Carlos Santos Soares, de 24 anos, viveu uma jornada angustiante ao passar quase três dias inteiro agarrado ao telhado de uma casa em Canoas.

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Carlos é pintor. Ele passou quase três dias inteiros em cima de um telhado, mas seu caso não virou comoção nacional.

Carlos Santos Soares, de 24 anos, viveu uma jornada angustiante ao passar quase três dias inteiro agarrado ao telhado de uma casa em Canoas.

Com as intensas chuvas que assolam o estado do Rio Grande do Sul, milhares de pessoas foram forçadas a encontrar abrigo em situações desesperadoras para escapar das águas. Carlos Santos Soares, de 24 anos, viveu uma jornada angustiante ao passar quase três dias inteiro agarrado ao telhado de uma casa em Canoas, uma das cidades gaúchas mais impactadas pela crise climática.

“Quando as águas começaram a subir, eu estava no trabalho, por volta das duas da tarde. No começo, ninguém levou a sério. A água atingia os joelhos e, em cerca de cinco horas, já estava na altura da cintura. Mais tarde, por volta das oito horas, a situação piorou. Muitos não acreditaram e acabaram presos em casa, alguns perdendo toda a família”, disse, em entrevista ao Intercept Brasil nesta quinta-feira, 9.

“O telhado era o único refúgio”, relatou Carlos, sentado em frente ao abrigo da Universidade Luterana do Brasil, a Ulbra. Poucas horas antes, o Brasil assistia ao resgate do cavalo Caramelo, também em Canoas. Também em cima de um telhado.

Durante os quase três dias no topo do edifício, Carlos e os demais sobreviventes enfrentaram desafios. “A água subiu tão rápido que a gente não teve tempo de preparar nada. Foi muito rápido e a gente já estava sem comida, sem água e sem comunicação”. Assim como o cavalo Caramelo, que emocionou o país ao ser resgatado de um telhado, Carlos e seus companheiros aguardavam por socorro.

“Foram muitas horas de agonia, sem saber se a gente seria resgatado a tempo”, contou. Após serem finalmente resgatados pelas equipes de emergência, Carlos e os outros sobreviventes foram levados na terça, 7, para o abrigo improvisado na sede da Ulbra, onde divide instalações com outras quase 6 mil pessoas. Lá, finalmente receberam os cuidados necessários.

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Se o drama de Caramelo foi resolvido com sucesso, a preocupação de Carlos ainda persiste — principalmente, com sua família. “Não consigo entrar em contato com eles. Minha mãe e minha irmã estão em Porto Alegre, que é uma das cidades mais afetadas pelas chuvas. Estou apavorado de algo ter acontecido com elas”, desabafou. Carlos disse que nem parou para pensar no futuro. “Primeiro, preciso encontrar minha família e garantir que estão bem. Depois, quero ajudar”, afirmou.

Enquanto Carlos compartilhou sua história de sobrevivência com o Intercept, em outra parte de Canoas, o cavalo Caramelo se tornou um símbolo de esperança em meio à tragédia. No abrigo da Ulbra, o assunto também mobilizou as atenções. Mas, enquanto o Brasil se derretia pela sobrevivência do animal, o clima era diferente por ali. Na maior parte das vezes, a reação ao tema era de irritação.

O abrigo da Universidade Luterana do Brasil em que Carlos e Josiel estão após serem resgatados em Canoas. (Foto: Thiago Motazo)

Mais próximo ao local onde o animal foi resgatado, algumas horas antes, outro sobrevivente, Josiel de Medeiros, me abordou porque queria dar uma declaração – sobre o cavalo Caramelo.

“A mídia veio mostrar o resgate de um cavalo porque até o presidente Lula ligou pedindo que fosse resgatar o cavalo. Então, ali estava a imprensa, com dois helicópteros filmando. Só que, no momento em que o cavalo foi resgatado, os bombeiros se retiraram, retiraram os seus barcos e saíram do local. Aí, ficou novamente para o povo salvar”.

“É essa realidade que nós estamos enfrentando hoje. É uma realidade dura de se viver. Estamos nos sentindo como se fosse um lixo, sabe? Uma coisa muito desumana”, finalizou.

Mesmo assim, Josiel mantém a esperança. “Com fé em Deus, a gente vai vencer. A gente vai tocar o barco e nós vamos conseguir. Sem ajuda de governo ou com ajuda de governo. Vamos conseguir de qualquer forma”.

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