Tatiana Dias

Arthur Lira matou o PL das fake news

Presidente da Câmara decidiu engavetar o PL 2630, o PL das fake news, por conta das 'polêmicas'. Agora, criará um grupo de trabalho para discutir outro texto.

BRASÍLIA, DF, 25.04.2023: VOTAÇÃO-FAKE-NEWS-DF - Sessão plenária na Câmara dos Deputados durante votação do pedido de urgência para o Projeto de Lei de Combate às Fake News. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), conduz os trabalhos, com relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

BRASÍLIA, DF, 25.04.2023: VOTAÇÃO-FAKE-NEWS-DF - Sessão plenária na Câmara dos Deputados durante votação do pedido de urgência para o Projeto de Lei de Combate às Fake News. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), conduz os trabalhos, com relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)
Arthur Lira e Nikolas Ferreira durante a tentativa de votação do PL 2630 em abril de 2023. Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

O PL das fake news está morto. Na tarde de terça, 9, o presidente da Câmara, Arthur Lira, anunciou a morte do PL 2630, o PL das fake news. Depois de quatro anos de discussões, audiências públicas e um lobby pesado das big techs, o projeto, até então relatado por Orlando Silva, do PC do B paulista, será enterrado.

No lugar, Lira propôs a criação de um grupo de trabalho com lideranças para discutir um novo projeto – um truque conhecido quando se quer enterrar uma ideia. Ele culpa a “falta de consenso” e a “polemização” na discussão do PL 2630. Sua ideia é discutir o novo projeto até julho, com apoio do governo federal.

Os próximos meses serão cruciais. Quem discutirá o projeto? Qual será a influência das grandes empresas de tecnologia? Por que o governo Lula, que tem tantas frentes para discutir políticas digitais, apoiou essa decisão? 

São muitas perguntas, e há muito a ser revelado nessa decisão abrupta do presidente da Câmara. Nós já mostramos aqui no Intercept Brasil o quanto a imprensa no país é contaminada com dinheiro das gigantes de tecnologia. O jornalismo independente será crucial nos próximos meses. 

Lira simplesmente jogou fora os quatro anos de discussão do PL das fake news, que foi profundamente debatido e modificado para tentar abarcar os diferentes interesses envolvidos no tema. O texto sofreu várias modificações, e seus pontos mais “polêmicos”, para usar a palavra de Lira, já haviam sido suprimidos. Mas Lira acha que seu grupo de trabalho vai criar, em 40 dias, um texto “mais maduro”.

A decisão pegou todo mundo que acompanha o projeto de surpresa. “Nos parece que, nessa queda de braços, a extrema direita munida com os argumentos das empresas acabou vencendo”, me disse Bruna Martins, gerente de campanhas global na Digital Action e membro da Coalizão Direitos na Rede, que acompanha o tema desde o princípio. A Coalizão, que reúne dezenas de organizações de defesa de direitos digitais, soltou uma nota sobre o tema

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Para piorar, o presidente da Câmara ainda quer misturar outro assunto, a regulação da inteligência artificial, que está sendo discutida no Senado. Sua ideia é alinhar os debates “sem as disputas políticas e ideológicas que estão em torno do 2630”.

Não está claro o que Lira considera “disputa ideológica”. As discussões do PL das fake news giravam em torno, por exemplo, da responsabilidade civil das empresas por conteúdos patrocinados ou monetizados – ou seja, se elas estão lucrando com conteúdos criminosos –, e punição em relação a conteúdos que violem o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Não vejo muita polêmica nessas questões.

A briga, mesmo, era porque as big techs sabiam que ia doer no bolso. E justamente fizeram um lobby pesado, que incluiu anúncios alarmistas em jornais, ecoando o discurso de bolsonaristas do naipe de Eduardo Bolsonaro e Gustavo Gayer. 

Esse esforço engavetou o PL em duas tentativas de votação, em 2022 e 2023. No ano passado, o próprio Lira se mostrou surpreso: disse que as big techs fizeram “o horror” com a Câmara e operaram para “colocar o Congresso de joelhos”. Sugeriu, até, entrar com uma ação contra elas. “É como se tivessem impedido o funcionamento de um poder”, disse. 

Só que a gente não caiu nesse discursinho surpreso do Lira. A gente sabe que ele pende para o lado que for mais conveniente. E já contamos aqui que ele próprio já havia sido premiado pela bancada das big techs – que morreu, mas segue operando nos bastidores –, sentou à mesa e posou para fotos com representantes das empresas de tecnologia.

Agora, o tema ferveu essa semana após Elon Musk peitar as decisões judiciais do ministro Alexandre de Moraes de suspender contas de notórios golpistas no X. De acordo com o Marco Civil da Internet, as empresas de internet são obrigadas a remover conteúdo após uma ordem judicial.

Em uma sequência insana de tuítes, Musk atacou o magistrado brasileiro e espalhou fake news e teorias conspiratórias, enquanto era aplaudido como paladino da liberdade de expressão pela direita brasileira. Quem lê o Intercept sabe: não tem nada de ideologia ali. É interesse em desestabilizar nosso país para beneficiar seus negócios.

No meio disso tudo, muita gente começou a defender que Arthur Lira finalmente pautasse o PL 2630 – inclusive o relator do projeto, Orlando Silva. “As big techs se arrogam poderes imperiais. Descumprir ordem judicial, como ameaça Musk, é ferir a soberania do Brasil. Isso não será tolerado!”, ele tuitou na segunda.

No dia seguinte, foi surpreendido com a decisão de Lira de atropelar o PL 2630. Publicou uma mensagem agradecendo o apoio nos últimos anos, em tom resignado. Os próximos meses prometem.

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