Sete militares denunciados por tentativa de golpe foram condecorados ou promovidos após o 8 de Janeiro

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Sete militares denunciados por tentativa de golpe foram condecorados ou promovidos após o 8 de Janeiro

Mesmo com avanço das investigações, oficiais do Exército receberam medalhas e comendas da própria corporação e de ministérios do governo Lula.

Sete militares denunciados por tentativa de golpe foram condecorados ou promovidos após o 8 de Janeiro

Sete oficiais do exército denunciados por tentativa de golpe de estado foram condecorados após o 8 de Janeiro – e três deles foram promovidos. Mesmo com o avanço da investigação da Polícia Federal e do Ministério Público, esses oficiais receberam medalhas, comendas ou promoção formal por suas atuações nas Forças Armadas. 

Seis deles estão entre os 11 militares e agentes de forças de segurança que podem se tornar réus nesta terça-feira, 20, quando o Supremo Tribunal Federal, o STF, decide se aceita a denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República, a PGR, no chamado ‘núcleo 3’ da trama golpista.

Os sete homenageados receberam, ao todo, 15 referências elogiosas – como o Exército denomina suas condecorações oficiais – entre janeiro de 2023 e outubro de 2024. As distinções foram medalhas ou comendas concedidas pela própria corporação ou por ministérios do governo Lula, em datas posteriores a 8 de janeiro de 2023.

A informação consta nos extratos das fichas funcionais dos 23 militares do Exército denunciados pela PGR, obtidas via Lei de Acesso à Informação por meio de parceria do Intercept Brasil com a ONG Fiquem Sabendo, especializada em transparência pública.

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Não é possível afirmar, com base nos documentos analisados, se o Exército e os ministérios do governo Lula tinham conhecimento da condição de investigados no momento da decisão pelas homenagens ou promoções. Ainda assim, todas as distinções concedidas após a tentativa de golpe foram exclusivamente medalhas e comendas – e as homenagens cessaram após o indiciamento deles pela Polícia Federal, em 2024.

Três dos sete militares homenageados ainda foram promovidos pelo Exército. Nilton Diniz Rodrigues, que era coronel no 8 de Janeiro, foi alçado ao posto de general de brigada – general de duas estrelas – em 31 de março de 2023, o que viabilizou sua nomeação para o comando da 2ª Brigada de Infantaria de Selva, no Amazonas.

Já os militares Rafael Martins de Oliveira e Rodrigo Bezerra de Azevedo passaram de majores para tenentes-coronéis 11 meses depois do 8 de Janeiro, no final de 2023 – exatamente no dia de Natal.

Quatro militares concentram 12 condecorações

Doze das 15 condecorações foram destinadas a apenas quatro militares: o general de brigada Nilton Diniz Rodrigues (quatro condecorações), o tenente-coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo (três) e os coronéis Bernardo Romão Corrêa Netto (três) e Fabricio Moreira de Bastos (duas).

O período posterior à tentativa de golpe foi o de maior reconhecimento profissional  na carreira do general Nilton Rodrigues. Ao longo de 35 anos de atuação, ele acumulou três comendas e 15 medalhas – das quais uma comenda e três medalhas foram concedidas nos últimos dois anos.

À época dos atos golpistas, Rodrigues atuava como oficial de gabinete do Comandante do Exército, em Brasília, onde permaneceu até 10 de abril de 2023, segundo registros de sua ficha funcional. Em seguida, assumiu o comando da 2ª Brigada de Infantaria de Selva, no Amazonas. Foi à frente dessa unidade que o general recebeu as quatro condecorações. Ele foi denunciado pela PGR por envolvimento na elaboração de planos que buscavam impedir a posse de Lula.

A primeira foi a comenda da Ordem do Mérito Militar – a mais alta distinção concedida pelo Exército –, no grau de Comendador (o terceiro mais elevado), entregue em abril de 2023, apenas três meses após os ataques aos Três Poderes, em Brasília.

Dois meses depois, em junho, ele recebeu a Medalha da Ordem do Mérito da Defesa, concedida pelo Ministério da Defesa a civis e militares, brasileiros ou estrangeiros, que “prestarem relevantes serviços às Forças Armadas”, segundo o site da pasta. O decreto com a lista de laureados que atribuiu a condecoração ao oficial foi assinado pelo presidente Lula e pelo comandante do Exército, Marcelo Kanitz Damasceno.

Em novembro de 2023, Rodrigues foi agraciado com a Medalha Mérito Tamandaré – distinção honorífica da Marinha do Brasil, criada para homenagear o patrono da Força, o Marquês de Tamandaré.

A última condecoração foi concedida às vésperas de se tornar pública a informação de que o general estava sob investigação por supostamente integrar a trama golpista. Em 30 de outubro de 2024 – mais de um ano e meio após o 8 de Janeiro –, ele recebeu a Medalha de Serviço Amazônico, no grau Passador de Prata. A honraria, concedida pelo Exército, reconhece militares que prestam ou tenham prestado relevantes serviços na região amazônica.

