VIRGÍNIA, EUA, 06.10.2017 - OLAVO-CARVALHO - Retrato do escritor, conferencista, ensaísta, jornalista e filósofo brasileiro, Olavo de Carvalho. Ele é um dos principais representantes do conservadorismo brasileiro. Olavo na casa de um dos seus filhos em Petersburg, na Virgínia (EUA). (Foto: Vivi Zanatta/Folhapress)

A estranha obsessão de Olavo de Carvalho pelo furico alheio

Olavo de Carvalho fala, escreve e provoca recorrendo à palavra ‘cu’. O professor que parece só pensar naquilo teria indicado dois ministros de Bolsonaro.

VIRGÍNIA, EUA, 06.10.2017 - OLAVO-CARVALHO - Retrato do escritor, conferencista, ensaísta, jornalista e filósofo brasileiro, Olavo de Carvalho. Ele é um dos principais representantes do conservadorismo brasileiro. Olavo na casa de um dos seus filhos em Petersburg, na Virgínia (EUA). (Foto: Vivi Zanatta/Folhapress)

Leitor bissexto de Olavo de Carvalho, eu supunha que o escritor paulista tivesse superado a fase anal do desenvolvimento psicossexual. É aquela que, estabelece certa literatura psicanalítica, encerra-se aos três ou quatro anos de vida. O engano findou quando assisti ao vídeo de sua recente entrevista ao repórter Fred Melo Paiva, da Carta Capital. Ao falar da confiança de Jair Bolsonaro em ações policiais virtuosas, Carvalho provocou: “Isso é fascismo? Fascismo é o cu da sua mãe”.

Depois de uma carreira discreta como jornalista e astrólogo, Carvalho reencarnou na pele de autoproclamado filósofo. Ministrou cursos online para milhares de alunos e colecionou 533 mil seguidores no Facebook. Atribui-se a ele a indicação dos nomes ou a inspiração para a escolha de dois ministros pelo presidente eleito: o da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, e o das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Seria o guru ou o ideólogo mais prestigiado pela família Bolsonaro.

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“Ideólogo”, preferiu numa edição a Folha de S. Paulo. Carvalho vituperou: “Atenção, ô chefe da fôia: Ideólogo é o cu da sua mãe”.

Louvaminheiros o cultuam como um pensador. Numa nota repetitiva, ele pronuncia incessantemente o substantivo com uma sílaba e duas letras que o Houaiss enuncia como “orifício na extremidade inferior do intestino grosso, por onde são expelidos os excrementos”.

Lacrador, gracejou: “Em breve só restarão duas religiões no mundo: maconha e cu”.

Interpretou o Brasil, do alto da condição de dono de “uma perspectiva geopolítica mais ampla” e “mais profunda” do que a “de Donald Trump” e “seu secretário de Estado”: “O cu do mundo é aí [o Brasil]”; “e olha que é um cuzão”; “vocês estão que nem aquele sujeito que estava limpando o cu do elefante, e o elefante decidiu sentar, e o cara ficou lá dentro, atolado”.

Negacionista das mudanças climáticas, sofisticou o argumento: “Combustível fóssil é o cu da sua mãe. Não existe combustível fóssil porra nenhuma. Isso é uma farsa, uma palhaçada”.

Confrontado com o pensamento divergente, nocauteou: “Ora, moleque, vai tomar no olho do seu cu”.

Autor de livros “aplaudidos pelas maiores inteligências do mundo”, a confiar em sua declaração à repórter Beatriz Bulla, de O Estado de S. Paulo, Carvalho especulou no passado sobre palavrões: “Segundo entendo, foram inventados precisamente para as situações em que uma resposta delicada seria cumplicidade com o intolerável”.

Seria intolerável um urso que o escritor matou numa caçada aparentemente legal nos Estados Unidos, onde se radicou há 13 anos? Ao lado de um animal abatido, ele disparou: “Fui buscar hoje a minha Henry Big Boy [rifle] cal. 45-70. Pau no cu dos ursos”.

