Se há algo de bom nessa feira de favores que virou o governo de salvação nacional, é que as entranhas da política estão expostas como nunca. Nesta quarta-feira (2), por exemplo, o presidente Michel Temer – o impopular – exonerou dez ministros que possuem mandatos de deputado para retornar à Câmara e votar pela rejeição da denúncia de corrupção contra ele. Uma vez que o trabalho sujo tenha sido feito, os ministros voltarão às suas pastas, os suplentes voltarão a ocupar suas respectivas cadeiras na Câmara e a anormalidade de sempre continuará a reinar na República.
Os dados da barganha que precedeu a votação expõem ainda mais os motivos do governo e revelam uma baixa afinidade com os suplentes. A maioria dos deputados retirados às pressas do cargo não entrou na boquinha de Temer. Apenas três dos dez parlamentares substituídos foram contemplados nos meses de junho e julho – quando a crise política piorou – com o pagamento de emendas. Foram eles: Carlos Eduardo Cadoca (PDT-PE), que recebeu R$ 1.060.715,51; Assis Melo (PCdoB-RS), que recebeu R$ 270.028,47; e Alberto Filho (PMDB-MA), que recebeu R$ 784.613,82. Os demais suplentes – Jones Martins (PMDB-RS), Nivaldo Albuquerque (PRP-AL), Rosinha da Adefal (PTdoB-AL), Wilson Beserra (PMDB-RJ), Severino Ninho (PSB-PE), Creuza Pereira(PSB-PE), Marcos Medrado(PODE-BA) – não foram agraciados.
Confira aqui as emendas e os votos dos deputados
O expediente de demissão provisória não é novo. Dilma Rousseff, por exemplo, utilizou-se dele para tentar barrar o processo de Impeachment. No governo atual, contudo, tornou-se corriqueiro. Temer já mandou ministros de volta à Câmara para a aprovação da reforma trabalhista e da Proposta de Emenda Constitucional que estabeleceu o teto dos gastos públicos.
“É como se fosse reforçar o time em campo”, disse o ministro (exonerado) da Secretaria de Governo, Antonio Imbassahy (PSDB), após uma reunião ministerial, em abril, em que foi discutida a utilização da manobra na votação da reforma da Previdência. “Afirma o compromisso daqueles que ocupam função nos ministérios no sentido de ajudar uma reforma decisiva para o futuro do Brasil”.
Todo um governo está sendo desmobilizado para proteger o mandato de um presidente que não foi eleito e que sufoca no próprio fel, com 5% de popularidade.
Certo. Naquele caso, por mais que haja críticas às propostas de mudança na Previdência, ao menos estava se discutindo uma reforma. Agora é diferente. Todo um governo está sendo desmobilizado para proteger o mandato de um presidente que não foi eleito e que sufoca no próprio fel, com 5% de popularidade.
Mas, apesar do aparente descaso para com os anseios da população, segundo o cientista político da Universidade Federal do Paraná Márcio Carlomagno não há muito o que se fazer a respeito: “É um expediente legal que está dentro das regras do jogo”, afirmou ao The Intercept Brasil.
O que não significa dizer que seja um jogo bonito, do tipo política-arte. Nem que ele não deva ser repensado. “Acho que é bem possível questionar a pertinência desta regra (e tentar pautar sua mudança), bem como seus efeitos”, diz Carlomagno. “Em alguns países, se um deputado eleito quiser assumir um cargo no ministério, precisa renunciar ao seu mandato, não apenas tirar licença, podendo voltar quando quiser. Talvez seja uma mudança saudável.”
“Em alguns países, se um deputado eleito quiser assumir um cargo no ministério, precisa renunciar ao seu mandato, não apenas tirar licença.”
Ainda segundo Carlomagno, a manobra é uma evidência de que o governo tem dúvidas quanto à fidelidade dos atuais suplentes. Como, por regra, eles pertencem às mesmas coligações políticas do deputado titular, isso denota uma insegurança mais ampla, quanto a toda a base de apoio.
Por fim, a manobra traz uma última questão: se todo mundo correu pra salvar a pele do Conde, quem, afinal, está no leme do país? Ninguém espera muito de um Sarney Filho (PV) à frente do Ministério do Meio Ambiente, de um Maurício Quintella (PR) nos Transportes, ou de um Mendonça Filho (DEM) na Educação. Mas, quando eles e outros sete coleguinhas – mais de um terço do corpo ministerial – deixam tudo de lado para sair em defesa do chefe, o que se evidencia, outra vez, é que a preocupação maior (se não única) do governo Temer é salvar-se a si próprio.
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