, essa é uma oposição que não questiona o regime da república islâmica. Essa oposição existe.
Há também uma base muito conservadora e pró-regime que critica muitíssimo o [atual presidente] Masoud Pezeskhiam, por querer tirar o lenço [a obrigatoriedade de uso do hijab]. Há, ainda, a oposição mais feroz do Mojahedin-e-Khalq, grupo que faz atentados e operações de sabotagem internas. E há ainda uma oposição elitista, da parcela de iranianos que tem casa em Paris, em Londres, em Genebra, que tem muito dinheiro, que era daquela classe alta iraniana.
Tive uma resposta interessante quando perguntei para um funcionário do governo, que poderia ser mais alinhado ao regime, sobre a oposição. Ele me relatou os problemas econômicos que ele vivia e que o país tem, o sofrimento por causa do câmbio, pela inflação, o preço das coisas.
Falou também do que compensa isso, que são subsídios governamentais. E ele ia me dizer que o cenário era de metade contra [o governo] e metade a favor, mas se corrigiu. Disse “20% é contra, e 20% a favor. Os outros 60% querem viver, como em qualquer lugar”. Entre os 20% que são a favor, não podem ver o Xá nem pintado. E os 20% contra, não são necessariamente pela restituição da monarquia, pelo contrário.
Pahlavi fala com exilados como ele, ou um grupo muito restrito. É apresentado como príncipe herdeiro como uma romantização do Ocidente, mas não vejo que tenha força.
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