Não trai cumplicidade, e sim receio, ao se referir a contendores políticos: “Os caras vêm com uma piroca deste tamanho e põem no nosso cu”. Uma variante, físico-erótico-estética: “Toda piroca se torna invisível ao entrar no seu cu”.

Carvalho se embrenhou na dialética do fiofó: “Esquerdistas são pessoas que lutam pelo direito de dar o rabo sem ser discriminadas, ao mesmo tempo em que protestam para reclamar que só tomam no cu”.

Assim como a peroração sobre “cumplicidade com o intolerável” se desmancha com o exemplo do urso, o ex-astrólogo que se apresenta como “escritor de envergadura universal” derrapa na aula de história. “Não se pode vencer uma guerra dando o cu”, pontificou. Do além, guerreiros gregos de outrora gargalham com a ignorância do professor.

‘O estado das pregas’

A obsessão pelo furico alheio não é comportamento merecedor de considerações morais, e sim um mistério da alma de Carvalho. Ela a expressa contra os suspeitos de sempre: “Quando um esquerdista brasileiro chama você de fascista, ele não quer dizer que você defendeu alguma ideia fascista. Ele só quer dizer o seguinte: ‘Ai, meu cu’”.

E nas dissensões da confraria reaça, como neste tuíte endereçado ao economista Rodrigo Constantino: “Só não digo que seita fechada é o seu cu porque não averiguei o estado das pregas”.

É o próprio Olavo de Carvalho, 71, quem associa xingamentos e prazer: “A velhice é uma delícia: você não precisa respeitar mais ninguém, pode mandar todo mundo tomar no cu. É uma libertação”.

Esse papo “libertário” já está qualquer coisa? O sábio cultivado por Bolsonaro dá de ombros: “O que essa palavrinha está fazendo aí em cima? Nada de mais. Apenas avisando que só pararei de falar de cus quando pararem de ensinar as criancinhas a dar os seus”.

Até para falar de cu Carvalho apela a palavras sem lastro nos fatos: lições para “criancinhas” darem “os seus” é invencionice.

O ex-militante do Partido Comunista Brasileiro, hoje convertido ao ultradireitismo, proporcionou um discurso mais envernizado a legiões de extremistas de direita semiletrados. Jogada certeira do instrutor com formação autodidata: identificou uma necessidade e saciou-a. Mas não foi mais importante para o desenlace eleitoral do que, numa só menção, Edir Macedo. O que não significa que influencie menos do que o bispo na composição do futuro governo – ocorre o contrário.

O dito filósofo que se pavoneia como portador de “consciência da vida intelectual como ninguém mais tem”, recorre a pressupostos ilusórios para formular sínteses. Ao ouvir o nome da exposição Queermuseu, comentou: “Tava lá a menininha mexendo no pinto do homem”.

Isso, sabidamente, não aconteceu.

Carvalho chuta: “O empresariado brasileiro está vinculado à esquerda há mais de 50 anos”.

Eu penso: que o diga a coalizão, também empresarial, que derrubou Dilma Rousseff.

Relata: “As Farc têm o monopólio praticamente da distribuição de cocaína no Brasil”.

Pobre planeta: foi engambelado, em 2016, pela extinção da anacrônica guerrilha colombiana e sua decisão de depor armas.

Numa de suas satisfações supremas, historiar o jornalismo brasileiro, ensinou: “Durante o governo militar, os esquerdistas já dominavam a mídia inteira. Você não tinha um jornal chefiado por um cara de direita; nenhum”.

Trata-se de impiedosa injustiça com Boris Casoy, que chefiou a Folha durante anos, em plena ditadura. E com tantos outros editores de direita.

Em agosto de 2016, o guru de Bolsonaro concluiu, sobre o então presidente dos EUA: “Hoje em dia acredito mesmo que o Obama é um agente russo plantado na política americana”. Olavo de Carvalho é autor do livro “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota”.

Com alicerce de fantasias, fica fácil erguer catedrais fictícias. Seria como eu alinhavar o balanço futebolístico do Flamengo neste ano considerando-o campeão nacional de 2018. Que tentação.

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