Em novembro, após o indiciamento pela PF, cessou a sequência de elogios institucionais recebidos por Rodrigues. Dias depois, o general foi transferido para a função de adido junto ao Comando da 2ª Brigada de Infantaria de Selva, em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, uma posição de apoio operacional e menor visibilidade.

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Uma trajetória laureada, sem aparentes percalços institucionais, como a do general, também foi vivida pelo coronel Bernardo Romão Corrêa Netto nos meses seguintes aos atos golpistas em Brasília. O oficial fez parte de grupo que buscou incitar golpe dentro das Forças Armadas, de acordo com a denúncia da PGR.

À época dos ataques aos Três Poderes, o coronel estava lotado no Comando Militar do Sul, em Porto Alegre, onde desempenhou as funções de chefe da seção de Pessoal e assistente-secretário de general.

Uma reportagem do Intercept revelou que, em novembro de 2022, Corrêa Netto usou recursos públicos para participar de uma reunião de teor golpista de integrantes das Forças Especiais do Exército, os chamados kids pretos, com o tenente-coronel Mauro Cid, então ajudante-de-ordens de Jair Bolsonaro na Presidência da República.

Naquele encontro, segundo a PF, foi elaborada uma carta para pressionar o comandante do Exército e outros militares a aderirem à tentativa de golpe. Cid esteve presente no encontro.

O manifesto pró-golpe articulado e assinado por Corrêa foi endereçado ao comandante do Exército. Mas isso não impediu que, posteriormente, em julho de 2023, Netto fosse transferido para o Colégio Interamericano de Defesa, em Washington, nos Estados Unidos, inicialmente como estagiário no mestrado em Defesa e Segurança Interamericana.

Após a conclusão do curso no exterior, ele passou a atuar como assessor até 9 de fevereiro do ano passado, sendo preso pela PF ao voltar para o Brasil, dois dias depois. No mesmo dia 11, o oficial foi nomeado para a função de adido junto ao Comando da 11ª Região Militar, em Brasília, seu cargo atual, segundo sua ficha funcional. 

Das 13 condecorações – entre medalhas e comendas – recebidas por Corrêa Netto ao longo de pouco mais de 30 anos de serviço militar, três foram concedidas a partir de 2023. Um mês após os atos golpistas, em 16 de fevereiro, ele foi agraciado com a Medalha Militar de Ouro, concedida pelo Exército e, em março, com a comenda da Ordem do Mérito Militar, no grau Cavaleiro.

A última homenagem foi registrada em agosto do ano passado, quando recebeu a Medalha Marechal José Pessoa, o idealizador da Aman, a Academia Militar das Agulhas Negras, destinada a militares e civis que prestaram relevantes serviços à escola de formação de oficiais.

Com o posto mais baixo entre os militares denunciados que mais receberam homenagens após a tentativa de golpe, o tenente-coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo – lotado desde 2021 no Comando de Operações Especiais, em Goiânia – foi agraciado com duas medalhas em 2023: a Medalha Mérito Aeroterrestre, grau Prata, em abril, e a Medalha Corpo de Tropa, grau Bronze, em novembro. 

Segundo a PGR, Azevedo teve papel de liderança nas ações de campo destinadas ao monitoramento e à neutralização do ministro do STF Alexandre de Moraes. 

A terceira e última homenagem recebida pelo oficial ocorreu em julho do ano passado. Na ocasião, o Exército concedeu ao tenente-coronel a Medalha do Pacificador – honraria destinada, segundo a própria corporação, àqueles “que contribuem para o prestígio da Força ou promovem relações de amizade entre o Exército Brasileiro e outras nações”.

Já o coronel Fabricio Moreira de Bastos, quarto oficial mais condecorado após os atos golpistas entre os denunciados, recebeu, nesse intervalo de dois anos, duas das 13 distinções registradas em sua ficha funcional – que inclui medalhas e um distintivo. O militar estaria envolvido na elaboração de cartas enviadas a militares da alta cúpula militar que pediam apoio ao golpe, conforme a denúncia da PGR.

Dois meses após os ataques aos prédios dos Três Poderes, Bastos foi agraciado com a Medalha Militar de Ouro. À época, exercia a função de oficial de gabinete do comandante do Exército, em Brasília – cargo que ocupava desde o primeiro trimestre de 2022.

Em dezembro de 2023, quando já atuava como adido de Defesa, Naval e do Exército junto à representação diplomática do Brasil em Israel, foi condecorado com uma das mais altas distinções do país: a Medalha da Ordem de Rio Branco, no grau de Comendador. A insígnia é conferida pelo Ministério das Relações Exteriores a “personalidades que projetam o Brasil no plano internacional”, segundo informa a pasta em seu site. O decreto com os laureados de 2023, incluindo o oficial Bastos, foi assinado por Lula e pelo ministro de Mauro Vieira. 

Após o indiciamento do coronel pela Polícia Federal se tornar público, em novembro do ano passado, ele assumiu a função de adido junto ao Estado-Maior do Exército em Brasília.

