Brazil's presidential candidate Jose Serra (L) of the Social Democratic Party of Brazil protects his head after being "knocked silly" by a thrown object, during a rally in Campo Grande, 55 km from Rio de Janeiro's downtown, on October 20, 2010. Serra and rival Dilma Rousseff of the ruling Workers' Party, will face on October 31 in the run-off election. AFP PHOTO/Cesar Da Silva (Photo credit should read CESAR DA SILVA/AFP/Getty Images)

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O fenômeno José Serra – parte II

Até o Hipster da Federal e o Dr. Cuca Beludo tiveram mais destaque que os milhões de Serra. Por que a família Marinho protege tanto Serra?

Brazil's presidential candidate Jose Serra (L) of the Social Democratic Party of Brazil protects his head after being "knocked silly" by a thrown object, during a rally in Campo Grande, 55 km from Rio de Janeiro's downtown, on October 20, 2010. Serra and rival Dilma Rousseff of the ruling Workers' Party, will face on October 31 in the run-off election. AFP PHOTO/Cesar Da Silva (Photo credit should read CESAR DA SILVA/AFP/Getty Images)

Eu não queria ter que voltar a falar sobre José Serra e as relações ocultas do tucanato com a Odebrecht. Não quero ser repetitivo nem parecer obcecado pelo chanceler como Paulo Henrique Amorim, mas a apatia dos principais veículos de imprensa me obrigam a dedicar este espaço novamente para o assunto.

Em 14 agosto, afirmei que notícias ruins sobre o Serra são como vídeos do snapchat: duram 24 horas e somem. Permitam-me o momento cabotino: eu estava certíssimo. Naquela época, a Folha de S. Paulo noticiou que executivos da Odebrecht diriam em delação que a campanha de José Serra em 2010 recebeu ilegalmente R$23 milhões. Surpreendentemente, a notícia teve grande destaque no jornal, com direito à manchete de capa. Mas, assim como a funcionária fantasma que Serra contratou para seu gabinete, evaporou no dia seguinte. Sexta passada, porém, após 3 meses na escuridão, ela ressurgiu das cinzas e voltou para a capa da Folha. É a mesma notícia de agosto, mas com um adendo: executivos da Odebrecht afirmaram ter pago parte do caixa 2 para Serra numa conta na Suíça. Um deles, Pedro Novis, é “amigo de longa data” do ministro e chegou a ser seu vizinho. Nas planilhas da empreiteira, Serra era identificado como “careca” e “vizinho”.

No dia seguinte, a notícia não teve desdobramentos no jornal, apenas uma nota minúscula e envergonhada no fundão da página A5, cujo título era “Governo Temer silencia sobre acusação a Serra”. Nos dias seguintes, porém, quem silenciou foi a Folha, e o padrão snapchat se repetiu. Durante o resto da semana também. O script foi cumprido.

Nas redes sociais, algumas pessoas lembraram o tratamento diferenciado que o chanceler e seu partido costumam ter nas manchetes:

Em sua defesa, a Folha pode dizer que, diferentemente da Andrade Gutierrez, a delação da Odebrecht não revelou a existência de nenhuma contrapartida, o que, portanto, não configuraria propina. Isso seria verdade se a própria Folha não tivesse apurado em agosto que houve “propina paga a intermediários de Serra no período em que ele foi governador de São Paulo (de 2007 a 2010) vinculados à construção do trecho sul do Rodoanel Mário Covas.” São as sutilezas da corrupção. Em um tempo em que políticos se mobilizam para conceder anistia a quem cometeu caixa 2, é importante que se faça essa diferenciação dos termos, não é mesmo?

O UOL, portal associado à Folha, manteve durante toda a manhã da sexta-feira a notícia como principal destaque da home. À tarde, ela se apequenou e foi para o rodapé. No dia seguinte sumiu e até hoje não foi mais vista. Novamente, seguiu-se o padrão.

