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A Vila de Boipeba foi reconhecida nesta quarta-feira, 20 de setembro, como comunidade quilombola pela Fundação Palmares. Um mês antes, a comunidade de Moreré recebeu o mesmo título da entidade federal. As duas estão localizadas na ilha de Boipeba, no sul da Bahia, e intensificaram a luta para proteger seus territórios desde que o Inema, órgão ambiental do estado, deu uma licença para a construção de um resort que vai ocupar 20% da área.
O empreendimento chama-se Ponta dos Castelhanos e é gerido pela empresa Mangaba Cultivo de Coco LTDA. Entre os sócios, estão poderosos empresários, como José Roberto Marinho, dono da Rede Globo, e Armínio Fraga, presidente do Banco Central na gestão de Fernando Henrique Cardoso. Outros quatro completam a formação societária da empresa, que vai gerir um espaço de 1.651 hectares dentro de uma Área de Proteção Ambiental com duas pousadas de 25 quartos, outras 25 casas, pista de pouso, marina de médio porte para desembarques de lanchas e motos aquáticas.
O Intercept mostrou em março que, embora o Inema tenha liberado o início da obra, com supressão da vegetação nativa de Mata Atlântica, há uma série de problemas fundiários que envolve a Ponta dos Castelhanos. Primeiro, os sócios da Mangaba não têm a posse definitiva da área – propriedades em ilhas oceânicas e costeiras são bens da União. E, mesmo sem a concessão definitiva do governo federal, eles compraram o terreno das mãos do empresário Ramiro Queiroz, ex-prefeito da vizinha Valença, que responde a um processo na justiça baiana por tomada de terra.
Em um despacho de abril, a Superintendência de Patrimônio da União, notificou a Mangaba para suspender a obra por um prazo de 90 dias. Depois, a própria SPU prorrogou esse prazo por mais três meses. Em 2019, o Ministério Público Federal já havia notificado o Inema para “interromper o processo de licenciamento ambiental do empreendimento imobiliário Ponta dos Castelhanos”.
No entendimento do MPF, esse licenciamento só poderia ser feito depois de concluída a regularização fundiária dos territórios das comunidades quilombolas e tradicionais.
Importância do reconhecimento quilombola em Boipeba
Nesse sentido, a Vila de Boipeba e Moreré se articularam este ano para obter o reconhecimento da Fundação Palmares. A análise é feita pela entidade a partir de um processo autodeclaratório das próprias comunidades. Agora, elas passam a ter acesso a políticas públicas específicas e podem requerer a titulação das terras em que vivem junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o Incra.
Na ilha de Boipeba, a comunidade de Monte Alegre, desde 2006, também é certificada como quilombola pela fundação. Eles são vizinhos do empreendimento de Ponta dos Castelhanos e temem que, com o resort, percam rotas seculares de acesso à ilha, além de sofrerem com produtos mais caros a partir da gentrificação do espaço. Lá, atualmente vivem cerca de 120 pessoas, que tiram sustento da pesca e da mariscagem.
Outra comunidade vizinha do empreendimento é São Sebastião, popularmente conhecida como Cova da Onça. Os moradores não reivindicam serem remanescentes de quilombo e travam disputas internas entre defender ou repudiar a instalação do resort do herdeiro dos Marinhos. Em maio, o Intercept mostrou que Raimundo Siri, pescador e uma das principais lideranças que tenta barrar o empreendimento, chegou a ser ameaçado de morte e precisou deixar a ilha.
Até hoje, Siri segue fora da ilha, morando em um local não revelado para manter sua proteção. Ele nos disse que a empresa Mangaba “cooptou” muitos moradores com a promessa de ceder lotes para construção de casas, além de outras benfeitorias. “Eu não acredito em nenhuma das promessas que eles fazem. Nenhuma vírgula. Se perdemos nossas rotas de acesso e nossa autonomia, a vida vai ficar muito mais difícil”, disse.
De fato, entre as condicionantes previstas pelo Inema, a Mangaba se comprometeu a entregar dois dos 69 lotes à comunidade Cova da Onça para a construção de um centro de cultura e capacitação, um campo de futebol e uma estação de tratamento de resíduos. A empresa diz ainda que a comunidade terá ganhos imediatos com o empreendimento, com “um programa de capacitação e na geração de empregos diretos”.
O arquipélago de Cairu, onde Boipeba está situada, é formado ainda por outras duas ilhas: a homônima Cairu (sede do município) e Tinharé. Nessa última, há três comunidades quilombolas devidamente certificadas: Galeão, em 2007; Batateira, em 2010; e Garapuá, em 2020. Em Cairu, são duas: Torrinhas, em 2006; e Cajazeiras, Prata e Rua do Fogo, em 2007.
De todas, apenas Batateira está com o processo de reconhecimento definitivo pelo Incra um pouco mais avançado. As demais ainda aguardam a morosidade dos trâmites burocráticos, enquanto veem suas áreas sendo cobiçadas por grandes empreendimentos.
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