Em 1966, Antônio Pinheiro Diniz foi empossado prefeito de Ibirité. Nos anos de 1988, 2000 e 2004, seu filho, Antônio Pinheiro Júnior, o Toninho Pinheiro, se tornou prefeito da mesma cidade. Em 2010 e 2014, Toninho voou mais alto e se elegeu deputado federal, cargo que ocupa até hoje. De 1995 a 2014, o irmão de Toninho, Dinis Pinheiro, foi eleito deputado estadual. Em 2012, Antônio Pinheiro Neto, filho de Toninho, foi escolhido, assim como o pai e o avô, prefeito de Ibirité – ele tinha apenas 21 anos. Em 2014, Ione Pinheiro, irmã de Toninho e Dinis, foi eleita deputada estadual.
Esse é o clã Pinheiro, de Minas Gerais, que domina o município no qual resistem em desocupar a cadeira de prefeito, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Apesar da árvore no sobrenome, a família não é exatamente conhecida por prezar pela natureza. Com sua força política, o clã quer mudar uma lei federal que protege mais de 2.100 parques nacionais e outras reservas ecológicas no país, colocando em risco o Sistema Nacional de Unidades de Conservação. A proposta de Toninho Pinheiro, do Progressistas, está na agenda da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados para ser apreciada nesta quarta-feira. Ele conta com seus pares da bancada ruralista, da qual faz parte.
A família quer garantir a propriedade e o uso de fazendas dentro e no entorno do Parque Estadual da Serra do Rola Moça, flexibilizando a legislação federal que protege Parques Nacionais e outras reservas ecológicas. Nessas terras, eles pretendem construir loteamentos. A nova redação da lei também permitiria que os Pinheiro ampliassem dois loteamentos que eles já possuem, ambos na divisa com o parque.
Além da política, a família também usa negócios privados para expandir suas posses a golpes de cimento. Eles são donos de nove empresas entre imobiliárias e construtoras, e têm nas mãos o cartório de registro de imóveis de Ibirité, onde a tabeliã é Ivana Isabel Pinheiro, irmã de Toninho, Dinis e Ione.
“Não sou político, eu estou político.”
O projeto de lei do deputado federal Toninho Pinheiro prevê que decretos de criação de Unidades de Conservação sejam extintos caso proprietários de terras dentro daquelas áreas não sejam indenizados em até cinco anos. Com a aprovação da proposta, o Parque Estadual da Serra do Rola Moça perderia parte de sua proteção, favorecendo os negócios da família.
Uma fazenda de 17 hectares – parte dentro do parque estadual, parte em sua zona de amortecimento – está registrada em nome da Liberdade Imóveis, empresa cuja sócia é a esposa de Toninho Pinheiro. Os interesses da família nessas terras são denunciados desde 2015, inclusive em audiência pública na Comissão de Meio Ambiente da Câmara.
Além disso, Toninho diz possuir a fazenda Emilândia, que tem 48 hectares – 22 deles dentro do parque. O deputado afirmou que ainda não recebeu a indenização do governo, mas diz, no entanto, que não quer o dinheiro, e que vai doar os 22 hectares de conservação para o parque. “Eu já avisei até para o Ministro do Meio Ambiente que vou doar, só falta oficializar”, disse.
Atualmente, a fazenda é arrendada para pequenos produtores rurais. Os agricultores, que cultivam hortaliças, não acreditam na doação – na verdade, eles temem que a área se transforme em um loteamento. “Ficamos preocupados quando o sítio foi vendido pros Pinheiro porque já tinham feito um loteamento aqui perto. Na fazenda tem muitas nascentes”, mostrou o produtor e diretor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ibirité, Edmar Pereira de Oliveira.
Toninho Pinheiro confirmou que pretende fazer “um empreendimento” nos hectares que restarem fora da dita doação ao parque, mas que “irá esperar passar a crise financeira”. Nós ligamos para o deputado federal. Ele disse que “não escreveu em causa própria” o projeto de lei que flexibiliza as áreas de conservação que por acaso o beneficiam. “Mesmo se eu tivesse interesse, meu interesse seria normal porque eu não sou político, eu estou político”.
Negócios de família
As operações imobiliárias dos Pinheiro são realizadas no cartório de registros de imóveis da comarca de Ibirité, que tem o nome do patriarca da família, APD – Antonio Pinheiro Diniz, ex-prefeito do município. É por lá que passam os papéis que interessam às pelo menos nove empresas, entre imobiliárias e construtoras, em Ibirité e em Belo Horizonte, pertencentes ao clã, conforme levantamento do Intercept Brasil em dados da Receita Federal.
Em salas que ficam no mesmo endereço da imobiliária Adília Adélia estão registradas outras duas empresas em nome da mulher de Dinis Pinheiro: a Camargos Empreendimentos Imobiliários e a Maravilha Empreendimentos Imobiliários. Há na cidade ainda outra, em nome de Pinheirinho, a Madri Construções e Incorporações. Já Ivana é dona da JM Pinheiro Empreendimentos Imobiliários. No nome de Ione, está a Dui Arquitetura e Construção. O ex-deputado Dinis Pinheiro é dono da Bicas Imóveis e da Divicena Imóveis, essas registradas no mesmo endereço, no Centro de Belo Horizonte.