A BandNews, a Record e o SBT foram as únicas emissoras de TV a darem um pouco mais de atenção ao assunto. Com destaque para a Record, que dedicou quase 2 minutos – uma eternidade perto das outras – para falar do escândalo do ministro.

O Grupo Globo não gastou tinta nem com uma notinha de rodapé. O único vulto que se viu foi na coluna de Matheus Leitão, que dedicou dois parágrafos sobre o assunto num post em que faz um resumo das principais notícias dos jornais. O Jornal Nacional, que sempre repercute a manchete de capa do maior jornal do país, dessa vez não dedicou nem um milissegundo na edição de sexta-feira (28/10), nem no sábado, nem em nenhuma edição no decorrer da semana. Teve até matéria mostrando um recado que bancos suíços estão mandando para correntistas brasileiros, mas nenhuma menção à conta tucana na Suíça.

Os outros veículos do grupo também silenciaram. Parece que para o Grupo Globo, essa grave acusação contra o atual ministro das relações Exteriores não é de interesse público. Até a lista de compras de supermercado da Dilma pareceu mais relevante para o jornalismo global. O Globo informou ao Brasil detalhes de uma listinha de compras para o lanche da tarde. “Três salsichas, 100g de mussarela e uma tapioca” de uma ex-presidenta têm mais relevância jornalística para O Globo do que uma empreiteira financiando ilegalmente um ministro que representa o país no exterior. É incrível, mas até o Hipster da Federal e o Dr. Cuca Beludo tiveram mais espaço nas organizações Globo que a caixinha do Serra na Suíça.

Nosso chanceler publicou nota oficial negando tudo e, assim como no caso da funcionária que assombrava seu gabinete, nunca mais foi incomodado com o assunto. Mas o que mais me impressiona é que nenhum dos nossos combatentes jornalistas, na era da cruzada contra a corrupção, teve a curiosidade de saber o que pensa o presidente do PSDB sobre o caso.

A campanha presidencial do partido de 2010 está no olho do furacão do escândalo, mas ninguém considerou pertinente ir atrás da palavra do seu presidente. Apesar de andar sumido, Aécio é senador, todos sabem onde encontrá-lo, não há mistério. Só mesmo o Sensacionalista poderia dar essa manchete:  “Equipe de jornalistas que esperava pronunciamento de Aécio sobre Serra e Odebrecht desiste e vai pra casa”. Toda aquela voracidade para denunciar a corrupção na política parece ter murchado, tal qual o Pato da Fiesp cujo presidente, diga-se de passagem, também está sendo acusado por Duda Mendonça de ter usado a Odebrecht via caixa 2 para pagar seus serviços.

O próprio Aécio nunca desfrutou de tamanha simpatia da mídia. Suas contas secretas em Liechtenstein, por exemplo, foram objeto de longa reportagem da revista Época, da editora Globo. O fato logo em seguida caiu no esquecimento, é verdade, mas pelo menos houve um certo aprofundamento no assunto. Henrique Alves, ex-ministro do Turismo de Temer, caiu após ser acusado de receber R$1,55 milhão de propina da Transpetro. Serra é acusado de receber 12 vezes mais e continua inabalável no cargo. Não temos, como de costume, colunistas pressionando pela sua saída nem editoriais indignados. É ou não é um fenômeno?

A cobertura da política brasileira tem se pautado pela escandalização da corrupção. Cabe perguntar se há mesmo uma genuína preocupação com a ética nas relações políticas ou se  isso varia conforme o personagem envolvido e os interesses dos empresários de mídia. De qualquer forma, prometo ficar um tempo sem falar sobre o nosso fenômeno. Semana que vem, quem sabe, talvez eu traga uma entrevista com Dr. Cuca Beludo para falar sobre a dieta sem glúten da Dilma  revelada no vazamento da lista de supermercado publicada pela Globo.

Foto de cima: Serra, “meio grogue”, após ser atingido na cabeça por um objeto na campanha presidencial em 2010.

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