É triste ver tantos de vocês, alunos, chorando porque a prefeitura de São Paulo afastou os diretores das suas escolas por causa dos resultados nas provas oficiais que vocês fazem todo final de ano. Nem vocês e nem os diretores deveriam se sentir culpados por isso.
Antigamente, as crianças que tinham mais dificuldade para aprender eram chamadas de burras pelos colegas, e até pelos adultos. Ainda não usávamos a palavra bullying para dar nome a esse tipo de ataque às pessoas. Nós, educadores, demoramos muito para entender que fazer uma criança se sentir mal não ajuda ela a aprender mais rápido ou melhor.
Embora não existam crianças burras, já que todas estão enfrentando o difícil processo de aprender com seus próprios limites e no seu próprio tempo, existem, sim, adultos que são bastante burros. O adulto burro, claro, não é a mãe que nunca teve a chance de estudar, trabalha 16 horas por dia e, assim mesmo, incentiva o filho a ir para a escola.
Quantas vezes o diretor da sua escola tirou uma criança da sala de aula porque ela estava desmaiando de fome? Pois é, isso também interfere nos resultados das avaliações que deixam bravos o prefeito Ricardo Nunes, do MDB, e o secretário de educação, Fernando Padula Novaes. Estes, sim, são dois adultos que tiveram a oportunidade de aprender, mas insistem em fazer tudo errado com educadores e crianças.
Em 2015, quando parte de vocês ainda nem tinha nascido, o secretário Padula estava na Secretaria Estadual da Educação e declarou, em uma reunião, que o governo de São Paulo estava em “uma guerra” contra estudantes do ensino médio que tinham ocupado as escolas por uma educação melhor. Foi demitido do cargo de chefe de gabinete da secretaria e passou anos como coordenador do Arquivo Público do Estado, uma instituição para guardar documentos (e, pelo visto, também algumas pessoas) que se deseja proteger.
Agora, dez anos depois, Padula quer afastar os diretores de várias escolas, inclusive daquelas premiadas por seus projetos pedagógicos inovadores. A prefeitura não pretende enfrentar a pobreza das famílias, nem a falta de turmas da Educação de Jovens e Adultos, EJA, para quem teve as oportunidades educacionais negadas durante a vida, nem os baixos salários dos professores e nem um monte de outras coisas que empurram para baixo os resultados das avaliações.
A “solução” que encontraram foi obrigar os diretores escolares a treinarem os alunos para que se saiam bem nas avaliações oficiais – ainda que, nesse processo, vocês possam se sentir frustradas com os resultados eventualmente ruins. Algo assim só poderia sair da mente de adultos que, além de burros, são cínicos e autoritários.
As avaliações oficiais medem se vocês aprenderam certas coisas de português e matemática, mas nada dizem sobre o trabalho de um diretor ou sobre as qualidades individuais de vocês.
Há pesquisas sérias mostrando que indicadores como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o Ideb, só são confiáveis quando se referem às escolas de uma cidade inteira, e não a uma única escola. E, mesmo assim, eles não servem para medir a “qualidade” da educação daquela cidade, que depende de muitos outros fatores além das notas da prova e do número de alunos reprovados a cada ano.
E tem mais: ainda que esses índices refletissem a qualidade da educação, a escolha desses 25 diretores de escola certamente não foi feita por causa dos números ou das metas do Ideb das suas escolas, pois muitas delas nem possuem os piores resultados da cidade de São Paulo. Os motivos da prefeitura são outros, não sabemos quais.
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Usar um indicador como o Ideb para classificar as escolas como boas ou ruins (como faz regularmente a imprensa) ou para pedir votos nas eleições (como fazem tantos políticos) é coisa de quem não entende nada de educação ou não tem nenhuma sensibilidade social. Ou as duas coisas juntas, já que as autoridades perderam a vergonha de maltratar os diretores que fazem diferença nas suas comunidades escolares e de maltratar vocês, crianças e adolescentes, que essas mesmas autoridades teriam o dever de proteger.
Se os resultados educacionais de uma cidade não vão bem e se aceitássemos o absurdo de colocar toda a culpa por isso em uma única pessoa, essa pessoa jamais deveria ser um diretor de escola, mas o próprio secretário da educação.
Talvez seja a hora de crianças e adultos começarem a pedir o afastamento de Fernando Padula. Quem sabe uma nova temporada no cantinho do pensamento, agora no Arquivo Público Municipal, possa ajudá-lo a perceber que a gestão da educação pública não é uma guerra do estado contra crianças, adolescentes e educadores.
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