O produto final da série de empresas são os loteamentos. A família é dona de dois que fazem divisa com a área de conservação, o Novo Barreirinho e o São João. Eles pertencem, respectivamente, às imobiliárias Liberdade Imóveis – que tem como sócia a mulher de Toninho Pinheiro –, e a Adília Adélia Ltda – que está em nome da mulher e dos filhos do ex-deputado estadual Dinis Pinheiro. Quando as obras de infraestrutura do loteamento começaram, em 2015, Antônio Pinheiro Neto, o Pinheirinho, era prefeito de Ibirité, cargo que ocupou até 2016.
A tentativa dos Pinheiro em lotear os terrenos ao redor do parque começou em 2011, mas foi a partir de 2014 que o processo passou a andar. Em dezembro, o prefeito Pinheirinho assinou um acordo com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável em que foram repassadas ao município as responsabilidades sobre o licenciamento e a fiscalização ambiental. Naquele ano, o tucano Antonio Anastasia era o governador do Estado. Ele é aliado político do clã.
Apenas dois meses depois de levar para a prefeitura o poder de licenciar novas zonas na cidade, Pinheirinho aprovou a criação do bairro que seria mais tarde batizado de São João. Ele foi criado exatamente no mesmo lugar e tem as mesmas dimensões do projeto original de um loteamento encaminhado pela imobiliária Adília Adélia.
O loteamento passou por cima da lei que determina que as zonas de amortecimento – áreas ao redor das unidades de conservação que filtram os impactos como ruídos, poluição, espécies invasoras e avanço da ocupação humana – não podem mais ser transformadas em zonas urbanas. Além disso, a resolução de 6 de dezembro de 1990, do Conselho Nacional do Meio Ambiente, determina que qualquer atividade deverá ser obrigatoriamente licenciada pelo órgão ambiental competente, no caso do parque, o Estado de Minas. “O licenciamento a que se refere o caput deste artigo só será concedido mediante autorização do responsável pela administração da Unidade de Conservação”, acrescenta a norma. Apenas uma cerca separa o loteamento Novo Barreirinho do Parque Estadual da Serra do Rola Moça.
“Isso é perseguição.”
O licenciamento ambiental do loteamento São João foi suspenso pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente. A advogada das imobiliárias Liberdade e Adília Adélia, Ady Aparecida Carneiro de Matos, justificou que houve uma mudança de entendimento da atual gestão. Quem comanda a cidade, hoje, é William Parreira, do PTC, um dos raros adversários políticos a assumir a cidade dos Pinheiro. “O governo municipal atual entendeu que será necessário, para lotear o São João, de uma autorização do parque estadual”, disse a advogada.
“Isso é perseguição e má informação. Por isso estou com esse projeto de lei em Brasília, para que não tenha nenhuma dúvida”, afirmou Toninho. Ele e Dinis Pinheiro argumentaram que as áreas do loteamento são zonas urbanas desde 2001. Neste ano, Toninho era prefeito de Ibirité.
A família nega que sua força política tenha influência em seus negócios. “Foi tudo aprovado e registrado no cartório, tudo dentro da legalidade”, disse Toninho. “O registro do empreendimento foi obtido apenas em setembro de 2015, quando sequer Dinis era deputado, e quando o atual governo do estado e seus órgãos ambientais já estavam sob a gestão do Partido dos Trabalhadores”, informou a assessoria do ex-deputado Dinis Pinheiro, por meio de nota. Dinis também concorreu ao cargo de vice-governador de Minas em 2014, na chapa encabeçada por Pimenta da Veiga. Eles foram derrotados no primeiro turno. A reportagem não conseguiu falar com Pinheirinho.
Insistência
Quase 2,9 milhões de hectares de áreas protegidas federais ainda não regularizados estão ameaçados pela proposta de Toninho Pinheiro, de acordo com informações do Instituto Socioambiental. O Ministério Público Federal publicou uma nota técnica, em outubro do ano passado, questionando a constitucionalidade do projeto. “O PL 3.751/2015 afronta a Constituição Federal, pois subordina a efetividade do direito de toda a coletividade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ao direito individual e disponível de proprietários de receber indenização”, afirma o subprocurador-geral da República, Nívio de Freitas Silva Filho, em seu texto.
Já no texto da proposta, o deputado federal argumenta que a criação de unidade de conservação sobre propriedade privada, sem que o proprietário seja imediatamente indenizado, mediante prévio pagamento em dinheiro, como manda a Constituição, é ilegal e injusta e gera um grave problema social.
Integrante da Frente Parlamentar da Agropecuária, Toninho Pinheiro apresentou um outro projeto, em 28 de abril de 2015, que modifica diretamente as zonas de amortecimento das Unidades de Conservação do país. O PL 1299/15, arquivado em dezembro de 2015, propunha a alteração da lei que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. Não contente com o arquivamento, ele apresentou outro PL, o 5370/2016, que tem o mesmo objetivo do rejeitado: ele insiste em reduzir as zonas de amortecimento, que têm o papel fundamental de proteger as Unidades de Conservação de pressões externas.
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