Segundo pelotão de laureados

Outros três oficiais denunciados pela trama golpista foram laureados após o maior ataque à democracia brasileira durante a Nova República. Único general desse segundo grupo, Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira foi agraciado, em julho de 2023, com a Medalha Soldado do Silêncio. Ele é acusado pela PGR de integrar núcleo de oficiais responsável por ações como o sequestro do ministro Alexandre de Moraes. 

A condecoração é concedida pelo próprio Exército “a militares da ativa ou da reserva que tenham prestado notáveis serviços ao Sistema de Inteligência do Exército ou se tenham distinguido no exercício da atividade de inteligência militar”, conforme estabelecem as normas da honraria.

Com cerca de 45 anos de carreira, o general de Exército – posto mais alto na hierarquia, equivalente a um general de quatro estrelas – passou para a reserva em novembro de 2023. À época dos atos golpistas e da condecoração, o general Theophilo – seu nome de guerra – exercia o cargo de comandante do Comando de Operações Terrestres, em Brasília.

Theophilo é apontado pela PF e pela PGR como um dos principais articuladores militares da tentativa de golpe após as eleições de 2022. Segundo as investigações, diante da recusa do então comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, em aderir ao plano golpista, o então presidente Jair Bolsonaro teria discutido com Theophilo o emprego de tropas no ataque à democracia.

Os outros dois oficiais denunciados que foram condecorados são tenentes-coronéis e cada um deles recebeu uma medalha: Guilherme Marques de Almeida e Rafael Martins de Oliveira. As homenagens foram concedidas também pela própria corporação.

Com mais de 28 anos de carreira, o tenente-coronel Almeida, que já virou réu, é o único dos condecorados a ter sido incluído no núcleo de desinformação: a acusação é de que ele atuou no grupo que produzia e disseminava notícias falsas e ataques digitais.

Ele recebeu sua sexta condecoração da carreira em março de 2023: a Medalha Marechal Osório – O Legendário, destinada a premiar “militares que se destacam pelo desempenho funcional, irrepreensível conduta e preparo físico, ou por participação em competições desportivas”, segundo suas normas do Exército. À época, exercia a função de chefe da Seção de Operações de Informação também no Comando de Operações Terrestres na capital. 

Nove meses após ser condecorado, em dezembro de 2023, o tenente-coronel assumiu o comando do 1º Batalhão de Operações Psicológicas, em Goiânia. Almeida permaneceu na função até fevereiro do ano passado, quando foi transferido a uma função de adido junto à Brigada de Operações Especiais, também sediada na capital de Goiás.

O último laureado entre os militares denunciados por tentativa de golpe de estado é o tenente-coronel Rafael Martins de Oliveira. Segundo a PGR, ele atuou para tentar convencer o Alto Comando do Exército a impedir que Lula assumisse a presidência. O oficial recebeu a Medalha Mérito Aeroterrestre, grau Ouro, em outubro de 2023 – a sexta condecoração em uma carreira militar de mais de 25 anos.

Em 8 de janeiro de 2023, Oliveira estava sem cargo: havia deixado o setor de planejamento do Comando de Operações Especiais, em Goiânia, em meados de dezembro, e ainda não havia assumido a função de instrutor e chefe da Divisão de Ensino do Centro de Instrução de Operações Especiais, em Niterói, no Rio de Janeiro, o que só ocorreria em 16 de janeiro daquele ano. Foi no exercício dessa função que recebeu sua última condecoração.

Já em fevereiro de 2024, o tenente-coronel foi transferido para a função de adido junto ao Comando da Artilharia Divisionária da 1ª Divisão de Exército, também em Niterói.

Questionamos o Exército e o Ministério da Defesa sobre o fato de as condecorações e promoções terem sido concedidas a acusados na trama golpista. Também perguntamos se elas podem ser suspensas ou canceladas. Não houve resposta até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.

O Itamaraty, por sua vez, afirmou, em nota enviada ao Intercept, que “o relatório da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe de Estado veio a público quase um ano depois do anúncio das condecorações da Ordem de Rio Branco”.

“Como ocorre anualmente, foram concedidas, em novembro de 2023, as condecorações da Ordem de Rio Branco a brasileiros e estrangeiros que se destacaram por relevantes contribuições ao Brasil. Nesse contexto, dezenove funcionários – entre diplomatas, outros funcionários do Quadro do Serviço Exterior Brasileiro, adidos militares e contratados locais – da embaixada do Brasil em Tel Aviv foram agraciados com a referida comenda”, diz o comunicado.

O Ministério das Relações Exteriores disse ainda que o coronel Fabricio Moreira de Bastos foi agraciado pela atuação que teve “no esforço de evacuação de brasileiros empreendido por aquela repartição diplomática, no contexto do conflito militar na Faixa de Gaza”. Segundo o órgão, “em esforço conjunto do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério da Defesa e de outros órgãos do Estado brasileiro, mais de 1400 brasileiros foram evacuados de Israel”.

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