Um sargento da Polícia Militar, que atua como coordenador do Colégio Estadual da Polícia Militar de Goiás Comendador Christóvam de Oliveira, na cidade de Pirenópolis, é investigado por ter cobrado propina para beneficiar uma empresa de eventos com um contrato de formatura do Ensino Médio.
A dona da empresa relatou ter aceitado a proposta do militar em um primeiro momento, mas se arrependeu no dia seguinte e decidiu denunciar o caso. Investigações foram abertas na Polícia Civil, a pedido do Ministério Público, e na própria Polícia Militar, por se tratar de um caso que ocorreu em um colégio militar.
Segundo a denúncia, o sargento Leonardo Silva Rabêlo, de 37 anos, pediu em fevereiro um iPhone e, depois, a quantia de R$ 10 mil para que uma empresa de Pirenópolis fosse a selecionada para realizar a formatura do Ensino Médio, programada para acontecer no segundo semestre deste ano no colégio militar.
“Sobre nossa conversa de ontem, percebo que a emoção e a pressão do momento me levaram a agir de forma contrária aos meus princípios ao concordar em pagar os R$ 10 mil para ter preferência na formatura”, escreveu a dona da empresa de eventos em mensagem enviada ao sargento e anexada na denúncia. Ela pediu para não ser identificada na reportagem porque teme represálias.
O possível favorecimento a empresas em contratos de formatura para colégios militares de Goiás não é um fato isolado. Um relatório da Secretaria de Segurança Pública de 2023 apontou para o possível direcionamento de mais de 100 contratos de eventos em 35 unidades militares de ensino, o que gerou até uma investigação no Ministério Público, ainda não concluída.
O valor de uma festa de formatura de Ensino Médio varia, mas o último evento do tipo realizado no colégio de Pirenópolis, em 2024, custou por volta de R$ 3 mil por aluno, sendo que cerca de 100 participaram – Nos colégios da capital e cidades maiores, o valor total aumenta consideravelmente. Para ser ter uma ideia, uma única formatura no ano passado em Goiânia reuniu 780 alunos. O valor é pago pelos pais, mas o colégio toma a decisão de qual empresa será contratada. No caso de Pirenópolis, a responsabilidade era do sargento Rabêlo .
Eu passei a noite pensando: ‘Isso é um crime’, relatou empresária
De acordo com um termo de declaração da dona da empresa que consta em uma investigação interna da Polícia Militar, o sargento a chamou para uma conversa pessoal com urgência no dia 26 de fevereiro. Durante essa conversa, na casa da mãe da empresária, o militar teria informado que as empresas Sense e Alto Rellevo ofereceram R$ 15 mil e R$ 10 mil, respectivamente, para conseguir o contrato da formatura. Em seguida, ele teria dito que aceitaria o segundo valor para garantir o contrato, e a empresária disse que pagaria.
“Naquele primeiro momento, eu fui tomada por uma emoção e pressão psicológica. O projeto da formatura já estava tudo pronto, e os meninos estavam animados. Eu passei a noite pensando: ‘Isso é um crime. Eu nunca cometi um crime na minha vida. Não vale a pena me sujar por tão pouco’”, relatou a empresária ao Intercept Brasil.
Após a empresária se negar a pagar a propina, uma reunião que estava marcada com os pais dos estudantes para apresentar sua proposta de formatura foi desmarcada. A empresa Sense acabou escolhida após reunião do sargento com os pais.
‘Se vira. Quero ganhar o iPhone’
Mensagens anexadas na denúncia feita pela empresária mostram que, antes de fazer o pedido da propina em dinheiro, o sargento chegou a pedir um iPhone de “presente”.
“Se vira, quero ganhar o iPhone! Dá seus pulos”, escreveu o sargento para a empresária, em mensagem enviada em 2 de dezembro do ano passado. A frase foi dita no contexto de que haveria um sorteio do aparelho telefônico pela empresa de formatura.
Em uma das respostas ao pedido do celular, a empresária sugeriu em tom de brincadeira que chamaria “todo mundo” para fazer uma vaquinha e comprar o iPhone. O sargento, então, deixou claro que a decisão sobre a escolha da empresa era dele.
“Que todo mundo que nada. O negócio é nós dois. Não tenho negócio com aluno não”, disse o sargento em áudio ao qual o Intercept teve acesso.
Antes disso, ainda durante os preparativos da festa, a empresária afirma que o sargento pediu para ganhar um iPhone em um sorteio que ocorreria no evento. Isso, segundo ela, foi levado em tom de brincadeira pela empresária nas mensagens e nunca se concretizou.
A empresa que se negou a pagar a propina para a festa de 2025 havia sido responsável por fazer a formatura de 2024 no mesmo colégio militar, mas sem qualquer pagamento indevido, de acordo com a empresária.
História que se repete
Um relatório da Gerência de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública de Goiás, de 2023, já mostrava os indícios de favorecimento de algumas empresas para realizar eventos em colégios militares, incluindo formatura, com o pagamento feito por associações de pais.
A Alto Rellevo, uma das empresas mencionadas neste relatório de 2023 por ter 99 contratos suspeitos, é citada na denúncia contra o sargento de Pirenópolis por supostamente ter oferecido uma propina de R$ 10 mil para vencer a disputa.
Comandante de Ensino da PM em Goiás foi afastado após relatório que apura denúncias
Em abril do ano passado, o comandante de Ensino da PM em Goiás, área responsável pelos colégios militares, coronel Luciano Souza Guimarães, foi afastado após o comando-geral tomar conhecimento desse relatório, segundo reportagem da TV Anhanguera, afiliada da Globo.
No entanto, depois da divulgação do relatório de inteligência no telejornal, o governador Ronaldo Caiado, do União Brasil, afastou o responsável pelo relatório de inteligência, o coronel Marco Antônio de Castro Guimarães, que era o superintendente de Inteligência. Na ocasião, a Secretaria de Segurança Pública classificou a decisão como parte de mudanças “naturais de gestão”.
Em nota, o Ministério Público informou que a 2ª Promotoria de Pirenópolis recebeu uma notícia de fato relatando possível prática de corrupção por parte do sargento. Um inquérito foi instaurado pela Polícia Civil a pedido do Ministério Público.
Além disso, o MP disse que há uma apuração em andamento sobre os fatos narrados no relatório de inteligência da Secretaria de Segurança, mas que não é possível fornecer detalhes no momento.
“Existem tratativas em andamento também a fim de que seja assinado um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com o objetivo de regularizar as associações ligadas aos colégios militares e suas atuações daqui para frente”, informou o MP, em nota.
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Já o Comando de Ensino da Polícia Militar de Goiás informou que o caso segue sendo apurado em esfera administrativa, mas não respondeu se o sargento foi afastado de suas funções durante as investigações.
Entramos em contato com o sargento, com a Polícia Civil, e com a empresa Alto Rellevo, mas não houve retorno até a publicação da reportagem.
Em nota, a empresa de eventos Sense escreveu que não está envolvida em nenhuma prática ilícita ou antiética. “As suspeitas mencionadas são completamente infundadas e desprovidas de qualquer respaldo nos fatos”.
A Sense ainda afirmou na nota que está a disposição das autoridades e está colaborando com as investigações. “Acreditamos que aqueles que lançam acusações viciadas e movidas por má-fé, responderão, ao final das investigações, legalmente, por seus atos”.
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