Cecília Olliveira

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‘Narcomilícia’ é invenção para absolver estado de responsabilidade na criação das milícias do RJ


O termo “narcomilícia”, que começou a circular com mais força quando foi acriticamente adotado por parte da imprensa após operações policiais durante as eleições municipais de 2020, virou sinônimo daquilo que seria um novo grupo criminoso, resultado da fusão entre milicianos e traficantes. Mas essa ideia é falsa — e serve a um propósito muito claro: virar a página e apagar o papel central das forças de segurança pública na origem, na expansão e na sustentação das milícias no Rio de Janeiro.

Para entender porque isso importa, é preciso voltar no tempo.

A milícia como conhecemos hoje não surgiu do nada. Ela é fruto de camadas históricas que se entrelaçam: nasce da repressão política da Ditadura, se alimenta do apoio financeiro de comerciantes e empresários locais, e se estrutura, desde o início, com a presença direta de agentes do Estado. Policiais, bombeiros, militares da ativa ou da reserva sempre estiveram no núcleo duro dessas organizações — e civis, muitas vezes, ocupam papéis-chave, inclusive de comando. Não há ruptura. Há continuidade.

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Entrevistei o sociólogo José Cláudio Souza Alves para meu livro e ele é direto: “Não existe hoje uma ‘narcomilícia’, tampouco uma fusão entre tráfico de drogas e milícia.” A leitura é reforçada pelo jornalista Sérgio Ramalho, autor do livro Decaído, que investiga a trajetória de Adriano da Nóbrega e suas conexões com a máfia do jogo do bicho, o clã Bolsonaro e as milícias. Segundo Ramalho, a ideia de narcomilícia é uma ficção: “Os militares graduados não desapareceram; apenas se mantêm em segundo plano, por estratégia própria. O que importa é manter a carteira funcional e o porte de arma, o que garante trânsito e influência em diferentes esferas.”

Na conversa que tive com ele, Ramalho detalhou como figuras como Ecko foram colocadas na linha de frente, mas são apenas a face visível de uma engrenagem muito maior. Por trás deles, há oficiais de verdade. Se antes a estrutura estava na mão de soldados de baixa patente, como o Cabo Bené, personagem central do Livro, hoje ela tem o respaldo do alto escalão.

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O termo “narcomilícia” passou a ser utilizado com mais frequência depois da morte de cinco milicianos em Nova Iguaçu e outros doze em Itaguaí, em outubro de 2020 – dentre eles, Bené. Eram todos do Bonde do Ecko. Em poucos dias, a narrativa ganhou força na boca do então secretário da Polícia Civil, Allan Turnowski – atualmente preso, acusado de receber propina e colaborar com o jogo do bicho. A ideia era simples e eficiente: criar uma nova categoria de criminoso, distinta da “milícia tradicional”, que permitiria separar o “nós” dos “outros”.

Como se dissesse: “Nós, da segurança pública, combatemos as milícias. Nos acusam de envolvimento, mas estamos do lado certo.” O problema é que, ao adotar esse falso conceito, esvazia-se o debate. Milicianos deixam de ser associados ao Estado. Viram traficantes com outra roupa, um outro nome. E o passado — esse sim documentado — é varrido para debaixo do tapete.

No entanto, não há um novo tipo de crime organizado surgindo. Há uma evolução das mesmas estruturas. O que existe, sim, são acordos pontuais, trocas de favores, parcerias comerciais entre grupos com interesses momentaneamente alinhados. Mas a base permanece a mesma: uma engrenagem criminosa que só funciona porque se ancora, há décadas, nas instituições do próprio Estado.

Falo mais sobre “narcomilícia” e as estratégias da cúpula de segurança do Rio de se descolar do crime no livro “Como Nasce Um Miliciano”. Adotar o termo narcomilícia é facilitar o esquecimento. É deixar de ver quem, de fato, está no comando e quem lucra com isso tudo.

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