Há pouco mais de um mês, escrevi que nem uma mulher rica e famosa como Ana Hickmann escaparia dos males da Lei de Alienação Parental. Ela acabara de ser denunciada pelo ex-marido Alexandre Correa. Acusado de violência doméstica, o empresário alegava que a apresentadora o impedia de ver o filho do casal, de 9 anos de idade. Agora, ele pediu a prisão de Hickmann.
A imprensa tradicional se apressou em noticiar que o motivo do pedido de prisão era um ato de alienação parental: Hickmann teria se recusado a entregar a criança para convivência com o pai entre os dias 3 e 10 de janeiro. Somente depois acrescentaram uma nota da assessoria de imprensa da apresentadora, afirmando que havia combinado com a defesa do ex-marido uma mudança na data.
O que a imprensa equivocadamente não informou é que a Lei de Alienação Parental não prevê pena de prisão para quem é denunciado, muito menos a possibilidade de pedir “prisão em flagrante dentro do período de 24 horas”, como fez a defesa de Correa.
De acordo com a legislação, sancionada em 2010, são considerados alienadores aqueles que interferem na formação psicológica das crianças, implantando nelas falsas memórias para virá-las contra um dos pais. A maior punição para quem é acusado de alienação parental é a perda da guarda da criança.
A lei se baseia em pseudociência: a Síndrome de Alienação Parental. Trata-se de uma falsa teoria desenvolvida pelo estadunidense Richard Gardner, que nunca foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde e é criticada pelo Conselho Federal de Psicologia, Conselho Nacional de Assistência Social e Conselho Nacional de Saúde. Na década de 1980, Gardner produzia laudos para defender pedófilos.
Segundo a advogada Cláudia Galiberne Ferreira, homens acusados de violência doméstica – como o ex de Ana Hickmann – e de estupro de vulnerável estão tentanto equiparar a alienação parental à violência grave contra a criança. Essa é a brecha para os pedidos de prisão de mulheres que vêm acontecendo desde 2022.
Este foi o ano em que aconteceu uma mudança na Lei de Alienação Parental. Ela passou a ter um dispositivo determinando que a criança vítima deve receber escuta especializada, assim como aquelas que sofrem grave violência, como estupro.
Também em 2022, foi aprovada a Lei Henry Borel, que considera crime hediondo a violência doméstica e familiar contra menores de 14 anos. Ela, sim, prevê prisão preventiva dos acusados, mesmo antes do julgamento final. A lei foi sancionada após a morte do menino de 4 anos, espancado no apartamento em que morava com a mãe e o padrasto.
Fazer com que a alienação parental seja considerada uma forma de violência doméstica e familiar, diz a advogada Ferreira, é a estratégia de muitos homens para criminalizar indiretamente uma prática que sequer é reconhecida mundialmente e pedir a prisão das mulheres.
“É mais um massacre às mães e às crianças vítimas de homens violentos e abusadores”, ela criticou.
A situação pode se tornar ainda pior com a atualização do Código Civil Brasileiro. Uma comissão de juristas foi criada em 2023 para elaborar a nova proposta.
Segundo Ferreira, o debate se encaminha para incluir os dispositivos da Lei de Alienação Parental na parte que trata do direito de família, mas sem mencionar essas palavras, já que o conceito de alienação parental não é bem aceito.
Você pode entender melhor por que essa lei persiste no Brasil e como ela funciona na série de reportagens Em Nome dos Pais. Mergulhei por um ano em dezenas de processos movidos por homens acusados de violência doméstica ou estupro de vulnerável que acusavam as ex-mulheres de alienação parental.
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Contei essas histórias em 2023, revelando as injustiças promovidas pela Lei de Alienação Parental e os nomes dos membros do sistema de justiça que contribuíram para retirar crianças das mães e entregá-las aos pais que respondiam por violência doméstica ou mesmo por estupro dos filhos.
A lei até pode ser revogada se o novo Código Civil for aprovado como está sendo pensado, explicou a advogada, mas mães como Ana Hickmann, e outras milhares no Brasil, continuarão reféns de ex-maridos agressores ou abusadores.
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